Realidades e mitos sobre o active share

javier
Morningstar

O active share está a ganhar uma grande popularidade. Tanto é assim que o número de gestoras que estão a incluir este rácio nos prospectos dos seus fundos continua a aumentar. A razão é simples. Numa indústria cada vez mais competitiva, as entidades consideram necessário dar ênfase a todos os aspectos que realcem a sua capacidade de diferenciação, mostrando ao mercado o seu trabalho extra face aos fundos de gestão passiva, estratégias que exercem grande pressão ao nível das comissões.

Neste sentido, o ‘activo share’ serve para medir a parte da carteira que se diferencia do índice de referência. Define-se como a parcela da carteira que não se sobrepõe ao índice e resulta da diferença (em valor absoluto) entre o peso de uma ação específica no índice e o seu respetivo peso na carteira. O cálculo em si é muito simples. Tão simples como elaborar um estudo de cada um dos títulos que estão na carteira do fundo face ao benchmark, somar e dividir por dois. Se um título tem uma ponderação de 10% no índice e o seu peso no fundo é de 4%, o active share dessa posição é de 6%. O único inconveniente é que se trata de um rácio que requer muita informação, pois não basta saber as 10 primeiras posições, a distribuição geográfica ou sectorial do portfólio. É necessário ter a carteira completa tanto do fundo como do índice. Segundo explica Javier Sáenz de Cenzano, diretor de análise da Morningstar para Iberia e Itália, no Morningstar Direct User Forum realizado pela empresa de análise em Lisboa, o active share não é a fórmula mágica que irá responder a todas as perguntas. “Nenhum cálculo que se possa utilizar na indústria de fundos tem em si resposta para tudo. No entanto, é verdade que ajuda a saber até que ponto se diferencia um fundo do índice e, portanto, as probabilidades que tem determinado fundo de se desviar do índice no que toca a rentabilidades futuras. Além disso, ajuda a avaliar se o valor que está a ser pago em comissões, enquanto investidor, fazem sentido em relação à gestão ativa que realmente é feita no produto”.

Existe uma série de realidades e mitos em torno do active share, o que faz com que nem sempre se faça a melhor interpretação deste rácio. Sáenz diz que uma dos primeiros aspectos a ter em conta é que o active share não é um dado estático. Tem uma evolução ao longo do tempo, sofre alterações diariamente e sempre que o gestor faça uma operação. O segundo é que não substitui o tracking error. “O tracking error captura o risco de mercado, não o risco especifíco das empresas nas quais se investe. O active share sim. São rácios que se complementam muito bem”, assegura. O terceiro ponto sublinhado pelo diretor de análise da Morningstar para Ibéria e Itália é que o active share está desenhado principalmente para estratégias long only de ações. “Quando há muitos derivados em carteira, o cálculo pode desvirtuar-se. Assim, há que ter cuidado na análise. O quarto aspecto mencionado é tomar atenção ao índice que se está a utilizar.

“Se se está a analisar um fundo que investe em empresas tecnológicas americanas e para calcular o active share o comparamos face ao S&P 500, um índice muito mais diversificado em termos de sectores, vai chegar-se a um active share muito elevado, mas isso pouco significa porque, na verdade, se está a eleger um benchmark incorrecto”. Muito associado a isto está o facto de se dever ter presente a estrutura do índice. “Se se tiver um índice muito concentrado, com poucos títulos ou muito peso das grandes empresas, vai ser difícil obter um active share elevado a não ser que o gestor tenha apostas massivas. Um bom exemplo é Ibex 35. As cinco principais empresas pesam cerca de 60%. A não ser que a aposta nesses cinco títulos seja grande, é complicado que o gestor tenha níveis de active share de 70-80%”. Relativamente a isto, há que ser muito preciso na análise porque o rácio poderá induzir em erro.

