Rita González (Baluarte): “A entrada em recessão já em 2020 seria uma surpresa”

Rita González
Vitor Duarte

Por oposição a 2018, 2019 foi um ano de ganhos em praticamente todas as classes de activos.

A actividade dos principais bancos centrais formou um eixo central para esta evolução.  Simplesmente exposta a importância deste eixo, em 2018, a Reserva Federal norte-americana aumentou as taxas de juro num total de 100 bps, as yields das obrigações subiram até os 10 anos nos EUA passarem os 3%, antes de voltarem a descer, os spreads de crédito alargaram e as acções caíram mais de 6% nos EUA e mais de 14% na Europa.  Em 2019, a mesma Fed cortou as taxas em 75 bps, as yields das obrigações caíram até os 10 anos nos EUA chegarem a 1.5%, antes de voltarem a subir ligeiramente, os spreads de crédito comprimiram e as acções subiram mais de 25% nos dois lados do Atlântico.

Apesar da intensificação da guerra comercial entre os EUA e a China a partir de maio de 2019, o mercado manteve-se suportado. A alteração da postura da Fed foi o marco decisivo para a recuperação da confiança.

Em 2020, o papel dos Bancos Centrais manter-se-á crucial. Num enquadramento ainda pautado pela incerteza no plano geopolítico e económico, a confiança que o mercado deposita em que os banco centrais farão o que for preciso para estimular o crescimento constitui um factor de estabilidade imprescindível. No entanto, é importante salientar que a política monetária não pode ser o único suporte, indefinidamente.

Dentro desta moldura, no arranque do novo ano estamos cautelosamente optimistas. Identificamos boas oportunidades de investimento, caso a envolvente monetária se mantenha, mas sabemos que será mais um ano de surpresas. Algumas poderão ser positivas: o ambiente benigno, os estímulos monetários anunciados para os próximos meses, aliados a potenciais estímulos fiscais, alimentam a expectativa de sustentabilidade do crescimento económico e, consequente, do mercado financeiro.

No plano económico, na ausência de ocorrência de choques exógenos, 2020 deverá ser um ano de estabilização. Nos mercados desenvolvidos, as perspectivas sobre a indústria permanecem fracas, mas a resiliência do crescimento das economias emergentes favorece a economia global. O sector de serviços mantém-se robusto e o consumo não revela sinais de enfraquecimento. A entrada em recessão já em 2020 seria uma surpresa.

O crescimento nos EUA deverá aproximar-se dos 2,0%. Com as rubricas de consumo e imobiliário em força, a componente mais fragilizada continua a ser o investimento. A guerra comercial internacional e o acentuar da luta política nos EUA em ano de eleições presidenciais, que ocorrerão a 3 de novembro, deverão condicionar esta parcela do Produto, apesar do ambiente de ampla liquidez.  No plano político, em pleno emprego e sem sinais de recessão, a probabilidade de que Trump seja reeleito é grande. Contudo, o processo de impeachment em curso mantém o mercado em alerta.

Embora pareça altamente provável que Donald Trump conquiste a nomeação republicana, há muito menos clareza sobre quem será o líder dos democratas. No caso de a posição de Trump vir a estar comprometida, e de o candidato democrata ser mais à esquerda, o sentimento de mercado poderá ser profundamente afectado. Os meses de fevereiro e março serão decisivos nesta matéria.

Na Zona Euro, o foco estará na Alemanha, onde Angela Merkel está prestes terminar o seu longo mandato. O novo líder do Partido Social Democrata, para além de mais à esquerda, tem também uma visão mais centrada na economia alemã.

O consenso de mercado é o de que a Europa iniciará, finalmente, um processo de estímulos fiscais. Note-se que a Alemanha, apesar de fragilizada, mantém um considerável superavit orçamental. Esta é uma situação contra-intuitiva, ainda mais num cenário em que as taxas de financiamento são negativas. Por outro lado, é possível que Christine Lagarde tenha sido escolhida para suceder a Mario Draghi como presidente do BCE por ser capaz de usar a sua influência política e a sua experiência para convencer os governos da Zona Euro a implementar estímulos orçamentais, enquanto gere internamente no Banco possíveis receios de consequências inflacionistas. Neste cenário, a ex-presidente do FMI tem pela frente um ano difícil. Os estímulos monetários, apesar de abundantes, não têm tido grande resultado, em grade parte por estarem a ser absorvidos pelo sistema financeiro, mais do que transmitidos à economia real. Os bancos, até aqui renitentes em passar as taxas negativas para os consumidores, bloqueiam o mecanismo de transmissão da política monetária. Esta postura está, contudo, a ficar cada vez mais cara e menos racional, à medida que o tempo passa e as taxas de juro de longo prazo se mantêm negativas. Prevê-se uma má surpresa para pequenos e grandes depositantes na Europa.

