Porque é que o coronavírus deve interessar mais aos investidores do que o SARS?

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Steve Webel, Flickr, Creative Commons

Não passaram nem dois meses desde que se conheceu a existência de uma nova epidemia de seu nome coronavírus que, atualmente, já fez 2.000 mortos e mais de 70.000 infetados, em mais de 30 países. Até que número de pessoas chegará este novo vírus é algo totalmente desconhecido como também o é o impacto que terá a epidemia no crescimento não só da China, mas do mundo todo.

A grande maioria dos especialistas optaram por usar o SARS de 2003 para calcular os efeitos económicos que o coronavírus pode ter na economia chinesa e, por consequência, na economia global. Num primeiro momento, o consenso inclinava-se mais para a possibilidade deste impacto, ainda que negativo, acontecesse só a curto prazo. Isso e a sensação de que este tropeção será compensado pelo Banco da China em forma de mais estímulos, explica que o impacto nos mercados de valores deste novo vírus se tenha visto de certa forma contido nas últimas semanas havendo até subidas apesar dos novos casos que se vão conhecendo todos os dias.

Na DWS explicaram no seu gráfico da semana esta surpreendente reação alegando que a situação é muito semelhante à vista com o SARS em 2003. “O índice Hang Seng tocou no fundo no fim de abril, poucos dias antes de o número de novas infeções começar a diminuir. A comparação com a atual epidemia do coronavírus revela um padrão quase idêntico: muitos índices marcaram o seu ponto mais baixo no fim de janeiro, enquanto o número de novas infeções diárias alcançou o seu máximo a 5 fevereiro. Assim, os mercados seguiram quase à letra o guião de 2003”.

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Não obstante, o mercado está a reagir agora de uma forma semelhante à de 2003, o que não implica que a situação seja semelhante, já que nestes 17 anos a China sofreu grandes mudanças estruturais que têm um grande impacto na sua própria economia, na economia mundial, e também nos investidores. De facto, ao contrário do que aconteceu no passado, “agora, quando a China espirra, o mundo adoece”, afirmava Karen Ward, estratega chefe da J.P. Morgan AM para EMEA. Segundo recordam na Flossbach von Storch AG, o peso que representa a China no PIB mundial (16,5%) é três vezes superior ao que tinha em 2003, a sua percentagem de produção de automóveis aumentou de sete para 27%, o turismo mundial de três para 20%, e o comércio mundial de cinco para 13%, por exemplo.

A transformação da China nas carteiras

E essa mudança na economia teve também a sua réplica nos mercados de valores, o que implica que atualmente o que acontece no mercado chinês tem muito mais impacto nas carteiras dos investidores do que podia ter no ano de 2003 ou em outras epidemias semelhantes. Por exemplo, a capitalização da bolsa chinesa é de 9,21% do total mundial, o segundo maior mercado a seguir aos EUA quando em 2003 a capitalização era de apenas 1% (512.000 milhões de dólares face aos quase sete biliões atuais).

É preciso recordar que a abertura do mercado chinês a todos os investidores internacionais só aconteceu em 2014 com o Stock Connect Program, a conexão dos mercados de ações da Shenzen e Shanghai que foi anunciada em abril de 2014 e implementada em novembro desse ano, já que até então o investimento nos mercados chineses estava limitado a alguns investidores institucionais através do Qualified Foreign Institucional Investor. Além disso, a segunda grande abertura a investidores internacionais chegou precisamente há um ano com a inclusão das ações A chinesas nos índices MSCI.

Isto explica que em 2003, em plena epidemia do SARS apenas houvesse 106 fundos de ações chinesas no mundo, segundo dados da Morningstar (incluindo as categorias de RV China, Grande China e RV Ações A China) face aos 1.545 que há atualmente. Também não havia muita oferta no que se refere a fundos que investiam em mercados emergentes de forma global: em 2003 haviam 287; hoje há 4.019.