Primeiras opiniões das entidades gestoras relativamente às eleições britânicas

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O povo britânico votou e decidiu que o Partido Conservador é a força com maioria no Parlamento, mas sem uma maioria absoluta, algo com que ambicionava a primeira ministra britânica quando convocou as eleições. Se aquilo que Theresa May queria era aumentar a sua maioria parlamentar para reforçar a sua posição perante as negociações do Brexit, não só não o conseguiu, como aquilo que está agora em questão é a sua própria liderança. “Estamos perante um resultado desastroso para os trabalhistas, que devem levantar questões sobre o futuro de May como primeira ministra. Têm havido sérios danos para a posição de negociação do Reino Unido contra o Brexit. Sem um mandato forte, a Europa pode ignorar as exigências do Reino Unido. Inclusive a ameaça britânica de se retirar das negociações, parece agora uma ideia oca, pois é necessário o apoio do público britânico”, assegura Azad Zangana, economista europeu na Schroders.

O que está claro é que este resultado cria uma maior incerteza relativamente às negociações e que a possibilidade de um hard Brexit ganha força. “Agora existem muitas perguntas sem respostas, como, por exemplo, o que irá decidir fazer Theresa May após esta reviravolta e que coligação formará para governar”, indica Andrea Brasili, economista na Pioneer Investments. Rowena Geraghty, analista da dívida soberana em Standish (BNY Mellon). Não tem nenhuma dúvida de que este resultado dará lugar a um governo instável com poucas probabilidades de resistir às duras negociações sobre o Brexit e abrirá a porta a uma nova convocatória eleitoral para finais de 2018 ou inícios de 2019, altura em que a natureza do acordo final será conhecida.

A maioria ajustada dos conservadores poderá trazer consequências para a liderança de Theresa May, que poderá ser questionada pelos deputados mais eurocéticos do seu partido ou, inclusive, ser substituída enquanto líder do Partido Conservador”, afirma Geraghty. A sua visão coincide com a de Andrew Belshaw, responsável de investimentos da Western Asset (Legg Mason), que considera que independentemente do governo que se constitua nos próximos dias, a pessoa que ocupar o cargo de primeiro ministro deverá assumir a possibilidade de que se realizem outras eleições a curto prazo. “É necessária uma figura forte para assumir o governo nos próximos meses, se bem que é claro que o país não confia em Theresa May para liderar o país”, diz. O que se terá passado para a sua popularidade ter caído desta forma?

Segundo explica Richard Buxton, CEO e responsável de ações britânicas na Old Mutual Global Investors, isto terá sido um voto da juventude contra o crescente endividamento estudantil e um mercado de habitação disfuncional. “Os jovens apostavam na permanência do Reino Unido na União Europeia, e os mais velhos eram partidários do Brexit. Ao contrário do que sucedeu no referendo, neste caso os jovens cumpriram finalmente com a sua palavra. Para aqueles que nunca sentiram a inflação dos anos 70 e os cheques sem fundo, a mensagem do Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn foi irresistível”, assinala. Agora vamos entrar num período de incerteza que afeta diferentes áreas.

Consequências nos mercados financeiros

Por exemplo: este resultado gera uma grande incerteza relativamente à política fiscal que será levada a cabo no país a partir de agora e, como é óbvio, também sobre os mercados financeiros. A libra esterlina é a primeira vítima. “Depois do anúncio de que haveria eleições, passou de pouco mais de 1,20 dólares para pouco menos de 1,30 dólares por libra. Resta esperar que siga o caminho contrário, e os 1,27 dólares alcançados durante a noite eleitoral são o primeiro passo. A incerteza atuará como um tampão na bolsa britânica. A perspetiva de novas eleições dentro de alguns meses, somada às negociações do Brexit (que agora são mais imprevisíveis que nunca), elevam os riscos para todos os investidores na bolsa britânica”; assegura Dominic Rossi, diretor de investimentos em ações globais da Fidelity.

