Como posicionar a carteira perante o Fundo de Recuperação Europeu

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Os fundos para a recuperação económica na Europa vão desembarcar nas economias vizinhas ao longo do ano que vem. Não tão rápido quanto precisam ou querem os mercados e os cidadãos, mas vai chegar. O Fundo de Recuperação Europeu, que inclui o Plano Next Generation da União Europeia, vai trazer mudanças na estrutura económica. Mudanças que devem ser tidas em conta no momento de posicionar as carteiras. As gestoras internacionais comentam os pontos-chave.

Gilles Moëc, economista chefe da AXA IM

Gilles Moëc_AXACom o Fundo de Recuperação e Resiliência, os Estados-membros poderão recorrer a 10% do seu direito como prefinanciamento no final de fevereiro. Para alguns governos era preocupante que a supervisão por parte da Comissão dos seus programas de recuperação e resiliência implicasse um condicionamento macroeconómico demasiado restrito, mas foi encontrado um equilíbrio. Os desembolsos futuros seriam retidos só se um Estado-membro se comportasse de forma completamente irresponsável quanto a assuntos fiscais. Em última instância, o PE provavelmente teria dúvidas em deter o principal instrumento da UE para enfrentar as consequências económicas da pandemia, mas todo o processo poderá retrair-se, num momento em que a velocidade de execução é crucial para conter uma nova queda na recessão.

Daniel Morris, estratega de investimento sénior na BNP Paribas AM

Os ganhos do programa Next Generation da União Europeia já se tinham deixado notar no rally do euro e na b2b80e4de6207ff4subida das obrigações governamentais da periferia da zona euro. Os rendimentos da dívida pública italiana a 10 anos, por exemplo, caíram para mínimos históricos. O fundo de recuperação deu aos investidores mais confiança na estabilidade a longo prazo da zona euro ao proporcionar um mecanismo que permite o apoio fiscal a países com taxas de crescimento baixas ou maiores cargas de dívida. O euro mais forte, apesar de refletir uma maior confiança, cria os seus próprios desafios para o BCE. Reduz a inflação à medida que as importações fiquem mais baratas e pode afetar o crescimento à medida que as exportações da região encareçam.

Por outro lado, as baixas taxas de juro vão estimular o crescimento económico e o efeito líquido deverá ser positivo. Mais importante, talvez, é como serão utilizados os fundos. Se forem empregues como uma medida de apoio ao consumo só proporcionará um impulso temporário ao crescimento, como qualquer estímulo fiscal financiado pelo governo; ainda que este impulso seja crucial a curto prazo, já que as empresas e as famílias necessitem disso para recuperar da recessão provocada pela pandemia de COVID-19.

Na nossa opinião, o potencial real do plano surge quando permite aos países realizar investimentos que de outro modo não poderiam ter sido realizados, investimentos que aumentam o potencial de crescimento a longo prazo da economia. Por exemplo, investimentos em infraestruturas críticas, investimentos para ajudar os países a alcançar os objetivos de neutralidade climática e investimentos que promovam a transformação digital da economia.

Paul Brain, responsável de obrigações da Newton, parte da BNY Mellon Investment Management

Brain_hi_res_colO fundo de recuperação europeu torna-se extremamente importante para a integração da União Europeia, os seus mercados de obrigações e o euro. Existem duas razões pelas quais os spreads entre os países do núcleo europeu e os da periferia se vão estreitar ao longo do tempo. A primeira é que, se a nova dívida contar com a garantia de todos os países, vai existir um menor risco de crédito entre as obrigações soberanas. A segunda é que, se se fizer um bom uso dos 750.000 milhões de euros e se gerar crescimento económico, o risco de insolvência da UE também vai ficar reduzido.

