Será que as gestoras conseguiram fazer os investidores mudar de ETF americanos para europeus após a MiFID II?

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Photo by Clem Onojeghuo on Unsplash

A entrada em vigor da MiFID II na Europa trouxe consigo uma infinidade de mudanças na indústria da gestão de ativos com o duplo objetivo de dar uma maior transparência ao mercado e, sobretudo, com o objetivo de melhorar a proteção do investidor. Daí a limitação das retrocessões, as novas exigências quanto à best execution nas operações que levam a cabo no mercado ou a diferenciação na classificação nos tipos de investidor para tratar de adequar os produtos aos diferentes perfis de investidores, entre outros assuntos.

As gestoras de fundos tiveram de fazer frente ao sem fim de burocracia para adequar os seus folhetos e as suas classes de ações dos diferentes tipos de investidor a que se dirigem, ao mesmo tempo que esmiuçavam ao máximo  a informação que lhes davam a fim de conseguir essa transparência maior que a MiFID II pede. Esse trabalho de educação e informação foi especialmente significativo no caso das gestoras americanas que oferecem os seus ETF na Europa.

Não foi em vão que uma das muitas modificações que a MiFID II estabeleceu foi a obrigação de que todos os ETF que os distribuidores oferecem aos investidores particulares contassem com o documento KID tal como acontece com o resto dos fundos. “Muitos distribuidores pediram-nos os KID dos nossos ETF americanos mas não os podemos fazer, porque os KID são apenas para produtos europeus. No seu lugar, o que fizemos foi ajudar os distribuidores a compreender melhor a nossa gama europeia”, explica Tania Salvat, vendas para a área de distribuição da BlackRock para a Península Ibérica. O problema é que alguns desses produtos são precisamente alguns dos ETF maiores dos mercados como o iShares Core S&P 500. E o mesmo acontece com o muito conhecido SPDR S&P 500 ETF da empresa State Street.

O que podiam as gestoras fazer com esses investidores que já tinham ETF americanos? Fazê-los compreender que podiam continuar a investir nesses mesmos produtos ao abrigo do UCITS e sem que tivessem de renunciar nem à oferta, nem à liquidez a que estavam já habituados. “Temos trabalhado em proximidade com os investidores para os ajudar a implementar essa migração sublinhando as equivalências que haviam entre os ETF e os formatos UCITS”, afirma Ana Concejero, responsável da State Street em na Península Ibérica. “Na realidade o que esta regulação fez foi sublinhar algo que já estava vigente, porque na Europa, os fundos UCITS já eram tratados como alternativos (alternative investment funds) e o que fizemos foi ajudar os clientes a entender melhor a nossa gama, já que até temos mais produtos domiciliados na Europa do que nos EUA”, refere Salvat.

Salvas as distâncias no que toca ao produto, era necessário explicar aos seus clientes porque é que essa migração para ETF europeus não deverá implicar necessariamente uma renúncia à liquidez, ou pelo menos não de forma radical. “As preocupações iniciais giraram em torno da amplitude e/ou falta de ETF UCITS equivalentes, mas também a falta de liquidez percebida no intercâmbio. Os UCITS costumam ser mais pequenos em ativos sob gestão em comparação com as suas contrapartes americanas devido à idiossincrasia do comércio europeu, a liquidez está fragmentada em vários lugares de negociação e/ou se se realizar a execução OTC face a um livro de ordens centralizado nos EUA, explica Concejero.

Não obstante, nos primeiros meses da MiFID II já se viram avanços na negociação dos ETF ao passar a ser obrigatório que todos os brokers reportem as suas operações. Antes da MiFID II o volume médio negociado na nossa gama de ETF na Europa, que era visível para os investidores, era de 20.000 milhões de dólares, enquanto os dados de fecho de abril de 2019 (com a MiFID II já em vigor) superam os 70.000 milhões, o que demonstra essa maior visibilidade”, afirma Tania Salvat.

Além disso, ambas as especialistas coincidem ao assinalar que do ponto de vista fiscal para o investidor europeu é muito mais atrativo ter um ETF europeu, onde se pode acumular dividendos, do que um americano, que é sempre de distribuição, com as restrições fiscais que isso implica. Isso mostra nesta tabela, facilitada pela State Street.

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Feitas as pertinentes explicações, é necessário ver a resposta dos clientes e, em linha gerais, isto teve um resultado positivo. “Não temos nenhum feedback negativo e de facto o volume que temos em ETF de domicílio americano não é significativo”, afirmam da BlackRock. Por sua vez, na State Street afirmam que estão a trabalhar na integração de vários ETF em formatos UCITS “ao concentrar todos os esforços em minimizar os riscos operativos e assegurar os baixos custos de transação”.

De momento, segundo dados da Morningstar, não parece que a MiFID tenha impactado negativamente o mercado europeu de ETF. Pelo contrário, com a MiFID cresce o interesse dos investidores em encontrar produtos baratos que lhes permitam expressar ao máximo as rentabilidades de um mercado que se esperam que sejam inferiores às vistas na última década. De facto, tal é o interesse nestes produtos que nos últimos cinco anos os ativos sob gestão duplicaram até alcançar os 760.000 milhões de euros no fim de março, o que eleva o seu peso sobre o total da indústria para os 8,6%. E as previsões são otimistas já que se espera que os ativos sob gestão alcancem os dois biliões de euros em apenas cinco anos.