Verdades e mentiras usadas para justificar a correção do mercado de obrigações

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ryanmilani, Flickr, Creative Commons

Em apenas uma semana, o mercado de obrigações deu um valente susto aos investidores. A queda foi rápida e especialmente intensa, afetando sobretudo a dívida pública. Correção técnica ou princípio de um movimento de queda mais assinalável? Os gestores não estão de acordo quanto à resposta. Alguns acreditam que a queda reflete um movimento técnico motivado pela saída de dinheiro, depois das massivas entradas registadas nos últimos tempos por esta classe de ativos. Noutro extremo está Tanguy Le Saout, gestor por exemplo do Pioneer Funds-Euro Aggregate Bond, que acredita que apesar dos argumentos anteriores, as yieds das obrigações terminarão o ano em níveis superiores aos atuais, pelo que não considera aumentar a exposição agora que as yields subiram.

No entanto, o diretor de obrigações europeias da Pioneer Investments não descarta um favorável comportamento do ativo a curto prazo. “Depois de se registar uma venda massiva tão brusca, deve esperar-se uma redução das yields  à medida que os investidores aproveitem a redução dos preços/aumento das yields”, afirma. No entanto, Le Saout explica que do ponto de vista da equipa que dirige, muitos dos problemas observados durante os últimos 12 meses continuam a ser atuais. “Acreditamos que as yields continuam a ser demasiado baixas de uma perspetiva fundamental, a inflação aumentará lentamente e minará as valorizações atuais, a atividade económica recuperará e o crescimento ganhará força”. Será o mercado a determinar quem é que tem razão. Por enquanto convém destacar que são muitos os motivos que se têm usado para justificar a subida das yields das obrigações. Segundo Tanguy, alguns são credíveis. Outros nem por isso. O especialista analisa-os.

1.     O medo que de que o BCE possa reduzir o seu programa de flexibilização quantitativa (QE) – pouco credível do ponto de vista de Le Saout. “O presidente Mario Draghi descartou esta possibilidade na sua última conferência de imprensa celebrada depois da reunião do BCE: o programa prolongar-se-á até setembro de 2016 e ascenderá aos 60.000 milhões de euros por mês”.

2.     O medo de que as negociações gregas não avancem – pouco plausível segundo o gestor. “A subida das yields poderia ter a ver com a Grécia se apenas fossem os ativos europeus a sofrer vendas massivas, mas isto não é explicação, porque também os títulos do Tesouro norte-americano estão a sofrer essas mesmas vendas, tal como o dólar norte-americano e as obrigações australianas”.

3.     Os cortes de taxas, introduzidos recentemente na China, vão beneficiar o crescimento do gigante asiático e (por extensão) o crescimento mundial. O que, segundo o gestor, é pouco provável. “Não restam dúvidas de que as autoridades chinesas adotaram todas as medidas necessárias para apoiar o crescimento do país, mas os cortes das taxas nesse país não deverão afectar as obrigações soberanas da periferia europeia com vencimento a longo prazo”.

4.     A melhoria do dados económicos na Europa. Isto é algo verdadeiro, do seu ponto de vista e que pode ter influência. “As previsões económicas para a Zona Euro foram revistas em alta repetidamente durante os quatro primeiros meses do ano e, atualmente, são em média de 1,5% para 2015, e até mais elevadas em 2016”.

5.     Uma maior oferta de obrigações soberanas na Europa, algo que do seu ponto de vista é muito verosímil. “As compras por parte do BCE, em conjunto com a dinâmica favorável da oferta na Europa durante o primeiro trimestre fizeram com que muitos investidores se questionassem quem irá vender as suas obrigações ao BCE. Acreditamos que a pergunta mais adequada é quem é que não vai vender as suas obrigações ao BCE. A oferta líquida de obrigações soberanas até maio é muito positiva na Europa, o que poderá elevar ainda mais as yields das obrigações. No entanto, em junho e julho será muito negativa, pelo que durante esses meses poderemos presenciar uma recuperação das yields das obrigações”.

6.     Uma surpresa ao nível da subida da inflação, é muito provável do ponto de vista de Tanguy Le Saout. “A recuperação do preço do petróleo, que praticamente passou despercebida, implica que a inflação passará de números negativos a positivos em todo o mundo e acabará com qualquer explicação relativa à deflação. Os mercados de obrigações que contam com uma proteção perante a inflação sentiram este efeito, e as taxas de inflação implícitas na Europa e nos EUA recuperaram mais fortemente”.

7.     As valorizações, um ponto muito plausível para Le Sout. “Tendo em conta que entre 30% e 35% do mercado de dívida soberana negoceia com yields negativas, e que alguns títulos corporativos são emitidos inclusive com yields negativas em francos suíços, os investidores começaram a considerar a compra de obrigações com yields negativas”.

8.     O posicionamento é também algo provável para o especialista, para quem este factor constitui, muito possivelmente, a principal causa da venda massiva. “Os movimentos mais importantes aconteceram nas operações preferidas de 2015 – posições longas em obrigações europeias (sobretudo obrigações periféricas a longo prazo), posições longas em dólar face ao euro, longas em títulos do Tesouro norte-americano e obrigações australianas (devido às yields relativamente elevadas), e ainda  nas posições longas em ações europeias. Isto sugere que os investidores contavam com muitas posições similares, o que por sua vez teve um efeito multiplicador, e fez com que muitos investidores efetuassem vendas vertiginosas”.