Os mercados já tinham começado a prever o resultado de antemão. Acreditamos que este estreitamento dos spreads continuará e que até vai chegar a alcançar os mínimos anteriores, em torno de 90 pontos base. A combinação do fundo de recuperação e os importantes programas de compra de obrigações do BCE deverão reduzir o risco de crédito em toda a UE, tanto para as obrigações soberanas como para as corporativas.

Nigel Bolton, codiretor de Investimentos, Fundamental Equities e responsável pela equipa de ações europeias da BlackRock.

Com o anúncio do Fundo de Recuperação da UE, que canalizará 80% do gasto para as transições digitais e sustentáveis das economias, vimos uma nova oferta dos chamados vencedores do Acordo Verde. Existe uma clara oportunidade para o crescimento secular em múltiplos segmentos, incluindo a renovação de edifícios, já que os edifícios representam 40% de toda a energia utilizada na Europa. Isto fará com que o gasto na Bolton_Nigelrenovação da UE duplique até 2025.

Consideramos que é positivo para as ações deste segmento e estamos de acordo com a necessidade de que o capital seja canalizado para esta área da economia. Aproveitámos isto através de uma série de empresas que acreditamos que são gigantes nos seus nichos que têm funções fundamentais para ajudar a UE a alcançar os seus objetivos sustentáveis. Do mesmo modo, observamos que a seleção de valores é primordial já que alguns ativos neste espaço se desenvolveram a partir das valorizações históricas com poucas ou nenhumas mudanças nas perspetivas de ganhos para o negócio.

Martyn Hole, especialista de investimento da Capital Group

Martyn_Hole_-_Capital_GroupOs Estados membros da região do Mediterrâneo prestarão muita atenção ao setor das viagens e do turismo nos seus planos de recuperação nacional, já que estes constituem uma parte muito importante das suas economias. Nos países mais nórdicos, espero um investimento adicional em tecnologia verde. Por isso, estes setores deverão ser os principais beneficiários do Plano Europeu de Recuperação em primeira instância.

Por outro lado, acreditamos que as ações europeias negoceiam muito mais baratas do que as americanas. De um ponto de vista histórico, esta diferença é bastante grande. Os analistas e investidores ajustaram as suas expetativas de lucros europeus muito mais em baixa do que os EUA. As oportunidades europeias podem encontrar-se em muitos setores. O continente alberga vários líderes mundiais em fintech, jogos de azar, energia renovável e oncologia, e a Europa é certamente insuperável no setor do luxo. Para além disso, não é surpreendente que a indústria industrial se esteja a recuperar muito mais rapidamente do que no setor dos serviços.

Simon Bond, diretor de Investimento Responsável e do gestor de Columbia Threadneedle

O coronavirus deixou a descoberto a fragilidade do ecossistema e a urgência de reduzir as emissões. Visto que bond_Simon_Orig_Aug15as crises tradicionalmente aumentam a absorção de tendências que estavam presentes anteriormente, acreditamos que a mudança climática será um grande exemplo disto, e os sinais políticos recentes dos governos de todo o mundo assim o sugerem. A EU aumentou o seu objetivo de redução de emissões para 2030 de uma queda de 40% (face aos níveis de 1990) para 50%, e colocou em marcha a luta contra a mudança climática no centro de recuperação económica.

O seu anúncio de um Plano de Recuperação Europeu de 1,85 biliões de euros para ajudar um mundo post-COVID inclui pelo menos 200 milhões de euros para investimentos climáticos específicos. Também se espera que a pandemia do COVID-19 reforce ainda mais a importância das considerações ESG no comportamento empresarial e as decisões de investimento, e o setor passou uma prova através da crise: as estratégias centradas no ESG obtiveram uma pontuação positiva nos fluxos e rentabilidade dos investimentos durante a crise.

Martin Moryson, economista chefe par a Europa na DWS

DWS_20180627_Martin_Moryson_JPG__5472_HR_Official1_Corporate_Background_Os que vão principalmente beneficiar em termos absolutos serão os países mais afetados pela pandemia, por outras palavras Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Em relação ao seu respetivo PIB, também a Hungria e Polónia receberão importantes subvenções. Isto faz com que um compromisso seja no final de contas muito realista.

