Que impacto pode ter sobre os mercados um voto negativo no referendo italiano?

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Ed Yourdon, Flickr, Creative Commons

Falta menos de uma semana para o encontro marcado entre os italianos e as urnas, e os mercados continuam a mostrar nervosismo, com vendas continuadas de ativos italianos. No entanto, já há várias semanas que os investidores consideram nos preços o desfecho do referendo constitucional de domingo 4 de dezembro.

Céline Renucci, analista e estratega da AXA IM, recorda que Itália é dos poucos países europeus que conserva um sistema perfeito com duas câmaras, visto que ambas as câmaras dispõe dos mesmos poderes. Um exemplo das dificuldades que causa esta organização é que, em média, são necessários três anos para aprovar cada lei nova em Itália, “porque ficam presos em negociações infinitas entre as duas câmaras igualitárias”. Daí a pretensão de Renzi de entregar poder ao Senado, para favorecer estabilidade do sistema político italiano. “Apesar do acordo geral sobre a necessidade da reforma, o referendo tornou-se mais político, e o voto a favor do não está a liderar as sondagens. Isto reflete o crescente sentimento anti-sistema na Europa, e traduz-se na subida em alta da popularidade do Movimento Cinco Estrelas”, explica Renucci.

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Da AXA IM elaboram um quadro no qual compilam os cenários mais prováveis. O cenário central com o qual trabalham, com 55% de probabilidade, é uma vitória ajustada do “Não”, que “já foi amplamente posta no preço, tanto na parte das obrigações como na de ações”. Na verdade, a especialista afirma que “o impacto sobre os BTPs italianos será limitado”. O cálculo da gestora é que o prémio de risco face ao bund se estreite em cerca de 20 pontos base, uma tendência similar à que já foi apresentada em 2013. Adicionalmente calculam um possível alargamento de 10 pontos base do prémio de risco espanhol. “As ações da zona euro também seriam afectadas, especialmente os títulos financeiros, que poderiam debilitar-se ainda mais”, acrescenta o especialista.

O segundo cenário ao qual alocam mais probabilidades (25%) prevê um voto significativamente a favor do não e a ruptura da coligação que agora governa, o que geraria elevadas doses de incerteza. Renucci acredita que isto se traduzirá num forte alargamento do prémio de risco entre os BTP e os bunds, embora “no entanto, seja em mais de metade menos do que no episódio prévio de stress de 2011, quando alcançou os 500 pontos base”. Seria mais próximo dos 150 pontos base, enquanto que o spread espanhol poderá alargar-se em cerca de 80 pontos base. São duas as razões que estão por detrás deste cálculo: “A primeira, que o programa do PSPP atual do BCE limite a pressão de subida sobre as taxas. A segunda é que agora existem ferramentas para abordar as preocupações em torno do risco soberano na zona euro, a começar pelo OMT”.

Este segundo cenário também prevê uma forte queda das ações da zona euro, especialmente os valores financeiros. “O risco de tormenta bancária, contagiando-se por toda a Europa, não se pode descartar neste cenário”, acrescenta a especialista. Embora clarifique que o BCE estaria pronto a intervir num resgate aos bancos, acredita que “provavelmente demoraria algum tempo e requereria apoio político por parte dos principais países da zona euro”.

Por fim, caso ganhe o sim (25% de probabilidade), da AXA IM esperam uma rally generalizado: o spread italiano encolheria 20 pontos base, regressando a níveis de outubro, e o resto dos periféricos poderia assistir a um estreitamento entre os 15 e os 5 pontos base. Para além disso, as ações seriam beneficiadas pelo resultado.

Último evento de risco político em 2016... ou não?

O referendo acontece onze dias antes da última reunião do BCE em 2016 e nove dias antes da reunião da Reserva Federal. É relevante recordar este calendário, pois, tal como explica Mondher Bettaieb, gestor da Vontobel AM, “o referendo italiano tornou-se menos sistémico tendo em conta a possibilidade de que a intervenção do BCE continue”. A visão do gestor é que “se Matteo Renzi perder o referendo por uma estreita margem – embora provavelmente cumpra a sua ameaça de se demitir – seguramente o presidente, Sergio Matarella, pedir-lhe-á que se mantenha no cargo por um período de estabilidade”.

Além disso, diz, “Renzi tem a maioria na câmara baixa, e alguma legitimidade, com muitos aliados democratas e de centro-direita que provavelmente o apoiam mesmo que votem “Não”. Sobre as expetativas dos investidores, o especialista acredita que poderá dar-se o caso oposto ao Brexit e à recente vitória de Donald Trump: “Os mercados são muito conscientes da importância do referendo e as sondagens estão a apontar para uma derrota de Renzi. Por isso, acreditamos que existe mesmo margem para uma surpresa positiva”.

“A maioria dos investidores preferiria que Renzi ganhasse e formasse um governo estável, mas isto não fará com que os problemas desapareçam”, comenta por seu lado Paul Diggle, economista sénior da Aberdeen. Este encarrega-se de recordar que “Itália está no meio de uma combinação tóxica de crescimento baixo, bancos com problemas e a ameaça crescente de políticos populistas. Nenhum destes problemas desaparecerá na manhã seguinte ao referendo”.

Diggle declara que “o cenário que os mercados realmente não querem é que o Movimento Cinco Estrelas ganhe as eleições que poderão vir a acontecer, caso Renzi se demita”, porque considera que então poderá assistir-se a uma segunda consulta popular, no caso “um referendo sobre a pertinência da zona euro e deficits fiscais mais elevados”. Isso, por sua vez, “pode significar uma mistura de retrocesso da globalização e aumento da despesa”.