Um olhar sobre as pensões

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Nuno Coimbra

De dois em dois anos e desde 2002, a OCDE publica o seu relatório relativo as políticas e reformas dos sistemas de pensões nos países que integram aquela comunidade bem como o G20. A última edição relativa a 2017, reflecte sobre o tema da flexibilidade na reforma e o que a mesma comporta em termos de desafios e oportunidades para melhorar tanto a sustentabilidade como a adequação dos sistemas de pensões. Resumir as conclusões destes estudos bianuais constitui um enorme desafio ao poder de síntese, tal é a enorme diversidade dos sistemas envolvidos e o seu grau de maturidade e complexidade. Porém um denominador comum tem vindo a manter-se ao longo dos anos, os enormes desafios que o aumento da longevidade generalizado da população e as alterações na estrutura do trabalho geram aos sistemas de pensões e a forma como os vários decisores os enfrentam ou evitam.  

A primeira das conclusões do novo estudo prende se com a diminuição do ritmo de reformas ocorridas nos últimos dois anos. A melhoria das condições económicas e o consequente alívio nas contas públicas, alguma fadiga sobre este assunto, bem como o crescimento de volatilidade política e de algum populismo têm vindo a refrear o ímpeto reformista dos sistemas de pensões na generalidade dos países objecto de análise. Nalguns países foram inclusive revertidas medidas anteriormente adoptadas, contando – se o Canadá, República Checa e Polónia entre os países que decidiram não adoptar medidas planeadas anteriormente.

Baseado na mera contagem do número de medidas ocorridas nos últimos dois anos, regista-se uma redução de um terço em relação à ultima contagem, relativa ao período 2009-2015.

O aumento da idade de reforma é uma das medidas mais adoptadas. Esta não só melhora a sustentabilidade financeira dos sistemas de pensões ao aumentar o período de contribuições e diminuir o período de pagamentos como,  se traduzida para idade de reforma real mais alta, melhora a adequação dos sistemas.  A idade normal de reforma aumentou em cerca de metade dos países da OCDE e em vários deles este aumento está ligado ao aumento da longevidade esperada, estando Portugal incluído nesse grupo. Em média, a idade normal de reforma subirá 1.5 anos para homens e 2.1 anos para mulheres atingindo 66 anos em média em 2060. Esta subida representa no entanto apenas um terço do aumento de longevidade esperada aos 65 anos. Abaixo dos 65 anos ficarão apenas países como França, Grécia, Luxemburgo, Eslovénia e Turquia. Também a idade normal de reforma varia enormemente, entre 59 anos na Turquia e os 74 anos na Dinamarca.

Quanto aos rácios de substituição, considerados uma das medidas da adequação dos sistemas de pensões, estes situam-se entre valores tão baixos como os 22% para o Reino Unido e os 97% na Holanda para trabalhadores com salários médios e tomando estes rácios em termos brutos e para os esquemas obrigatórios. Nos países em que existem de facto esquemas privados facultativos de pensões, estes rácios de substituição podem ser em média 26 pontos superiores, de novo para salários médios. A taxa de substituição líquida média situa-se actualmente nos 63% para carreiras completas e trabalhadores com salários médios, porem esta média pouco nos transmite já que apresenta enorme volatilidade, começando nos 29% para por exemplo Reino Unido e ultrapassando os 100% para a Turquia. 

Vários países contam actualmente com mecanismos automáticos de indexação de benefícios de reforma a alterações demográficas, incluindo aumento na esperança de vida ou dimensão do mercado de trabalho, aspectos que se consideram positivos por estarem mais libertos de pressão política. Contudo, caso o emprego em idades mais avançadas não aumente de forma significativa, estes mecanismos conjugados com o envelhecimento da população terão como consequência uma diminuição do valor das pensões, ou seja redução do bem-estar na reforma.  É consequentemente necessário complementar estas medidas com políticas de promoção do trabalho em idades avançadas, as quais se devem focar na limitação do impacto da perda de trabalho, na formação contínua e na remoção de barreiras à contratação e retenção de trabalhadores mais idosos. 

O capítulo temático da nova edição do estudo relaciona-se com a flexibilidade na reforma, entendida esta como a capacidade de obter uma pensão de reforma , total ou parcial, mantendo no entanto uma actividade profissional, ainda que em horário reduzido ou a capacidade de escolher quando se concretizará a reforma. O relatório analisa a forma como trabalham e se reformam os cidadãos nos diversos países, analisa as modalidades de reforma flexível e a combinação entre trabalho e reforma, bem como a flexibilidade para escolher a data de reforma. Por fim, analisa as preferências dos cidadãos em termos de reforma e a forma como usam as possibilidades existentes.

Se grande número de países está a aumentar a idade normal de reforma dos seus sistemas de pensões e a penalizar as reformas antecipadas, a verdade é também que os trabalhadores anseiam por mais flexibilidade na reforma e uma grande parte deles gostaria de poder combinar trabalho e reforma, por motivos tão variados como escolhas pessoais associadas a necessidades familiares ou abraçar projectos pessoais adiados e adoptar outros estilo de vida, ainda que mantendo o seu contributo profissional e satisfação com o trabalho. Apesar disso, as taxas efectivas de reforma flexível são bastante modestas, com apenas 10% dos indivíduos de idade entre os 60-64 ou 65-69 a combinar trabalho e reforma na europa e 50% dos com mais de 65 anos a trabalhar em regime de part-time nos restantes países da OCDE.

Muitos dos sistemas de pensões estudados permitem combinar trabalho e reforma depois da idade normal de reforma, ainda que nalguns existam desincentivos a esta acumulação de rendimentos. Antes da data normal de reforma, subsistem algumas questões pois em mais de metade dos países observados a flexibilidade para antecipar a reforma antes da data normal é fortemente penalizada. Noutros países, a reforma alguns anos antes da data normal é possível, sendo as pensões ajustadas actuarialmente no seu valor. Nalguns outros permite-se combinar trabalho e reforma porém só em muito poucos existe a figura de reforma antecipada parcial.

Beneficiar de facto das oportunidades de reforma parcial depende da capacidade dos reformados de tomar decisões informadas e de não fazer perigar o seu rendimento na reforma, pelo que a literacia financeira assume primordial importância nestas decisões. Muito há a fazer neste capítulo, começando desde já ao nível das alterações das mentalidades e supressão dos preconceitos relativos ao trabalho dos mais idosos e das suas efectivas capacidades quer ao nível da promoção de políticas de reforma flexível.