SIGI: os novos desenvolvimentos

Jardim
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(Artigo de opinião escrito por Filipa Arantes Pedroso, João Torroaes Valente, Eduardo Paulino e Paulo Núncio, Sócios da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados)

I. Enquadramento

Foram recentemente aprovadas pela Assembleia da República alterações ao Decreto-Lei n.o 19/2019, de 28 de janeiro de 2019 (Decreto-Lei), o qual regula as sociedades de investimento e gestão imobiliária (SIGI). Para entrarem em vigor, estas alterações precisam ainda de ser promulgadas pelo Presidente da República e publicadas no Diário da República.

Em primeiro lugar, foi aprovado o regime fiscal aplicável às SIGI, o qual não constava do regime anterior. As restantes alterações ao regime das SIGI incidiram essencialmente sobre:

i) O objeto social; ii) As regras de composição do ativo; e iii) As regras relativas à dispersão do capital (“free float”).

O novo regime, resultante destas alterações, tem o mérito de, por um lado, reforçar o seu alinhamento com as melhores práticas internacionais existentes em torno deste veículo de investimento e, por outro lado, esclarecer alguns aspetos que não resultavam claros do regime anterior, reforçando assim a segurança jurídica dos investidores.

II. Análise às alterações

a) Regime fiscal aplicável às SIGI

Foi expressamente consagrado que o regime fiscal das SIGI é o regime fiscal aplicável aos Organismos de Investimento Coletivo, previsto nos artigos 22.o e 22.o-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF). Destaca-se que o regime inicial das SIGI não incluía o respetivo regime fiscal, uma vez que tinha sido aprovado por Decreto-Lei e o Governo não possuía autorização legislativa do Parlamento para legislar em matéria fiscal. O Parlamento vem agora colmatar uma das principais vulnerabilidades do regime inicial das SIGI.

Com a alteração agora aprovada pelo Parlamento, os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e as mais-valias auferidas pela SIGI passam a estar expressamente excluídos de tributação em IRC.

O regime fiscal prevê, no entanto, que os rendimentos resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis só poderão beneficiar da exclusão de tributação se tiverem sido detidos pela SIGI durante pelo menos três anos.

No que respeita aos acionistas, o regime fiscal passa a consagrar que os rendimentos distribuídos por uma SIGI a pessoas singulares residentes em território português estarão sujeitos a uma retenção na fonte à taxa de 28%, e que, sendo distribuídos a pessoas coletivas residentes, são sujeitos a uma taxa de retenção de 25%. Já no que concerne a acionistas não residentes, os mesmos serão tributados a uma taxa reduzida de apenas 10%.

Por outro lado, de acordo com as alterações agora aprovadas, quando uma entidade perder a qualidade de SIGI deixa de poder beneficiar deste regime fiscal. Neste caso, o lucro tributável passa a ser apurado e tributado nos termos gerais do Código do IRC, considerando-se, para este efeito, como um período de tributação, o período decorrido entre a data da cessação e o final do ano civil em que esta ocorreu. Nestes termos, cessando a aplicação deste regime fiscal, os rendimentos de participações sociais em SIGI que sejam pagos ou colocados à disposição dos respetivos acionistas após a data da cessação, bem como as mais-valias realizadas após essa data, são tributados nos termos gerais do Código do IRS ou do Código do IRC.

b) Objeto social

No que concerne às regras sobre o objeto social, em linha com as melhores práticas internacionais na matéria, as alterações agora aprovadas consagraram uma noção ampla de arrendamento. Nestes termos, passou a prescrever-se que as SIGI têm por objeto principal a aquisição de direitos sobre imóveis para arrendamento, «abrangendo formas contratuais atípicas que incluam prestações de serviços necessárias à utilização do imóvel»1.

Salienta-se que, para efeitos da aplicação deste regime, a aquisição de direitos sobre imóveis para arrendamento continua a abranger, designadamente:

(i) O desenvolvimento de projetos de construção e de reabilitação de imóveis; (ii) A sua afetação à utilização de loja ou espaço em centro comercial, ou utilização de espaço em escritórios.

Por outro lado, passou a admitir-se expressamente a possibilidade de as SIGI deterem participações em outras sociedades com sede em território português (que não sejam SIGI), desde que preencham cumulativamente alguns requisitos que também se aplicam às SIGI2.

Assim, através desta alteração às regras do objeto social das SIGI, fica clarificado que estas entidades poderão dispor de subsidiárias, quer em território nacional, quer noutros Estados membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, que não sejam SIGI (ou REITS). Esta alteração vem, assim, alargar as possibilidades das SIGI realizarem share deals (aquisição de participações sociais), em alternativa a asset deals (aquisição dos ativos), com as correspondentes consequências fiscais ao nível do IMT.

c) Regras de composição do ativo

Foram atualizadas as regras relativas à composição do ativo em consonância com a noção ampla de arrendamento agora consagrada.

