Perseguir o interesse comum de promoção do mercado português e de proteção do investidor

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No passado dia 5 de dezembro, no edifício histórico da Sociedade Portuguesa de Geografia, o Observatório Português de Compliance e Regulatório realizou uma conferência sobre DMIF II onde profissionais e representantes de entidades supervisoras e intermediários financeiros discutiram as diferentes vertentes de uma regulação que tem concentrado a atenção do sector financeiro. Foi exatamente no contexto deste evento que foi dada a responsabilidade a Tiago dos Santos Matias, diretor do Departamento de Supervisão Contínua da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, de abrir o evento com a visão da entidade regulatória que representa e com uma referência a um momento histórico muito importante para os investidores, os mercados e os reguladores. “O eclodir da crise da financeira e a erosão que criou nos investidores e na confiança dos mesmos, trouxe novos factos e questões para os quais uma legislação que acabara de entrar em vigor (DMIF) não estava preparada para responder”, comentou. Neste sentido, o representante da CMVM destaca a intensidade do movimento legislativo que resulta, “em grande parte, da alteração do paradigma regulatório, o qual visando tornar os mercados financeiros mais eficientes, resilientes e transparentes, se afasta do paradigma da regulação baseada em princípios, adotando uma abordagem regulatória baseada em regras”.

Na opinião do profissional, a DMIF II trouxe consigo outras alterações estruturais, nomeadamente, o reforço da informação ao investidor, “a qual, por seu lado, vem incrementar os níveis de transparência e com eles o nível de dados reportados à CMVM, no âmbito dos quais a supervisão da qualidade dos dados remetidos às autoridades nacionais representa um desafio significativo e um teste aos meios disponíveis.”, comenta. Cientes deste desafio, Tiago dos Santos Matias aponta que, na CMVM, têm procurado evitar que o mercado nacional e os seus operadores sejam sujeitos a imposições domésticas,o chamado “gold plating”. Contudo, explica que a entidade supervisora o fez sem que tal representasse “um objetivo por si só, mas sempre que tal não fosse justificado, em face das características do mercado nacional, ou assim fosse justificado em face das características concretas e para proteção do investidor português”.

Supervisão proactiva e preventiva

Neste sentido, a CMVM procurou manter uma abordagem tanto proactiva como preventiva na sua supervisão. A entidade procurou, durante todo o primeiro semestre, “conhecer as dificuldades, práticas, e principais pontos de desafio sentido pelas entidades nacionais na implementação da DMIF II, ora por via da promoção ou da disponibilidade para reuniões individuais, ou por via de questionários, ora pela promoção e ou participação em fóruns organizados pela indústria, em especial pelas principais associações dela mais representativas, gizadas para conhecer os modelos de negócios das entidades nacionais, as suas opções de implementação, mas também as suas principais necessidades de esclarecimento e ou de sustentação da sua atuação”.

Em simultâneo, “procurou-se esclarecer as entidades para o correto e completo cumprimento dos seus deveres de reporte”, destaca. Para esse efeito foi criado um grupo de trabalho que envolveu a participação de intermediários financeiros, “com planos de esclarecimentos, do que deve ser reportado onde e quando, mas também da realização de testes técnicos. Esses testes envolveram não apenas intermediários financeiros, mas também entidades fornecedoras de soluções tecnológicas, que interagiram com a CMVM no intuito de procurarem implementar soluções testadas e adequadas ao cumprimento dos deveres dos seus utilizadores”.

Fóruns internacionais

Contudo, a abordagem do regulador não se ficou pelo território nacional. Tiago dos Santos Mantias destaca isso mesmo no seu discurso onde refere que a CMVM procurou, depois de conhecidas as dificuldades e principais desafios, “que os mesmos fossem devidamente considerados nos fóruns internacionais nos quais participa, em especial os diversos comités da ESMA em que a CMVM participa e no âmbito dos quais são discutidas questões técnicas, no sentido de apoiar e propor a assunção de posição pelo board of supervisors. Este é um trabalho extenso, exigente, nem sempre visível, mas no qual a CMVM e a sua supervisão se envolveram ativamente, no intuito de procurar salvaguardar modelos de negócio, características locais e assegurar critérios de proporcionalidade, que permitam o funcionamento equitativo de regras comuns, perante realidades diversas”, comenta.

Não deixou também de dedicar uma palavra aos intermediários financeiros “que buscam novas formas de fazer, e de fazer bem”. “Aqueles que compreendem que o cumprimento não é um formalismo ou formalidade, mas uma cultura, uma afirmação prática de como são exercidos os deveres fiduciários da intermediação financeira. Para todos esses e com todos esses temos procurado colaborar, aclarar dúvidas sobre o enquadramento de atividades como o roboadvice, visando possibilitar o desenvolvimento do mercado e potenciar quadros de atuação dentro do quadro normativo aplicável. Fazemo-lo com a convicção que tal representará uma forma eficiente e eficaz de darmos cumprimento às nossas atribuições, mas, no essencial, de perseguirmos, em conjunto, o interesse comum, de promoção do mercado português e de proteção do investidor”.

Citado o caminho percorrido, o diretor do Departamento de Supervisão Contínua da CMVM enfatiza também o longo caminho ainda a percorrer “num quadro de reconhecimento e consagração da natureza fiduciária da relação entre investidor e intermediário financeiro, em que a DMIF II pretende acentuar decisivamente a proteção do investidor, que a distingue e caracteriza. A DMIF II representa um desafio significativo para a atuação dos intermediários financeiros, mas igualmente da supervisão. Todos os stakeholders foram e são confrontados com um novo quadro de exigência. A capacidade de compreensão e adaptação ao mesmo, de reconhecimento do papel desempenhado por cada um e, no final, de promoção de uma colaboração mutuamente responsabilizadora, ditará, a prazo, o resultado da nossa atuação”, comenta.

Em jeito de conclusão, Tiago dos Santos Matias reafirma o “firme propósito e empenho de promover a aplicação do novo quadro normativo, em defesa dos investidores nacionais, do nosso mercado de capitais e de todos aqueles que nele

atuam, cientes que muito feito, mas muito mais haverá por fazer, convictos que a DMIF II representa, não um risco, mas antes uma oportunidade, que deve ser encarada como tal”.