A maioria dos fundos gastar-se-ão de acordo com as linhas que a Comissão Europeia tem, de todas as formas, como princípio regedor: prestar-se-á especial atenção à ecologização da economia e à digitalização. Visto que muitas pequenas e médias empresas estão especialmente afetadas, é provável que uma parte substancial dos fundos vão para estas empresas. Para além disso, como o desemprego aumentará e é um assunto que preocupa a Comissão da EU, especialmente os setores com uso intensivo de mão de obra poderão beneficiar. É o caso do setor da construção. Por isso, as empresas que se dedicam a fazer edifícios residenciais ou escritórios energeticamente eficientes poderão ser um dos vencedores. O mesmo aplica-se aos produtores de energia verde. Também as empresas que se dedicam à mobilidade verde deverão beneficiar. No entanto, há que ter em conta que provavelmente não será antes do verão de 2021 até que as primeiras tranches sejam pagas aos estados membros – um ano depois do acordo ter sido aplaudido na reunião do Conselho Europeu. O progresso, embora inevitável na EU, é sempre lento.

James Ashley, economista chefe para a GS AM EMEA

Os factos falam mais do que as palavras. E, apesar de tudo o que se tem dito sobre a solidariedade europeia James_Ashley_Goldman_Sachsnos últimos anos, a ausência de medidas tangíveis para uma maior integração fiscal tem sido uma preocupação para muitos investidores em ativos denominados em euros. Assim, embora seja um exagero falar do recente acordo para estabelecer um Fundo de Recuperação da EU como o momento Hamiltoniano da Europa, o passo em direção a uma considerável emissão de dívida comum tem  uma grande importância política e simbólica.

De maneira isolada, a quantidade de gasto fiscal que o Fundo repartirá em algumas das economias mais afetadas da Europa, entre elas Espanha e Itália, é muito substancial, embora não totalmente transformadora. Mas a combinação de flexibilização fiscal e monetária paneuropeia (para além de um conjunto de diversas medidas a nível nacional) apresenta um conjunto coerente de políticas económicas das quais a Europa careceu gravemente no passado recente. Para os investidores, isto pode representar um benefício para os ativos de risco europeus e contribuir para impulsionar a compressão dos spreads nos mercados europeus de dívida soberana.

Lyndon Man, coresponsável de obrigações europeias com grau de investimento da Invesco

lyndon-manO fundo de recuperação teve já um importante efeito nos mercados, já que o anúncio da sua existência e o valor impactado (quase 700.00 milhões de euros) serviram para acrescentar confiança aos investidores na reativação económica da zona euro. Ao tratar-se de um plano multianual cujos efeitos se observarão a médio e longo prazo, não pensamos que a sua entrada em marcha possa provocar efeitos imediatos nos mercados, exceto no caso da sua implementação se complicar no caso dos países mais afetados, já que isso poderia provocar incerteza no mercado. Por outro lado, e sem conhecer os detalhes de cada plano nacional para investir esses fundos, pensamos que a longo prazo podem beneficiar mais aquelas indústrias relacionadas com a tecnologia e as energias limpas, já que serão aquelas em que se investe uma parte significativa do fundo total.

Sebastien Galy, responsável de Estratégia Macroeconómica da Nordea AM

O Plano de Recuperação e Resiliência (RRF) de 672,5 mil milhões de euros faz parte dos 750 mil milhões da Sebastien_GalyNext Generation (NGEU) acordados em julho, com 310 mil milhões de euros em subvenções e até 250 ml milhões em empréstimos, provavelmente a partir de janeiro. O RRF dedica-se a ajudar os estados a investirem, reformar e se tornarem mais resilientes socialmente. 37% são alocados à  transição verde e 20% para a transformação digital e é provável que ocorram mais mudanças. Os critérios de alocação sugerem que a periferia receberá mais benefícios. Então, para nós, isso significa foco em novas tecnologias e clima. Em particular, a Enel SpA é uma empresa multinacional de eletricidade com sede na Itália e uma operadora integrada nos mercados globais de energia, gás e energia renovável. Têm uma meta de zero carbono para 2050 e estão alinhados com o acordo de Paris.