Em termos geopolíticos, a situação é complicada em muitas partes do mundo, como a América Latina e Hong Kong, mas há boas notícias na Europa, onde o risco de um Brexit sem acordo diminuiu. Aqui, o sentimento dos investidores parece estar, finalmente, a melhorar.

O acordo comercial parcial EUA-China veio reduzir, no imediato, um dos principais riscos para os mercados: uma escalada de medidas proteccionistas, com impacto no crescimento global. Noutra frente, os EUA também aprovaram o tratado USCMA (o acordo comercial com o Canadá e o México que substitui o NAFTA). Estas são excelentes notícias que, na ausência de alterações significativas, contribuem de forma decisiva para a estabilidade. Esta atípica posição, aparentemente conciliadora, da Administração Trump, parece estar intimamente relacionada com a aproximação às eleições e consequente necessidade de evitar impactos negativos sobre a expansão económica e confiança dos mercados.

Embora a incerteza em torno das guerras comerciais e do Brexit subsista, o cenário apresenta-se hoje mais benigno. Se as tensões geopolíticas persistirem, mas não se intensificarem, haverá desaceleração, mas não contracção.

Alocação Táctica de Carteira

As decisões de alocação são indissociáveis da avaliação do estágio do ciclo económico em que nos encontramos. Por regra, no início de um ciclo de expansão, as acções estãoi baratas, a tracção a estímulos é grande e a economia tem capacidade disponível para crescer. Este é, por norma, um enquadramento favorável aos activos de risco.  Por contrapartida, o fim do ciclo é geralmente um bom momento para reduzir risco, dado que, quando a economia revela sinais sobreaquecimento, a inflação e consequente elevação das taxas de juro quebram os ciclos de valorização.

Quão longe estamos do ponto de inflexão é “a pergunta de 1 milhão de dólares”.  Este é um ciclo algo diferente - apesar de muito longo, o crescimento não foi muito intenso e os típicos sinais de fim de ciclo não surgem como habitualmente. O mercado de emprego revela níveis recorde na maior parte do mundo desenvolvido, mas o consumo, apesar de robusto, não revela sinais de sobreaquecimento e a taxa de poupança, que geralmente cai acentuadamente no final do ciclo, está a níveis bastante elevados, sugerindo que a economia está, desse ponto de vista, longe do fim do ciclo. Os níveis de inflação também não sugerem que a economia global tenha atingido os seus limites. Pelo contrário, a preocupação dos bancos centrais são os baixos níveis de inflação.  Este enquadramento atípico turva a análise do estágio do ciclo económico, no sentido tradicional e portanto, de “quanto tempo falta”.  Tal como transmitiu Jerome Powell, presidente da Fed, o "novo normal" caracteriza-se por "baixas taxas de juro, baixa inflação e provavelmente menor crescimento”. Isto pode significar ciclos mais longos.

A ideia de que a eficácia das políticas de expansão monetária poderá estar comprometida não parece abalar os mercados. A flexibilização quantitativa é hoje assumida como "normal". As ambições de devolver activos ao mercado parecem ter sido abandonadas e os balanços dos bancos centrais continuam a aumentar. Os mercados de risco estão, cada vez mais, no radar destas instituições.

Talvez porque as taxas de juros negativas tiveram, até agora, pouco efeito no sector privado, os governos consideram agora haver um forte incentivo à adopção de políticas de estímulo orçamental. 

Em resumo, é provável que os riscos geopolíticos e a debilidade económica continuem a pesar sobre os resultados limitando o potencial dos mercados de risco, mas o suporte da política monetária e fiscal poderá ser suficiente para manter o status quo por mais algum tempo.

Dívida Pública – sub ponderação

Os mercados de taxa de juro deparam-se hoje com forças opostas. Se, por um lado, a actividade dos bancos centrais, nomeadamente os planos de compras de activos, os favorece, limitando a amplitude de potenciais subidas das yields, a implementação de políticas fiscais poderá criar algum ruido. A nossa convicção é de que estas forças se irão equilibrar.  

