Primeiras reações dos mercados à decisão do Reino Unido em abandonar a UE

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Pela primeira vez na história, um estado-membro da União Europeia irá abandonar o clube comunitário. A decisão do Reino Unido abre um precedente e deixa muitas interrogações e um período de incerteza que os especialistas preveem que seja longo. Os investidores sabem-no. A esta hora, o impacto nos mercados está a ser muito significativo. A libra está no nível mais baixo desde 1985. Nas últimas horas passou de 1,5 para 1,34 dólares, o que é uma queda superior a 10%. “Evidentemente, o maior impacto vai acontecer na economia do Reino Unido, que a curto prazo irá apresentar uma desaceleração do crescimento e muita incerteza para os próximos dois-três anos. Vai ser mais complicado fazer negócios, contratar pessoas e investir no Reino Unido. E não podemos esquecer que o crescimento britânico está muito relacionado com o investimento em dívida soberana. O Reino Unido necessita de investimento estrangeiro e se não o conseguir, o crescimento do PIB irá resvalar. Para a economia real da Zona Euro o impacto será menor, porque o Reino Unido não é o seu principal sócio comercial, mas obviamente que se irá ressentir”, sublinha Adrien Pichoud, economista-chefe da SYZ Asset Management.

Mas a Europa também vai ser afetada por tudo o que significa esta saída de um estado-membro, para o futuro do projeto comunitário. Esta evidência é verificada pela queda de 3% do euro face ao iene e ainda com as quedas nas bolsas europeias. Depois da queda de 8% de Tóquio, o Eurostoxx 50 sofre perdas de 8%, com Frankfurt a cair na mesma proporção. Paris já caiu 10% enquanto Madrid resvalou 12%, registando a maior queda da sua história. No entanto, o mercado britânico é onde estão todos os olhos postos. O FTSE 100 está a cair 7% com o sector financeiro a ser dos mais prejudicados. Embora seja difícil antecipar o impacto real sobre o sector, parece claro – e tal como tinham dito da Fidelity – o menor crescimento económico do Reino Unido se traduzirá em perdas por imparidade e provisões perdidas para as entidades financeiras, já que é previsível que o desemprego aumente e que os preços das casas desçam. Mas, no final, este efeito poderá variar em função da qual seja a resposta dos bancos centrais.

Mondher Bettaieb,  diretor de crédito corporativo da Vontobel AM, mostra-se convencido de que tanto o Banco de Inglaterra como o BCE se irão manter atentos nas próximas horas, proporcionando liquidez adicional ilimitada aos bancos, caso seja requerida: janela de liquidez aberta por parte do Banco de Inglaterra e operações LTRO-II. “Os bancos centrais, incluindo a autoridade monetária britânica, também estão preparados para se defenderem contra qualquer fuga de capitais em libra esterlina, assim como de uma situação de iliquidez nos mercados, mediante a intensificação das suas medidas de flexibilização quantitativa”. O gestor vê como pouco provável que, depois deste resultado, a UE vá permanecer igual. “É provável que as maiores e mais poderosas nações da UE, em termos económicos, vão responder positivamente a este evento com o objetivo de fazer da UE um bloco mais íntegro e mais forte”, afirma. Mas, por agora, há pouca visibilidade sobre o futuro. “Neste ponto, há muitas interrogações. A decisão dos britânicos abre um período de incerteza tanto no Reino Unido como na Europa, que a curto prazo se irá refletir em mercados mais voláteis”, assinala Philippe Ithurbide, diretor global de análise da Amundi e Didier Borowki, responsável macro da gestora.

Os estatutos da UE apontam que o processo de divórcio poderá durar até dois anos, mas desconhece-se o efeito tempestuoso que pode ser e os efeitos colaterais que possa ter. Em cada país os efeitos podem ser distintos. “No Reino Unido não se pode descartar que a sua economia entra em recessão”, indica Jim Leaviss, responsável de obrigações da M&G Investments. Além dos efeitos económicos já mencionados, no Reino Unido, o primeiro ministro David Cameron anunciou a sua demissão e a convocatória de eleições, o que abre um novo período de incerteza. “Esperamos uma maior pressão da libra face ao dólar, enquanto que o euro se manterá débil. O risk off poderá conduzir tanto o mercado de ações britânico, com os restantes, a níveis mais baixos”, afirma Stefan Kreuzkamp, diretor de investimentos da Deutsche AM. O consenso de analistas e gestoras estimam que estas poderão ser entre 10% e 15%.

Comportamento das obrigações

Portanto, os investidores procuram um lugar para se abrigarem. Nestas primeiras horas fazem-no com o dólar, que recupera o seu estatuto de ativo refúgio e no ouro, com o preço a crescer 1% para 1.267 dólares por onça. Em 2016 o aumento já vai em 20%. Também procuram refugiar-se nas obrigações do tesouro norte-americanos, que caem 33 pontos base (para 1,4%) e em Bund alemão, cujo preço está a subir e a yield a baixar. Nestes instantes, a rendibilidade da obrigações alemãs a dez anos é de -0,08%. Ao mesmo tempo, a TIR das obrigações periféricas está a subir. Em Espanha, para o prazo de 10 anos, chega a 1,62%, com o prémio de risco entre o país e a Alemanha a ser de 170 pontos base. À medida que cresce o medo de ruptura da UE, a dívida espanhola e italiana está a comportar-se pior, com uma queda de 30 pontos base no dia de hoje. Os perdedores no mercado de obrigações estão a ser os ativos com maior risco.

Segundo observa Jim Leaviss, o mercado de obrigações emergentes está em baixa. A dívida turca em dólares desceu dois pontos; a sul-africana, três e a húngara, seis. O mercado de dívida high yield mostrou uma debilidade extrema num primeiro momento e, pontualmente, o índice Crossover chegou a expandir 120 pontos base, para posteriormente recuperar algum terreno e situar-se atualmente nos 80 pontos base. A dívida bancária também está a ser afetada, inclusivamente nos países corre. Os spreads de dívida bancária senior ampliaram 50 pontos base e a subordinada, 100. Em geral, os spreads de dívida corporativa sobem entre 20 e 80 pontos base. Na opinião de Leaviss, “os mercados de crédito estão a descontar um nível de defaults mais elevado que o que estimam e os movimentos de hoje fazem com que o ativo mais que compense pelo risco assumido”.

O problema é a falta de confiança existente. “A pancada na confiança levará a um episódio de aversão ao risco a nível mundial, com os ativos norte-americanos a superarem os europeus. Na ausência de um compromisso político sólido nestes próximos dias, um prolongado período de incerteza quanto ao futuro da construção europeia aumentará o prémio de risco dos ativos europeus. Dentro dos mercados europeus, a revisão dos prémios de risco poderá levar a uma maior diferenciação entre o norte e o sul da Europa, com interesses que uma vez mais serão divergentes”, augura a equipa de Estratégia de Investimento da Lombard Odier. Ainda apesar da tendência que estão a mostrar os mercados, alguns especialistas não esperam um desastre nos mercados. “Ainda que a saída do país da UE se traduza numa trajetória descendente, não esperamos um cenário catastrofista e as fortes descidas aumentarão as oportunidades de investimento”, indica Paras Anand, responsável de equity europeia da Fidelity International.