Um olhar sobre o tipo e quantidade de obrigações corporativas que o BCE poderá comprar

mario_draghi

Os mercados celebraram com alegria a decisão do BCE, no passado 10 de março, de começar a comprar dívida corporativa como parte do seu programa de aquisição de ativos; Wolfgang Bauer, gestor da M&G Investments, constata que os diferenciais da dívida corporativa europeia com grau de investimento se comprimiram uns 20 pontos base desde então.

Não obstante, nestas semanas divulgaram muito poucos detalhes sobre como será executado o programa. De uma forma geral, os investidores sabem que a autoridade monetária comprará dívida corporativa não bancária de emissores europeus com grau de investimento, a partir do segundo trimestre de 2016. Entre as maiores dúvidas estão o quando, o como (será que o banco central operará no mercado primário ou secundário?), em que quantidade e outras questões mais técnicas, como por exemplo, se o BCE estará obrigado a vender, se alguma das obrigações no balanço perder o grau de investimento.

Com o objetivo de fazer uma primeira aproximação ao que a autoridade monetária poderá trazer em mãos, Bauer realizou um filtro de todo o universo de dívida corporativa (excluindo dívida bancária, híbridos e dívida subordinada júnior) para identificar os títulos que podem entrar na lista dos elegíveis para aquisição. O especialista identificou um número de até 971 obrigações que podem estar no radar do banco central, com um património conjunto de 640.000 milhões de euros.

Critérios para a determinação do universo elegível

Na continuação, Bauer revela detalhes sobre alguns dos critérios que inclui na sua análise. O primeiro deles, é o rating de crédito: foram incluídas obrigações com grau de investimento atribuído por pelo menos uma das três principais agências de rating. “Pode parecer muito generoso, já que há muitos nomes com ratings compostos abaixo do grau de investimento e que são incluídos sempre que o seu rating mais elevado seja BBB- ou melhor”, comenta o gestor.

O segundo critério é o país. Bauer realça que o comunicado do BCE especifica que comprará emissões “de corporações não bancárias estabelecidas na Zona Euro”. Como resultado do filtro por país, o gestor contata uma representação excessiva da Holanda, já que por motivos legais, uma série de empresas de outros países – como a BMW, por exemplo – estabeleceram a sua sede no país. Uma segunda questão, passa pela inclusão de muitas empresas de fora da Zona Euro que utilizaram estruturas domiciliadas na região da moeda única para emitir dívida. O especialista conclui portanto que este critério necessita de mais trabalho para dar como resultado uma fotografia mais realista do universo de dívida elegível pelo BCE. O contrário poderia resultar que o banco estaria na disposição de investir em qualquer obrigação de fora do sector bancário e com grau de investimento, de praticamente qualquer empresa do mundo, sempre e quando esta se tenha servido de um veículo ad hoc para emitir dívida na Europa.

O terceiro critério passa pelos sectores. Neste caso, Bauer pergunta-se o que se poderá passar com o resto das obrigações do sector financeiro excluindo a banca. “Incluímos obrigações de empresas seguradoras e REITS dentro do universo elegível”, indica, para justificar, em parte, o número de 971 obrigações.

Os outros critérios de exclusão foram o tamanho – o gestor eliminou emissões de menos de 200 milhões – e a maturidade, ao eliminar do screening os títulos com maturidade dentro do próximo ano e meio.

Conclusões

O resultado do filtro leva Bauer a concluir que, se o BCE seguir um procedimento similar, “os maiores beneficiários, com quantidades particularmente grandes ou obrigações potencialmente elegíveis, são a EDF e a Anheuser-Bush InBev, com uma ponderação de 3,7% e de 3,6%, respetivamente, dentro do universo elegível”. Mais além de nomes concretos, por sectores, o especialista considera que os mais beneficiados das compras do BCE seriam as utilities (22,9%), consumo básico (19,6%) e o consumo cíclico (12,5%).

O gestor considera também que mais de metade do universo hipoteticamente elegível contaria com um rating médio de BBB (51%) e de A (35,8%). Por países, acredita que a França seria o país mais beneficiado, com uma ponderação de 31,4%, seguida da Holanda (26,3%) e da Alemanha (10,5%).

Finalmente, e tendo em conta que as emissões do mercado europeu com grau de investimento costumam ter um maturidade média inferior às suas homólogas norte-americanas, do universo de dívida com possibilidades de ser adquirida, quase metade (48,5%) apresenta vencimentos a cinco anos.

“Baseando-nos no nosso filtro, e assumindo que o BCE pode comprar um terço de qualquer emissão corporativa elegível, o tamanho do universo acessível é de ‘apenas’ 210.000 milhões de euros. Mas as aquisições totais serão de 80.000 milhões de euros ao mês, 960.000 milhões de euros por ano. Ao comparar estes números, acreditamos que as aquisições de dívida corporativa provavelmente sejam encaradas como um suplemento às aquisições de dívida pública, talvez a um ritmo de uns 5.000 milhões ao mês”, explica Bauer. Com base nestas observações, o especialista termina com a conclusão de que “é inteiramente possível que a quota real de obrigações corporativas, uma vez comunicada, possa decepcionar perante as expectativas excessivamente optimistas do mercado”.