Eugene Philalithis, gestor de fundos multiativos da entidade, aprofunda esta ideia. A seu ver, um parlamento sem maioria absoluta será provavelmente negativo para os ativos em libras esterlinas, já que a moeda levará, seguramente, a pior parte. “Apesar da sua exposição à economia interna, o índice FTSE 250 teve um bom comportamento durante o último ano, mas a renovada incerteza e o aumento da inflação, que corrói o consumo privado, supõe obstáculos importantes para os próximos meses. Passaram três meses desde a ativação do artigo 50, mas ainda não se sabe quem ficará à frente das negociações em nome do Reino Unido ou que tipo de acordos os negociadores tentarão alcançar. Ainda que seja provável que as negociações propriamente ditas não comecem antes das eleições alemãs, este não é o melhor cenário”, reconhece o especialista.

Na Goldman Sachs AM consideram que a libra irá experimentar uma maior volatilidade, assim como os mercados em geral. De acordo com James Ross, gestor de equipa de ações pan-europeias na Janus Henderson, a reação do mercado de ações britânico será condicionada por duas importantes considerações. “Em primeiro lugar, a percepção de que entramos num contexto político ainda mais incerto (negativo tanto para os valores nacionais como para a libra) e, em segundo lugar, o facto de que a postura do Governo perante o Brexit possa ser suavizada (terá que ser aprofundado, mas será, provavelmente, positivo para os valores nacionais e para a libra a longo prazo). Creio que, na sua reação inicial, o mercado se focará na primeira consideração”. Para Michael Clements, diretor de ações europeias da SYZ AM, as oportunidades potenciais a médio prazo no Reino Unido estão ligadas às negociações do Brexit. “Se correm mal, então a certa altura poderemos observar a ocorrência de pânico no mercado britânico”, prevê.

Segundo Ross, tal como ocorreu na manhã em que foi revelado o resultado surpresa do Brexit, “é provável que presenciemos uma combinação de uma depreciação da libra (até ao momento, caiu quase 2% face ao dólar), uma rentabilidade inferior das ações do país (banco, sector imobiliário, fornecimento público, distribuição...) e um comportamento superior das empresas orientadas para o mercado exterior (sector petrolífero e mineiro, consumo básico e farmacêutico). É possível que assistamos a uma reação positiva do FTSE 100, sempre e quando os negócios internacionais, que constituem uma grande parte do índice, recuperem em termos de PIB”.

Por agora, a tímida reação registada até agora reflete uma sensação de que estamos perante um déjà vu. Afinal de contas, nos últimos doze meses tiveram que absorver os shocks do resultado do referendo sobre a permanência na UE e a eleição de Trump como presidente dos Estados Unidos. Lucy O’Carrol, economista-chefe na Aberdeen, antecipa elevados níveis de volatilidade nos próximos dias e semanas, a menos que a resposta de Westminster a este resultado surpresa seja bastante suave, o que considera improvável. “A história demonstrou-nos que os parlamentos nos quais não existe uma maioria absoluta não são duradouros, e muito menos com o Brexit a aproximar-se. Um pedido para colocar em causa as negociações sobre o Brexit poderá ser uma realidade, mas não está claro de que forma funcionaria tendo em conta que não existem precedentes. De qualquer modo, o resultado parece fortalecer o poder da Europa nas negociações”, aponta.

Haverá um segundo referendo?

Tal como recorda David Zahn, gestor na Franklin Templeton, o tempo continua a passar e, quanto mais difícil for negociar para o Governo britânico, maior probabilidade de que assistamos a um hard Brexit. “Esta incerteza renovada parece que será pouco útil para as negociações britânicas sobre o Brexit, que se iniciarão, previsivelmente, a 19 de junho. Os conservadores tiveram um desempenho francamente mau nos distritos eleitorais que votaram na permanência do Reino Unido na UE. Talvez este resultado reflita, em parte, uma rejeição da afirmação de que um não acordo é melhor que um mau acordo, e aumenta as possibilidades de um Brexit suave (que permanece no mercado único), ou inclusive outro referendo, ainda que pré-anunciá-lo incentivará a UE a oferecer um mau acordo para o Reino Unido com a esperança de que, desta vez, os britânicos votem pela permanência”, reflete Jim Leaviss, chefe de obrigações retalhista da M&G Investments.

 Onde parece que não haverá um segundo acordo é na Escócia, onde as gestoras concordam que a perda de votos por parte dos nacionalistas do SNP reduz a possibilidade de uma segunda consulta relativamente à independência do país.