SIGI: “Ready, Set…GO!”

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Artigo de opinião de João Ricardo Nóbrega, managing partner, e Bernardo Castro Marques, associado, do Departamento de Projetos e Veículos de Investimento da Raposo Subtil e Associados.

Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 19/2019, de 28 de janeiro, que entrou em vigor no passado dia 1 de fevereiro, foram (finalmente) introduzidos em Portugal os Real Estate Investments Trusts (REITS), que aqui adotaram o nome de Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária (ou “SIGI”) e que se apresentam como veículo de investimento alternativo para os promotores e investidores que privilegiam o sector imobiliário português.

Na linha da maioria dos REITS Europeus, tendo como principais exemplos as “SOCIMI” espanholas, os “G-REITS” alemães, as “SIIC” francesas ou as italianas “SIIQ”, as SIGI adotam uma estrutura societária (Sociedades Anónimas), cotadas em bolsa, ou negociadas em mercados de negociação multilateral e com regras específicas de composição do respetivo património.

Em termos comparativos com os demais veículos de investimento “disponíveis” em Portugal, nomeadamente as sociedades imobiliárias ou Organismos de Investimento Imobiliário (OII), quer assumam a natureza contratual ou societária, existem diferenças que importam destacar. A saber: (i) obrigatoriedade da totalidade do capital social dever estar admitida à negociação em mercados regulamentados ou sistemas de negociação multilateral[1]; (ii) requisitos mínimos de dispersão do capital[2]; (iii) regras imperativas de composição da carteira, designadamente no que respeita ao valor dos direitos sobre bens imóveis objeto de arrendamento ou de outras formas de exploração económica que deve representar pelo menos 75 % do valor total do ativo da SIGI; (iii) limite ao recurso do endividamento[3] e ainda pela obrigatoriedade de distribuição dos respetivos lucros[4].

As SIGI diferenciam-se, ainda, das Sociedades de Investimento Imobiliário (OII), para além dos elementos acima referidos, pelo facto de não carecerem da contratação de uma Sociedade Gestora para a gestão da sua atividade[5], nem de um Banco Depositário que exerça as funções de custódia e de vigilância, para além de que, não assumindo a natureza de um OIC, não se encontra sujeita ao RGOIC.[6]

Destarte, o surgimento de um veículo de investimento imobiliário que apresenta o mesmo estatuto fiscal de um OII e assente numa gestão mais personalizada, tendencialmente mais “enxuta” (não sujeita à Diretiva AIFMD), poderá ser uma vantagem competitiva a realçar.

Para além das regras aplicáveis ao Conselho de Administração das sociedades anónimas, no que respeita ao modelo de fiscalização, as SIGI assentam num modelo que inclui um conselho fiscal e um revisor oficial de contas ou Sociedade de revisores oficiais de contas.

Relativamente à negociação do capital das SIGI, importa sublinhar que a lei permite a colocação em mercados não regulamentados, o que, naturalmente, facilitará o procedimento de constituição tornando-o menos oneroso e mais célere, desde logo, pela desnecessidade de publicação de prospeto aprovado pela CMVM.

Ainda, no que respeita a vantagens e oportunidades a identificar, para além da constituição ex novo, as SIGI poderão ser constituídas por transformação de Sociedades Anónimas ou OII sob a forma societária já existentes, o que permitirá, pela simplicidade do procedimento, uma maior celeridade no processo de criação destes REITS.

Não se pretendendo fazer um exercício de futurologia, mas tão somente uma prognose com base no atual momento do mercado imobiliário e, bem assim, no benchmark europeu, entendemos que as SIGI podem assumir um papel muito relevante na dinamização do mercado de capitais português, o qual foi fortemente fustigado desde a Crise Financeira de 2008. Com efeito, podemos verificar que a nível europeu os REITS têm atingido elevados níveis de capitalização e investimento nos mercados financeiros, apresentando-se como um produto atrativo quer para promotores, quer para investidores. Do lado dos promotores, a realização de investimentos imobiliários de larga escala, com possibilidade de captação de capitais sem recurso a financiamento bancário surge como um desiderato muito “apetecível”. Do ponto de vista dos investidores Institucionais (fundos de pensões, por ex.) este tipo de instrumentos já são recorrentes e constituem importantes formas de diversificação e rentabilização dos respetivos portfolios, pelo que se antevê uma forte procura, quer nacional, quer estrangeira. Por fim, cremos que o aforrador médio também poderá aderir a este “produto”, surgindo como uma alternativa consistente, em face de outros instrumentos financeiros e cujo lastro imobiliário poderá constituir um fator diferenciador e apelativo, atentas razões culturais e históricas do perfil português.