Nestes termos, passa a estar previsto que o ativo da SIGI, conforme resulta da definição do seu objeto, deverá ser constituído maioritariamente por direitos de propriedade, direitos de superfície ou outros direitos de conteúdo equivalente sobre imóveis, para arrendamento, abrangendo formas contratuais atípicas que incluam prestações de serviços necessárias à utilização do imóvel. Estes ativos devem respeitar os seguintes limites cumulativos:

(i) O valor dos direitos sobre os bens imóveis e participações deve representar pelo menos 80% do valor do ativo da SIGI; e (ii) O valor dos direitos sobre bens imóveis objeto de arrendamento, abrangendo formas contratuais atípicas que incluam prestações de serviços necessárias à utilização do imóvel, deve representar pelo menos 75% do valor total do ativo da SIGI.

Foi igualmente introduzida uma regra de controlo adicional do cumprimento dos requisitos de composição do ativo, em conformidade com a qual a administração da SIGI deve, pelo menos a cada sete anos, solicitar uma avaliação dos respetivos ativos a realizar por auditor externo independente registado junto da CMVM.

d) Regras relativas à dispersão do capital (“free float”)

Em linhas gerais, com o novo regime flexibilizam-se as regras de cumprimento do atual “free float” mínimo de 20% e, simultaneamente, estabelece-se um novo grau de “free float” mínimo de 25% a partir do quinto ano de admissão das ações da SIGI.

Assim, passa a estar previsto que as ações representativas da totalidade do capital social das SIGI devem cumprir os requisitos de dispersão de ações pelo público e assegurar o cumprimento dos seguintes limites mínimos de dispersão por investidores que sejam titulares de participações correspondentes a menos de 2% dos direitos de votos3:

(i) 20% a partir do final do terceiro ano civil completo após admissão ou seleção para negociação das ações das SIGI numa plataforma de negociação; e (ii) 25% a partir do final do quinto ano civil completo após admissão ou seleção para negociação das ações das SIGI numa plataforma de negociação.

III. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme adiantado supra, as alterações agora introduzidas vêm melhorar e reforçar o regime das SIGI. Por um lado, consolidam o regime nacional em consonância com as melhores práticas internacionais existentes em torno destes veículos de investimento e, por outro lado, vêm clarificar alguns aspetos que não resultavam claros do regime original, dotando-o assim de um maior grau de segurança jurídica para os investidores (consulte aqui o Legal Alert preparado aquando da publicação do regime original).

Neste âmbito, revela-se particularmente importante a consagração expressa de que estas entidades beneficiam do regime fiscal aplicável aos OIC, estando, nessa medida, excluídos de tributação os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e as mais-valias auferidas por uma SIGI. Por sua vez, os respetivos acionistas são tributados a taxas diferenciadas (i.e., pessoas singulares residentes – 28%; pessoas coletivas residentes – retenção na fonte de 25%; e não residentes – 10%).

É ainda de salientar a alteração introduzida às regras relativas ao objeto social das SIGI, no sentido de alargar a possibilidade de deterem subsidiárias (que não sejam SIGI), conferindo-lhes dessa forma um maior grau de flexibilidade na constituição de grupos de sociedades nos quais a SIGI seja a empresa-mãe, bem como na estruturação dos seus investimentos, designadamente através de um maior recurso a operações de “share-deal”.

Por outro lado, o regime foi consolidado de forma a permitir a utilização das SIGI não só para a promoção de investimentos em imóveis destinados a arrendamento para qualquer fim, como também para a afetação a outras formas atípicas de locação de bens imóveis que incluam prestações de serviços necessários à utilização do imóvel.

Em suma, as alterações agora introduzidas parecem-nos representar mais um passo importante tendo em vista dotar os investidores de um novo veículo que, pelas suas características, pode gerar novas oportunidades de investimento e de reestruturação dos investimentos já realizados no mercado imobiliário nacional.

A equipa multidisciplinar da Morais Leitão está ao dispor para o esclarecimento de qualquer dúvida específica ou apoio relativamente ao tema exposto.

1 Por sua vez, o regime anterior previa que as SIGI tinham como objeto social principal «a aquisição de direitos de propriedade, de direitos de superfície ou de outros direitos com conteúdo equivalente sobre bens imóveis, para arrendamento ou para outras formas de exploração económica».

2 (i) Tenham um objeto social equivalente ao das SIGI; (ii) a composição do seu ativo respeite os limites de endividamento previstos no Decreto-Lei; (iii) tenham o capital social integralmente representado por ações nominativas; e (iv) estejam sujeitas a um regime de distribuição de rendimentos similar ao previsto no Decreto-Lei.

3 Direitos de voto imputados nos termos do artigo 20.o do Código dos Valores Mobiliários.

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