Dois casos paradigmáticos

Tomemos como exemplo um índice fictício composto por quatro empresas. Cada uma pesa 25%. Um gestor, que se assume ativo, tem 50% na empresa A e outros 50% na empresa B e 0% nas empresas C e D. Neste caso, trata-se de um gestor muito ativo. Está a duplicar a posição em metade das ações do índice e a reduzir a zero a outra metade. Contudo, o active share que resultaria seria 50%. Segundo um estudo realizado em 2009 por professores da Universidade de Yale Martijn Cremers e Antti Petajisto, uma carteira de um fundo de gestão ativa deveria sobrepor-se no máximo em cerca de 40% face ao índice, o que pressupõe um active share de 60% para ser considerado ou poder definir-se como ativo. Consequetemente, o que para Cremers e Petajisto seria um closet tracker, ou seja, um fundo com um active share muito baixo, seria na realidade um fundo bastante agressivo nas suas apostas.

Caso contrário é o Russell 2000, índice de small caps americanas, onde o top 10 só pesa 2,5%. Um gestor que compre as 300 ou 400 maiores empresas do índice e lhes atribua pesos sectoriais similares ao benchmark obteria uma rentabilidade em linha com a do índice, apesar do seu active share ser bastante elevado, já que estaria a deixar de fora da carteira 1.700 empresas. “Basicamente é parecer um lobo mas gerir como um cordeio”, refere Sáenz de Cenzano.

Portanto, o active share não pode ser entendido em termos de ‘quanto mais melhor’. “Deve analisar-se se um fundo com um active share elevado é realmente melhor que um fundo com um active share moderado (70-80%). O activo share não responde à pergunta “devo ou não investir neste fundo”. Todavia, se se está perante um active share muito baixo será um sinal de alarme que indica, pelo menos, ao investidor que talvez nao queira pagar comissões tão altas por aquilo tipo de gestão”.

Pode o active share prever a rentabilidade futura de um fundo?

Neste sentido, Sáenz de Cenzano explica que ao identificar um fundo com um active share muito baixo que está a cobrar comissões de gestão ativa, a decisão do investidor deverá ser por um fundo de gestão passiva, que lhe vai oferecer uma exposição similar ao mercado com menor custo, ou um fundo de gestão ativa, que cobre pela gestão ativa mas que realmente esteja a fazer esse tipo de gestão. A hipótese contrária não é necessariamente certa. Um fundo com um active share extremamente alto não tem que ser melhor que um que apresente um rácio moderado. “É uma ferramenta para saber se a relação qualidade-preço do teu fundo é bom ou não e se o gestor está a acrescentar valor pelas comissões que está a cobrar, mas assumimos o nosso cepticismo relativamente a ser um indicador válido para prever a rentabilidade futura de um fundo como defendiam os professores de Yale, Martijn Cremers e Antti Petajisto no  estudo realizado em 2009 intitulado 'How Active Is Your Fund Manager - A New Measure That Predicts Performance’.

Segundo Sáenz de Cenzano, o estudo sofreu várias críticas posteriores por parte da indústria, a começar no facto de existir um elemento de dimensão das empresas nas quais investem os fundos analisados que desvirtuam o estudo. Além disso, não foi tido em conta o risco. Simplesmente se observou a outperformance dos produtos. “A correlação entre o active share e o information ratio não é tão elevada. Também, os fundos com maior active share no estudo apresentavam um maior nível de downside risk, o que demonstra que sob a perspetiva de análise do risco, o estudo destes autores estava incompleto. Nos níveis mais altos de active share, o que se via neste estudo era que a magnitude da outperformance não era consistente ao longo do tempo e que nesses níveis tão elevados de active shares a dispersão entre os diferentes gestores era igualmente mais elevada, no sentido de que existiam tantos gestores que eram realmente bons como outros tantos que não. Todas estas críticas mostram o quão cauteloso se deve ser na hoa de dizer que o active share pode ser um factor de previsão da rentabilidade futura de um fundo. Não obstante, é uma ferramenta muito útil na hora de entender, analisar e selecionar um fundo de investimento”, conclui.