Por outro lado, é expectável (e diríamos, imprescindível!) que as SIGI assumam um papel ativo na dinamização do mercado de arrendamento /exploração económica de imóveis[7]. Neste capítulo, as SIGI podem aparecer como um elemento estabilizador dos preços do mercado do arrendamento, especialmente do arrendamento não-habitacional para escritório e/ou logística, pelo aumento dos projetos de promoção e oferta deste tipo de produtos, muito pressionado pela procura (ainda) não satisfeita no mercado. Aliás, o próprio regime legal aponta para um veículo vocacionado para o investimento de longo-prazo, focado no arrendamento. Não obstante, o desafio será conjugar este efeito com a “pressão” de obtenção das melhores yields, por forma a criar condições atrativas de rentabilidade histórica.

Claro que um dos fatores que será decisivo para o sucesso das SIGI em Portugal é a perceção que os investidores terão da eficiência fiscal do veículo, em relação às demais alternativas. Neste particular, entendemos que a opção tomada pelo legislador, através da aplicação do regime fiscal dos OII[8],  poderá ter ficado “aquém” das expectativas dos investidores e promotores, que aguardavam pela criação de um estatuto fiscal autónomo, que porventura distinguisse este tipo de veículos. Ademais, sendo os ativos subjacentes de natureza imobiliária, o impacto do IMT na aquisição de ativos - funcionando como Imposto “à entrada”[9] - poderá reduzir os níveis de rentabilidade esperados para estes veículos. Sem prejuízo, nunca é demais frisar que, tão importante quanto uma fiscalidade atrativa é a respetiva consolidação e estabilidade fiscal do regime, máxime na ótica do investimento estrangeiro institucional.

A corroborar a importância do regime fiscal no sucesso ou insucesso deste tipo de veículos, temos o exemplo das SOCIMIs[10] e os holandeses Fiscale Beleggingsinstelling (“FBI”), constituindo exemplos paradigmáticos do impacto que os regimes fiscais têm na procura e performance dos REIT.

Em jeito de conclusão, atendendo, por um lado, ao sucesso que os REITS têm tido no resto da Europa, e, por outro, ao facto de o mercado imobiliário português ainda se apresentar como a “Hot Comodity” do investimento estrangeiro em Portugal, com o reconhecimento generalizado da consolidação do setor, acreditamos que estão reunidos os ingredientes necessários à afirmação das SIGI. É caso para dizer: Ready, set…GO!

 


[1] No prazo máximo de um ano a partir da data da constituição

[2] Free float mínimo - 20% da totalidade do capital deve estar dispersa por investidores que representem menos de 2% dos direitos de voto.

[3] O endividamento das SIGI não pode ultrapassar 60% do valor total do ativo.

[4] 90% dos lucros derivados da detenção de participações sociais em SIGI ou em OII e 75% dos Lucros distribuíveis nos termos do CSC devem ser distribuídos no prazo de 9 meses após o encerramento do exercício económico.

[5] As Sociedades de Investimento Imobiliário Autogeridas também não carecem de uma sociedade gestora, no entanto, requer uma estrutura e adequação de meios muito semelhante às exigidas para as Sociedades Gestoras.

[6] As SIGI para além do Decreto-Lei n.º 19/2019, de 28 de janeiro apenas se regem pelo Cód. das Sociedades Comerciais e Cód. Valores Mobiliários.

[7] 75% do ativo total das SIGI deve obrigatoriamente corresponder a bens imóveis arrendados ou objeto de outras formas de exploração económica.

[8] caraterizado pela neutralidade fiscal ao nível do veículo, sendo a tributação efetuada na esfera dos investidores à saída, com especial benefício para os investidores não-residentes tributados por retenção na fonte à taxa de 10%, em comparação com os investidores residentes (cuja taxa de retenção na fonte é de 28% para as pessoas singulares e 25% para as pessoas coletivas).

[9] Salvo no caso de transformação.

[10] Veja-se, a título de exemplo, o modelo espanhol, o qual apenas se dinamizou e foi impulsionado com a alteração fiscal de 2012 (estabelecendo uma neutralidade fiscal ao nível dos rendimentos do veículo, sendo a tributação efetuada apenas na esfera dos investidores - “tributação à saída”). Note-se que entre 2009 e 2012 não foi constituída qualquer SOCIMI!