Segundo pilar deve voltar a ser complemento à reforma e não meio de sobrevivência do primeiro

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O nosso país tem apresentado um apetite voraz pelos fundos de pensões, segundo pilar, no intuito de equilibrar as contas públicas, de forma pontual e imediata até ao próximo desequilíbrio. A verdadeira carta na manga.

Se atentarmos às conclusões, e preocupações, do estudo da PensionsEurope, conseguimos rever muito da na nossa realidade. É um tema transversal ao estado social europeu, mais agudo nas economias com recorrentes desequilíbrios, como a portuguesa, e que urge corrigir.

Com as sucessivas nacionalizações dos fundos de pensões têm-se atropelado os mais elementares pressupostos da poupança para a reforma: o segundo pilar deveria ser o complemento ao primeiro e a sua razão de ser. O Banco Mundial define o segundo pilar como os planos de pensões obrigatórios, geridos por entidades privadas, não pelo estado. Outras nomenclaturas ou definições são admissíveis mas, no final, consistem em regimes privados disponibilizados no contexto profissional. Reflectem a preocupação social das entidades empregadoras para com os seus colaboradores visando a poupança para acudir à perda de rendimentos no momento em que se retiram da vida activa. Ajudam a cobrir outros rendimentos mais ou menos voláteis não totalmente cobertos pelo primeiro pilar (e.g.: remuneração variável da vida não totalmente reflectido nos cálculos do primeiro pilar)

A actual crise veio agudizar o recurso à nacionalização de fundos de pensões para permitir ao estado acorrer às suas necessidades imediatas recebendo activos e responsabilidades nem sempre integralmente cobertas. Neste ponto, a pressa com que se realizam os movimentos limitam a prudência de uma correcta avaliação dos riscos envolvidos.

O estado obtém um paliativo de efeito rápido mas efémero.

Com as responsabilidades adquiridas não integralmente cobertas, o estado hipoteca mais a solvabilidade do sistema que implicará forçosamente cortes futuros nas pensões para garantir a sustentabilidade. Cortes esses que passam por um corte a direitos adquiridos, taxas e sobretaxas. Resultado são as consequentes dificuldades económicas e sociais das famílias.

É certo que o efeito paliativo resolve algumas emergências, no imediato, mas tende a consolidar problemas futuros e postecipa as reais e necessárias medidas estruturais de correcção às contas públicas.

Os fundos transferidos tendem a ser utilizados no imediato para as despesas prementes sem critério quanto ao prazo das responsabilidades adquiridas. Ou acorrem aos superiores desígnios nacionais sem o devido critério de risco de investimento que deveria nortear a decisão (e.g.: mercados primários e secundários).

Na mesma lógica imediatista de urgência, o estado que não consegue chegar à totalidade das poupanças do segundo pilar e dedica-se à caça incessante e cega de colecta extraordinária através da carga fiscal, de montante a jusante do processo de poupança.

Esquece-se que o segundo pilar assume-se como importante factor de poupança das famílias e investimento na economia: estas poupanças, tendencialmente de médio e longo prazo, alimentam a economia pela maior certeza temporal intrínseca e objectividade dos investimentos; tem património e remuneração autónomos que ditam os benefícios finais; são isentos de intervenção política directa (excepto pela fiscalidade); são instrumentos de responsabilidade social das entidades patrocinadores ao mesmo tempo que podem promover educação financeira através de esquemas de incentivos à poupança adicional e paralela (colaborador a poupar voluntariamente com a entidade patronal a promover contribuição com contribuição extra); é uma poupança com finalidade certa e para o momento em que há uma efectiva quebra de rendimentos, a reforma (ou outros fins especificamente previstos); dá segurança quando o sistema público cada vez é mais incerto e limitado pela sua insustentabilidade.

Não deixa de ser incongruente que num momento em que as famílias são questionadas pelos seus gastos e endividamentos passados em conjunto com a sua falta de poupança, se venham reduzir ou mesmo retirar os incentivos à poupança. Essa mesma poupança, quando conseguida, é continuamente atacada com carga fiscal, de montante a jusante.

A fiscalidade deveria sim premiar a responsabilidade social, incentivando a poupança a empregadores e empregados. Os benefícios seriam claros, mesmo se em clima de austeridade que não tem necessariamente de ser “à força”: do ponto de vista das famílias esta poupança é um rendimento auferido mas não disponibilizado; é poupança que permite o financiamento da economia sem o ‘leverage’ bancário e mais barato; a cada vez mais fragilizada segurança social teria um legítimo complemento de rendimento que evitaria tensões sociais das gerações actuais e vindouras.

É absolutamente essencial que fundos de pensões e esquemas de poupança associados, pelo seu interesse estratégico às economia e famílias e contrariamente ao que se passa na actualidade, gozarem de uma discriminação positiva. 

A promoção de uma cultura de poupança e responsabilidade social passa também por uma atitude fiscal racional, clara e duradoura que incentive empregadores e empregados a poupança para a reforma, segundo pilar, com os privados a repartir com o estado a responsabilidade das pensões.

É certo e sabido que a colecta no imediato seria reduzida, marginalmente, mas os benefícios económicos e sociais não tardariam a fazer-se sentir e sem choques ou gerações perdidas