Reino Unido – In or Out

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“É imperioso construir uns Estados Unidos da Europa. Só dessa forma centenas de milhões de trabalhadores poderão recuperar as alegrias e esperanças simples que dão sentido à vida”, disse Winston Churchill, figura de Estado britânica, que ocupou a posição de primeiro ministro no Reino Unido numa das épocas mais conturbadas da história do século passado, num discurso em 1946. Estas declarações mostram que também esta personalidade, que em várias testemunhos públicos, prévios à Segunda Guerra Mundial, acreditava que o país tinha o seu “próprio sonho” e a sua “própria tarefa”, acabou por ver o potencial económico e humano do processo de integração europeia.

No entanto, os diversos eventos económicos e sociais do século XXI que vieram abalar as economias da União Europeia e pôr em causa esse processo, levaram também o povo britânico a voltar novamente a acreditar num “próprio sonho” e na possibilidade de voltar a afastar o país insular das economias da Europa continental. Neste sentido, o povo britânico desloca-se hoje às urnas para decidir entre o “seu sonho” e o “sonho comum”.

No entanto, seja qual for o desfecho, não será de esperar um rompimento agressivo da ligação do Reino Unido à União Europeia. “O processo de saída da UE não é imediato, pela simples razão de que ninguém sabe como é que se faz. Provavelmente teria que passar por uma negociação entre as duas partes, o que poderia demorar vários meses, tal como com outros países com os quais o Reino Unido negoceia ao abrigo de acordos europeus”, explica João Pereira Leite, diretor de investimentos do Banco Carregosa. O profissional, tal como Ricardo Silva, da equipa de gestão de ativos da CA Gest, aponta a vitória do ‘não’ à permanência como imprevisível, com as sondagens a apontarem para um empate técnico, embora “acontecimentos inesperados, como o recente assassinato da deputada Jo Cox, no Reino Unido possam revelar-se decisivos na votação final”, como destaca o profissional da CA Gest. Para a equipa de research do BiG, o cenário base é de que o Reino Unido se manterá na UE, pelo que olham para as consequências assumindo esse cenário. Nomeadamente, consideram que “uma vitória do lado da manutenção deverá ser algo dissuasor de movimentos mais populistas no resto da Europa (Espanha e França principalmente) e poderá acabar por aproximar o Reino Unido da Europa, passando a ser parte da solução em vez de mais um problema.

No entanto, perante uma vitória do ‘não’, o diretor de investimentos do Banco Carregosa é categórico “o impacto na economia inglesa seria negativo, pois não só algumas empresas perderiam acesso a um mercado natural, organizado e facilitado, como teriam mesmo que deslocar atividades para fora do Reino Unido” com especial impacto no sector financeiro, já que “uma saída da UE poderia precipitar uma perda de acessos dos serviços financeiros ingleses à Zona Euro”. De acordo está Diogo Teixeira, administrador da Optimize Investment Partners, que acredita que “se os efeitos a médio prazo de um cenário de Brexit sobre o PIB e o emprego são difíceis de quantificar, dado a variedade de desfechos negociais que podem surgir do processo de saída, os efeitos a curto prazo serão claramente recessivos". Para além do efeito sobre o investimento, o profissional assinala ainda que "é fácil de antecipar uma espiral de antecipações negativas, com os riscos que pesam sobre o emprego, nomeadamente no sector financeiro, a gerarem uma retração do consumo privado que por sua vez irá pressionar muitos sectores da economia”.

João Pereira Leite destaca ainda o défice das contas correntes na ordem dos 7%, que “é compensado, em parte, pelo investimento externo” e Diogo Teixeira, focando na mesma questão, destaca que “uma saída da UE significaria um congelamento dos fluxos de investimento que têm compensado esse défice” bem como “uma reduzida margem de manobra do Banco de Inglaterra para compensar os efeitos recessivos dessa queda do investimento”.

Mercados

Relativamente à reação dos mercados financeiros, do BiG, o voto a favor da permanência “deverá conceder algum alento aos ativos de risco europeus”, embora temam que não seja suficiente para uma mudança de tendência (descendente, neste último semestre), porque os restantes potenciais problemas da Europa persistem, independentemente do resultado do referendo. Neste mesmo cenário, Ricardo Silva considera que “ a libra esterlina deverá continuar a recuperar o terreno perdido nas últimas semanas e as “yields” dos gilts poderão avançar dos mínimos fixados em meados de junho à medida que retome a confiança na economia britânica”. O profissional esperaria, perante este cenário uma “espécie de ‘relief rally’ de curto prazo” nas ações europeias.

Por outro lado, perante o cenário de Brexit, “podemos antever um período de forte aversão ao risco nos mercados financeiros”, nomeadamente com ações em queda e “spreads” de crédito a alargar, relata Ricardo Silva. A opinião de João Pereira Leite está em consonância e considera, adicionalmente, que em caso de vitória do ‘não’ à UE “devemos estar preparados para uma queda das ações inglesas e europeias”, já que “cerca de 17% das receitas de empresas cotadas no Reino Unido têm origem na UE – com especial destaque para as operadoras aéreas e para as financeiras – o que, com o Reino Unido fora da União Europeia e a ser tratado como ‘país terceiro’ alteraria as condições em que exercem a atividade”. Diogo Teixeira é mais específico nas suas previsões, já que para fazer uma estimativa “basta olhar para a reação dos mercados europeus às variações das probabilidades de Brexit para antever o que poderá acontecer no dia seguinte ao voto”. Neste sentido, considera que “em caso de Brexit, podemos antecipar uma correção de cerca de 10% das ações europeias em poucos dias, contra uma recuperação de 5%, para os máximos de Abril/Maio, no caso contrário”.

Nos segmentos de fixed income, João Pereira Leite não espera grandes movimentos considerando que muito foi já “antecipado, nas últimas semanas”. Já Diogo Teixeira acredita que “face às pressões inflacionistas criadas pela desvalorização cambial, e à perda de atratividade das Gilts, pode antecipar-se uma subida de toda a curva de taxas, que pode ser agravada pelo efeito de “flight to quality” para a dívida corporativa e high yield em GBP com exposição ao mercado britânico”.

Moedas

João Pereira Leite menciona que a decisão de Brexit “provocará um impacto negativo e imediato na moeda inglesa, cuja desvalorização poderá ser superior a 10%” com o euro também a ser afetado, embora em menor escala. Apontando também o provável “acentuar do já previsível abrandamento económico” e o eventual impacto nas contas públicas, o profissional vê novamente como consequência a desvalorização da libra, sendo que, no entanto, “pode revelar-se muito conveniente, pois pode ajudar nas contas externas”. Ricardo Silva acredita que “o dólar poderia apreciar no curto prazo, muito embora uma eventual saída do Reino Unido da EU, pudesse de alguma forma reduzir a probabilidade atribuída a novas subidas dos juros no decorrer do ano”. Diogo Teixeira vê também o desfecho a “ter um impacto sobre o par EUR/USD, limitado do lado positivo para o Euro em caso de Bremain (1-2%), mais sensível em caso de saída (3-5%)”.