Reunião do BCE: as dúvidas persistem

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“As decisões que tomarmos em dezembro, definirão aquilo que iremos fazer nos próximos meses”, afirmou Mario Draghi numa reunião do BCE de onde não se esperava nada, e que aparentemente nada ofereceu aos mercados. O presidente da instituição monetária indicou que as taxas de juro permanecem inalteradas, e que todas as medidas de estímulo continuam em marcha ao ritmo planeado. Não obstante, os investidores precisavam de algo para debater. As declarações às quais prestaram mais atenção foram as relacionadas com própria natureza do QE em curso: por um lado, Draghi declarou que não se tinha falado na reunião sobre a possibilidade de estender a duração do QE mais além de 2017; por outro lado, indicou que também não se tinha falado de um tapering (parafraseando as famosas declarações de Ben Bernanke de 2013), e que de facto via como muito improvável um final abrupto do programa de estímulos. Os mercados reagiram a estas declarações inicialmente com um fortalecimento do euro e uma breve queda nas bolsas, que em seguida se recuperaram para terreno positivo.

“Hoje não foi o melhor momento de Draghi. Sem dúvida queria acabar com a ideia de que o BCE vai reduzir os estímulos no curto prazo. No entanto, o que na realidade foi feito foi dizer às pessoas para voltarem em dezembro que então se verá o que pensa o BCE”, comenta James Athey, gestor de fixed income da Aberdeen. Este interpreta que, com esta atitude, o banco central “deixa muitas perguntas por responder, o que fará com que a volatilidade no mercado de obrigações continue elevada”. “Um mercado que já estava nervoso não encontrará muito consolo na atitude que mostrou Draghi hoje”, acrescenta.

Franck Dixmier, diretor global de fixed income da Allianz Global Investors, opina, por seu lado, que o comportamento do presidente do BCE foi o esperado: “Acreditamos que a situação atual não requer nenhuma medida de urgência por parte de Draghi, e que uma redução do QE seria prematura neste momento”. “Por outro lado, a reunião do BCE em dezembro poderá ser muito importante”, acrescenta Dixmier. O especialista considera provável que dentro de dois meses “Draghi deseje articular a adaptação das modalidades técnicas do seu programa com uma mudança de rumo na política monetária do BCE. Dissociar estes elementos não faria nenhum sentido”. O investidor deve ter em conta a possibilidade de eventos de primeira magnitude que poderão alterar o mercado: As eleições presidenciais nos EUA (8 de novembro) e o referendo constitucional na Itália, previsto para o dia 4 de dezembro (a reunião do BCE está programada para dia 8 de dezembro).

Marilyn Watson, responsável de estratégia global de fixed income fundamental da BlackRock, espera que o BCE continue a manter um tom acomodatício, considerando que a inflação está ainda longe do objetivo de 2%. “Acreditamos que qualquer estímulo futuro provavelmente seja realizado através de outras ferramentas, como compras de ativos, em vez de mudanças significativas nas taxas de referência”, comenta Watson. Esta admite que esteve à espera que Draghi desse pistas sobre esta possibilidade durante a conferência de imprensa depois da reunião, mas que, por outro lado, este “enfatizou a necessidade de tomar medidas sobre política fiscal e a implementação de reformas estruturais”.

A inflação emite leves sinais de recuperação

Draghi aproveitou a reunião para recordar que a inflação tinha mostrado sinais de recuperação, ao subir de 0,2% em agosto para os 0,4% de setembro (dados do Eurostat). O banqueiro justificou a subida com a recuperação do preço de petróleo, e afirmou que “é provável que a taxa de inflação suba nos próximos meses, em grande parte devido aos efeitos de base do preço da energia”. Draghi insistiu que, “apoiada pelas nossas medidas monetárias e a esperada recuperação económica, a taxa de inflação deverá incrementar-se mais em 2017 e 2018”.

Ken Leech, diretor de investimentos da Western Assets (filial da Legg Mason Global AM), oferece a sua própria visão sobre os esforços do BCE neste campo: “pode-se dizer que o presidente do BCE, Mario Draghi, utilizou todo o seu arsenal desde 2012, mas a sua política está concebida principalmente para abrandar a tendência descendente das perspectivas de inflação. A forma de consegui-lo é fixar um limite mínimo para a taxa de inflação, e com o tempo o ir ajustando. O BCE não está nem remotamente perto de conseguir os seus objetivos. Mas a boa notícia é que a sua política está a começar a funcionar. Está a ganhar tração, e isso é positivo”.

Portugal vai hoje a exame

No dia de hoje, o Estado português vai estar "nas bocas do mundo", já que a DBRS vai voltar a avaliar o rating de Portugal. Na reunião de ontem do BCE, ficou-se a conhecer que caso a agência de rating canadiana corte o rating nacional, então as obrigações soberanas deixam de estar elegíveis para o programa de compra de ativos por parte do Banco Central Europeu. "A expectativa geral é de que a agência de notação financeira canadiana mantenha o rating inalterado, mas existem opiniões divergentes em relação ao outlook que vai ser dado a Portugal", refere a nota de research publicada pelo Banco BiG.