Luciano Diana, gestor do Pictet Global Environmental Opportunities, da Pictet AM

2df488c025116577A expectativa de crescimento do universo de investimentos ambientais continua bem acima do índice mundial. Na verdade, o Acordo Verde Europeu inclui ação climática como parte do orçamento europeu, 30% de 1,1 biliões em 2021-27 e, tendo em vista a meta de reduzir as emissões líquidas de CO2 em 40% (mesmo 50-55%) em comparação com 1990, o Fundo de Recuperação da UE, de 750.000 milhões para 2021-24, cobrirá a renovação de edifícios, eficiência energética e, acima de tudo, mobilidade elétrica.

Nesse sentido, o impacto ambiental das tecnologias será cada vez mais claro. De acordo com um estudo recente, dez milhões de dólares investidos em tecnologia verde podem gerar 80 empregos, em comparação com 25 para a energia fóssil. Porém, é preciso focar em tecnologias em estágios de aperfeiçoamento e maturidade, que geram fluxo de caixa, mas é conveniente evitar as emergentes como o hidrogénio, cuja produção a partir de energias renováveis ainda está a uma distância de cinco a dez anos.

Rainier Baumann, diretor da RobecoSAM Investments

Temos o prazer de ver que o Fundo Europeu de Recuperação tem um foco claro no estabelecimento de umaRainier_Baumann_1 recuperação sustentável. Infelizmente, a crise do COVID-19 exacerbou alguns problemas sociais, como a desigualdade, e o plano de recuperação incorpora mais fundos para alcançar uma transição justa e reduzir as emissões líquidas de carbono a zero e mais coesão social. Também vemos oportunidades para investidores. A transição energética continuará. O plano de recuperação prevê o financiamento substancial de negócios sustentáveis para acelerar o crescimento: projetos eólicos e solares, instalação de 1 milhão de pontos de recarga para veículos elétricos, renovação para frotas limpas por cidades e empresas e uma estratégia de hidrogénio. Além disso, riscos aparentes na cadeia de fornecimento das empresas levam à realocação, exigindo maiores investimentos em automação e robótica. Terceiro, haverá um foco renovado na saúde e na vida saudável. A Comissão Europeia estabelece metas para reduzir o uso de fertilizantes e pesticidas na agricultura e excluir ingredientes não saudáveis em alimentos e bebidas. Isso deve estimular novos métodos de produção e a reformulação dos alimentos processados. O fundo de recuperação contém 15.000 milhões de euros para fortalecer as áreas rurais ao fazer as mudanças estruturais necessárias.

Leonardo Fernández, diretor do canal intermediário na Schroders

549e2478b374041eO plano de recuperação europeu inclui algumas medidas ecológicas que terão um grande impacto na economia. Entre eles está a renovação massiva de edifícios e infraestruturas, que representam 40% do consumo de energia e 36% das emissões de gases com efeito de estufa. Melhorar o seu desempenho energético é essencial para atingir a meta da UE. O plano também contempla a frota de automóveis, com a implantação de um milhão de pontos de recarga de veículos elétricos para promover sua adoção. Além disso, visa impulsionar a energia eólica offshore e melhor integrar o sistema energético, bem como o renascimento do investimento ferroviário para reduzir a pegada de carbono do transporte. As oportunidades de crescimento que pode trazer são particularmente excepcionais em energia eólica offshore, rede elétrica, cadeia de fornecimento de veículos elétricos, ferrovias, materiais de construção eficientes, equipamentos de aquecimento eficientes e cadeia de valor do hidrogénio.