Pedro Vieira (IMGA): “Acreditamos que as taxas de juro na Europa deverão estar ancoradas nos prazos mais curtos”

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O ano de 2020 deverá ser de estabilização do crescimento a nível global, depois de 2019 ter sido marcado pela queda do investimento e das trocas comerciais devido às incertezas geopolíticas. A contribuir para esta estabilização estão as políticas monetárias expansionistas dos principais bancos centrais, a política fiscal expansionista de alguns países com destaque para a China e o Japão, e a recuperação de algumas economias emergentes com estrangulamentos idiossincráticos. Desta forma, esperamos uma redução do ritmo de crescimento nas economias desenvolvidas, em particular nos EUA, e um aumento do mesmo nas economias emergentes.

A inflação deverá recuperar ligeiramente, mas permanecer, na maioria dos países, aquém do objetivo dos bancos centrais. Esta realidade permitirá a manutenção de políticas monetárias expansionistas, não estando, no entanto, no horizonte novos cortes de taxas de juro nas principais geografias. Ao nível das políticas monetárias destaque para a “policy review” da Reserva Federal e para a “strategic review” do Banco Central Europeu (BCE) que irão ocorrer no próximo ano e que poderão conduzir à inclinação positiva das curvas face a uma possível maior tolerância a dados de inflação acima do objetivo.

Os riscos geopolíticos deverão reduzir-se no início do ano, com a aprovação pelo Parlamento do Reino Unido do acordo de saída da União Europeia e a assinatura da fase 1 do acordo comercial entre os EUA e a China. A implementação destas resoluções poderá, no entanto, revelar-se desafiante. As eleições norte-americanas do próximo ano também serão um evento importante, nomeadamente no que diz respeito às agendas políticas que possam vir a ser apresentadas. Até ao momento, as indicações são de que o presidente Donald Trump deverá apostar num novo corte de impostos, enquanto os democratas será na redistribuição da riqueza. A disputa comercial com os EUA e a estabilidade governativa em Itália são temas a acompanhar na Europa, enquanto a nível mundial as atenções estarão centradas na situação política na América Latina, no Irão e em Hong Kong.

Um cenário mais positivo para a economia mundial, em que verificaríamos uma re-aceleração do crescimento económico a nível mundial, não está descartado, mas está dependente de uma evolução favorável das disputas comerciais que permita um aumento do investimento e das trocas comerciais.

Um aumento das políticas protecionistas teria o efeito contrário, com a contração do investimento e a fragilização do consumo a ter repercussões negativas ao nível do crescimento económico. Neste cenário, as politicas monetárias provavelmente tornar-se-iam mais expansionistas, o que seria acompanhado por políticas fiscais também mais expansionistas. Os níveis baixos das taxas de juro em algumas das principais geografias e os programas de compras em vigor, retiram eficácia a novas medidas monetárias, pelo que estas teriam de ser conjugadas com medidas fiscais.

Ativos

Em termos de mercado, acreditamos que as taxas de juro na Europa deverão estar ancoradas nos prazos mais curtos devido à política monetária expansionista do BCE, mas que a estabilização do crescimento a nível mundial poderá fazer aumentar, ainda que de forma não muito significativa, as taxas nos prazos mais longos. Em termos de posicionamento na dívida pública da zona euro, preferimos a periferia ao core, com destaque para Itália. A melhoria das métricas de crescimento em 2020, associada a uma coligação governamental europeísta com pouco incentivo para avançar para eleições dadas as sondagens atuais, deverá permitir um estreitamento do spread de Itália. Nos EUA, a estabilização do ciclo económico e a amenização de alguns riscos, poderá conduzir a um aumento das taxas de juro, nomeadamente no longo prazo. Ao nível do crédito investment grade, a perspetiva é de que os spreads permaneçam suportados na Europa pelo programa de compras do BCE e pelo menor volume de novas emissões esperado para o próximo ano. Continuamos a privilegiar o setor financeiro em detrimento do setor não financeiro, dados os spreads mais atrativos e a melhoria dos fundamentais do setor financeiro (rácios de capital e redução de NPLs). O high yield europeu deverá beneficiar de uma menor sensibilidade à taxa de juro e de um carry positivo. Outro segmento que privilegiamos são os Corporate Hybrids, que nos permite descer na estrutura de capital de emitentes sólidos e beneficiar dos Liabilities Management Exercise (LMEs). O crédito europeu parece-nos nesta fase mais interessante do que o crédito norte-americano, dado o maior suporte de que beneficiam. Outro segmento interessante é a divida de mercados emergentes em dólares cujos spreads se encontram perto da média histórica, comparando positivamente com os outros segmentos obrigacionistas, e que deverão estar suportados pelas perspetivas de crescimento destas geografias e pela postura expansionista dos bancos centrais a nível global.

O mercado acionista global deverá voltar a proporcionar retornos positivos, mas menos expressivos, beneficiando da estabilização macro que deverá contribuir para o crescimento dos resultados. As estimativas para o próximo ano encontram-se, no entanto, demasiado otimistas, com crescimentos na ordem dos 10%, que devem ser revistas em baixa. As margens devem já ter atingido o seu máximo, com as pressões salariais a terem um impacto negativo nas mesmas. Em termos de valorizações, não esperamos uma expansão dos múltiplos, podendo inclusivamente ocorrer uma contração dos mesmos em algumas geografias. Em termos de regiões, preferência para os mercados emergentes, onde o crescimento dos resultados pode ser mais favorecido pela estabilização macro e redução dos riscos geopolíticos, e para o Japão, que pode beneficiar do importante programa de estímulos fiscais, da exposição ao ciclo económico global e das valorizações atrativas.

Num contexto de taxas de juro baixas e spreads de crédito globalmente estreitos, em que a volatilidade terá tendência a aumentar, a procura de diversificação de fontes de retorno e de risco deverá aumentar, existindo uma preferência por fundos alternativos, ouro e iene. Os fundos alternativos têm tido uma performance aquém das expetativas nos últimos anos, mas o aumento da volatilidade e das oportunidades de gerar alpha poderá inverter esta situação. O ouro deverá continuar a beneficiar das politicas monetárias expansionistas e da procura por parte dos bancos centrais, enquanto o iene deverá continuar a ser suportado pelas políticas monetárias e fiscais expansionistas das autoridades japonesas, bem como pela procura das ações japonesas.

Assim, 2020 será um ano de estabilização do crescimento económico e de ligeira recuperação da inflação, em que as políticas monetárias devem permanecer expansionistas bem como as políticas fiscais em alguns países. O retorno esperado nos segmentos obrigacionistas nas componentes de governos e investment grade encontra-se restringido pelo nível reduzido de taxas de juro e de spreads, existindo ainda alguns segmentos relativamente interessantes como é o caso do high yield europeu, dos corporates híbridos e da dívida de mercados emergentes. A nível do mercado acionista global, esperamos retornos positivos mas inferiores a dois dígitos, fruto de um crescimento dos resultados menos acentuado que o atualmente previsto e de múltiplos de valorização que não se devem expandir. A volatilidade deverá aumentar, bem como a procura de fontes diversificadoras de retorno e de risco, ganhando neste espaço relevância os fundos alternativos, o ouro e o iene.