O ano de 2019 foi decepcionante e penalizador para todos os que apostaram que os níveis de taxas de juro de longo prazo na Europa, nomeadamente na Alemanha, não podiam descer mais. Esta foi uma lição que ficou cara a quem decidiu apostar contra o mercado, e forçou os investidores a alterar o seu intervalo de expectativas. Também o movimento, aparentemente imparável, de inversão da curva de rendimentos norte-americana, por regra interpretado como um indicador avançado de recessão, foi, afinal, parado, mais uma vez questionando a sabedoria convencional dos investidores.

No entanto, o muito baixo rendimento, muitas vezes negativo, oferecido nos mercados de obrigações, sugere sub-ponderação a esta classe de activos, embora reconheçamos o crucial papel diversificador da divida pública nas carteiras de investimento. Os mínimos de taxas registados em 2018 são, para nós, uma boa referência dos patamares de valorização potencial. 

Obrigações de Empresas (Crédito) - Sub ponderação

No crédito, o prolongamento do ambiente de flexibilização monetária, potencia a criação de “bolhas”, nomeadamente nos activos de menor qualidade e com menos liquidez. Emitentes muito alavancados manter-se-ão fora do nosso radar. Consideramos que os baixos níveis de taxas e de spreads, aliado à actual alavancagem das empresas e ao risco de liquidez nos mercados, sugerem muita prudência

Os spreads de crédito poderão prolongar o recente movimento e estreitar um pouco mais, mas com ganhos pouco expressivos. No imediato, não são conhecidos factores concretos que justifiquem uma deterioração expressiva. Contudo, qualquer um dos riscos enunciados será disruptivo, podendo levar a expressivas correcções. Também aqui, os mínimos aliançados no ano de 2018 poderão ser tomados como uma referência para o potencial dos spreads de crédito. 

Divida de Mercados Emergentes – Neutrais

A divida emergente é, de entre as subclasses de obrigações, a que sugere maior potencial. A determinação dos EUA em prosseguir com políticas monetárias e orçamentais acomodatícias (expansão do balanço do Fed; o aumento do déficit orçamental), sugerem um ambiente de fragilidade para o USD. Estas são condições propicias para o bom desempenho da dívida e moedas dos mercados emergentes.

Acções - Neutrais

No rescaldo de um ano de ganhos expressivos para as acções dos mercados desenvolvidos, acreditamos que ainda existe algum potencial, embora moderado. As avaliações de acções parecem justificadamente elevadas. Na maioria dos mercados, os índices actuais de preço/lucro (PER) estão acima das médias de longo prazo, mas acreditamos que isso reflecte, em parte, as baixas taxas de juro e a falta de alternativas. Consequentemente, iniciaremos 2020 neutrais em acções.

As áreas em que os ganhos foram menos pronunciados, como é o caso das estratégias Value e alguns mercados emergentes, merecem a nossa preferência.  Dada a natureza binária dos riscos políticos, investimentos na Ásia emergente tenderão a beneficiar com a potencial redução da incerteza sobre as políticas de comércio global, a maior das ameaças.

A crescente pressão política e social sobre as empresas para assumirem as suas responsabilidades sociais irá impor os critérios ESG como factores de selecção incontornáveis. A agenda política e regulatória em torno da sustentabilidade sugere prudência acrescida na selecção dos investimentos, por forma a evitar emitentes que não estejam preparados para esta transição. As estratégias integradas ESG, nas quais este tipo de informação relativamente novo está disponível e é avaliado juntamente com outras métricas financeiras tradicionais, irão conquistar cada vez mais espaço nas carteiras.

Alternativos – Neutrais

A par da Guerra Comercial, a inflação constitui o mais temível dos riscos, embora pouco provável. Apesar de a ausência de sinais de aceleração dos preços nos tranquilizar por enquanto, mantemo-nos alerta. A aplicação, aparentemente infindável, de estímulos monetários conduziu-nos para terrenos desconhecidos, onde as regras económicas clássicas parecem não ser aplicáveis.  Contudo, por ser inesperada, a pouco provável aceleração da inflação teria efeitos nefastos em todas as classes de activos.

Neste pressuposto, consideramos que estratégias com base em activos reais, nomeadamente infra-estruturas, constituem um bom instrumento diversificador. Estratégias Macro também merecem alguma atenção nesta classe, onde, em saldo, teremos um posicionamento neutral.

Conclusão

O ano de 2020 será certamente mais desafiador do que 2019, com um potencial de rendimento mais limitado.  A chave para navegar no ciclo tardio e nos baixos rendimentos é um forte foco na volatilidade e na identificação e gestão do risco.