Porque é que os ETF não são o diabo que distorce os mercados?

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ninascotland, Flickr, Creative Commons

Na era da pós-verdade, em que se dão como certas afirmações sem nenhum tipo de base científica, convém informar-se adequadamente sobre quais são os factos e qual a efetiva realidade. Isto é algo que inclusive afeta uma indústria tão escrutinada como a da gestão de ativos, onde às vezes se podem ouvir afirmações falsas. Uma das que se ouviram recentemente afeta diretamente os ETF. Talvez pelo desconhecimento que ainda existe sobre estes produtos ou pelos interessados ataques que, em determinadas ocasiões, recebem estes produtos, os fundos cotados têm sido acusados de ser os responsáveis das fortes quedas registadas pelos mercados de ações no mês de fevereiro, mais concretamente pelos aumentos de volatilidade registados em Wall Street.

A realidade, no entanto, é bem distinta. São os próprios factos e dados objetivos que desmontam estas acusações. O mais evidente: por cada dólar que se negoceia em ações nos Estados Unidos através de veículos de gestão indexada (tanto ETF como fundos indexados) negoceiam-se 22 dólares em estratégias de gestão ativa. Isto significa que os produtos de gestão passiva representam uma porção muito pequena do universo investível. Em termos absolutos, atualmente existem 4,8 biliões de dólares na indústria de ETF. Se compararmos com os 70 biliões que existem em ações ou os 100 biliões de dólares que existem em obrigações, fica claro que, no dia de hoje, os ETF e os fundos indexados representam uma parte ínfima. Esta é a verdade.

“Atualmente, os ativos indexados representam cerca de 10,3% dos ativos globais de ações e obrigações. Dessa percentagem, 8,2% corresponde aos fundos indexados e cerca de 2,1% aos ETF. Trata-se de uma percentagem muito afastada dos 21% que representa a gestão ativa e dos 68% que flutuam entre ações e obrigações. Nas ações americanas, os fundos cotados representam cerca de 7% do volume total investível, enquanto que nas obrigações americanas existem 800.000 milhões de dólares em ETF, o que equivale a 0,8% do total. Na Europa acontece o mesmo”, sublinha Aitor Jauregui. Tal como explica o responsável de negócio da BlackRock para Portugal, Espanha e Andorra, do total que se negoceia em ações americanas, as criações e reembolsos via ETF representam uma média de cerca de 4,32% do volume, o que é muito pouco.

“Mesmo em momentos de volatilidade esse valor foi menor (concretamente cerca de 3,86%), o que significa que a liquidez do mercado secundário, que é a troca de participações existentes, absorveu toda essa procura e a oferta que existia no mercado. Se acredita que o ETF está a distorcer o mercado é porque acredita que essa destruição ou criação de participações é menor, já que, o contrário não afetaria. Se os ETF representassem 70% do mercado, eu poderia entender o argumento de que o produto poderia estar a distorcer os preços, mas quando a gestão indexada nem sequer representa 10%, esse argumento acaba por não ter muito fundamento”, afirma.

ETF

 

Para demonstrar a sua teoria, Jauregui apoia-se naquilo que aconteceu na semana de fevereiro, quando os mercados corrigiram. “Entre 5 e 9 de fevereiro, uma semana de vendas, negociou-se mais de cerca de um bilião de dólares em ETF nos Estados Unidos. Desse montante, os resgates líquidos em ETF foram unicamente de 30.000 milhões de dólares, ou seja, cerca de 3%. Essas criações ou resgates representaram cerca de 3,86% de tudo o que se negociou nessa semana, quando a média dessas criações ou resgates está em 4,32%. É muito destacável tudo o que se negoceia por estes dias via ETF e o excelente comportamento que estão a ter estes produtos em momentos de volatilidade, não só pelo que representam na negociação, mas também porque estão a cumprir com um dos objetivos para os quais foram desenhados: dotar de liquidez um mercado que em alguns momentos pode estar stressado, isto sem esquecer uma das principais vantagens: a sua simplicidade operacional”.

Na prática, para um gestor que queira desfazer posições num mercado em stress, o produto facilita fazê-lo vendendo um ticker, em vez de ter que se ver obrigado a negociar com 40 brokers a venda de 40 obrigações. “Isto é muito evidente no high yield, onde a negociação via ETF apenas aumenta em momentos de stress. Se analisarmos quanto se negoceia por dia via ETF de high yield no mundo, vemos que isso representa cerca de 12% do volume diário na classe de ativos. Isto evidencia que, embora os ETF de dívida high yield apenas representem cerca de 3% do património total investível em high yield, são uma fonte importante da liquidez do veículo e, por isso, a distorção nos preços é ínfima”, conclui Jauregui.