Três coisas que estão a acontecer nos mercados de obrigações

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Sean Kenney, Flickr, Creative Commons

Jim Leaviss, gestor e responsável de obrigações de retalho da M&G Investments, costuma destacar com alguma frequência no blog Bond Vigilantes factos surpreendentes dos mercados de obrigações que passam um pouco despercebidos. O último objeto das observações do especialista foi o mercado de dívida soberana norte-americana, especialmente as valorizações.

Em primeiro lugar, Leaviss afirma que as yields de longo prazo das obrigações do Tesouro americano estão a cotar ao seu justo valor, depois de terem cotado com valorizações elevadas desde meados de 2014. Mostra um gráfico no qual indica a relação entre as expectativas de longo prazo da Reserva Federal para a evolução das taxas de juro face às expectativas do mercado de obrigações para a yield dos treasuries a dez anos. “Em ambos os casos, estamos a ignorar as subidas e descidas imediatas na economia, e mesmo a possibilidade de que a presidência de Trump dure oito anos”, esclarece Leaviss.

Linhas, cores, agulha

Este recorda que, desde as eleições do passado dia 9 de novembro, os treasuries moveram-se mais de 50 pontos base, de tal forma que agora este ativo está “razoavelmente barato em comparação com a média das expectativas dos membros do FOMC sobre as taxas de juro a longo prazo”. Não obstante, o especialista avisa que este novo prémio que oferecem as obrigações “pode não ser suficiente”, no sentido em que o mercado está a subestimar ameaças sobre o preço dos treasuries, mas também porque o FOMC sempre pode voltar a rever as suas projeções sobre as taxas. “Se Trump for bem sucedido com o seu objetivo de um crescimento superior a 4% do PIB real, então tudo voltará a este ponto”, conclui o gestor.

Precisamente o segundo ponto da lista é uma dessas ameaças que provavelmente não está a ser corretamente refletida no preço: os treasuries presentes nas colossais reservas de divisas da China. O especialista recorda que, desde que o gigante se uniu em 2001 à Organização Mundial do Comércio (OMC), chegou a acumular um máximo de 4 mil milhões de dólares em divisas estrangeiras. Grande parte desta quantidade foi alocada ao mercado dos treasuries, ao ponto da China ser proprietária de 20% do conjunto de obrigações emitidas pelo Tesouro norte-americano, com o Japão a deter outro quinto. “Uma estimativa sugere que apenas as compras da China fazem com que o treasury a dez anos cote 50 pontos base abaixo do que cotaria de o país não interviesse no mercado”, afirma o especialista.

O profissional mostra um gráfico igualmente interessante: desde que começou em 2012 a queda do crescimento chinês, o país passou de ser um comprador líquido de dívida norte-americana para um vendedor líquido. “Adicionalmente, desde o início de 2016, um conjunto de investidores estrangeiros também se tornou num vendedor líquido de treasuries”, acrescenta, o que leva Leaviss a concluir que “o que foi um poderoso impulso para o mercado de dívida do Tesouro durante a década anterior a 2016, converteu-se num obstáculo. Talvez um prémio mais elevado seja, portanto, apropriado”.

Linhas, cores, agulha

O terceiro ponto em que se concentra o profissional da M&G é no custo de cobertura dos treasuries para outras divisas. “As taxas negativas e a rentabilidade ultra baixa das obrigações na Europa e no Japão fez com que os investidores estivessem a lutar para conseguir os seus objetivos de rentabilidade (como por exemplo as seguradoras)”, detalha.

Neste contexto, uma obrigação dos EUA a cotar a 2,5% é certamente mais atrativa que uma bund da mesma maturidade que oferece 0,5%. Mas aos investidores japoneses custa 50 pontos base fazer a cobertura, e aos europeus, 35 pontos base, o que significa que “para um investidor no Japão com a divisa coberta a rentabilidade do treasury a dez anos é na realidade  de 0,55% e para os europeus é de 0,46%”.

Portanto, conclui Leaviss, mesmo que as rentabilidades da dívida europeia não estejam tão deprimidas como no final de 2016, “ainda não faz sentido que os investidores europeus aumentem as suas alocações a dívida norte-americana com a esperança de obter rentabilidade".