Os problemas estruturais que os investidores enfrentam no que diz respeito às estratégias passivas de obrigações

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gillespinault, Flickr, Creative Commons

Os investidores que tentam poupar alguns pontos base em comissões de gestão adotando uma gestão passiva, poderão acabar por pagar mais caro em termos de rentabilidade. Assim acredita Matthew Chaldecott, especialista de produto de obrigações globais na Allianz Global Investors, que elaborou um relatório exaustivo identificando quais são os principais problemas estruturais que enfrentam os investidores que constroem as suas carteiras de obrigações através de estratégias passivas.

  1. Os índices de referência de obrigações não controlam a qualidade creditícia

Os mercados de dívida têm sido relativamente tardios na hora de criar e adotar índices. Embora o índice Dow Jones tenha mais de 100 anos de história, o primeiro índice de dívida geral não apareceu até 1973, e foi criado por Kuhn Loeb, que, como é lógico, copiou a estrutura dos índices de ações existentes naquela época. “Isto gerou um problema crucial. Os principais índices de dívida estão ponderados simplesmente pelo volume de dívida emitida. Portanto, as entidades que emitem quantidades crescentes de dívida – ou seja endividam-se mais, saem beneficiadas com uma maior ponderação no índice. Nos principais índices não se aplicam ajustes para ter em conta a qualidade creditícia ou o vencimento. Logo, uma emissão BBB –  a 30 anos pelo valor de 1.000 milhões de dólares terá a mesma ponderação que uma emissão AAA a um ano pelo valor de 1.000 milhões de dólares, embora a primeira implique um risco muito maior”.

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Os dois casos assinalados no gráfico acima ilustram exatamente porque é que isto representa um problema. No início da década de 2000, muitas empresas do setor das telecomunicações (TMT) sobreenvidaram-se e, posteriormente, sofreram dificuldades ou até mesmo quebras. Da mesma forma, durante os anos anteriores à crise financeira, os bancos apostaram numa rápida alavancagem e cresceram até representar mais de 50% do índice de dívida.

“O senso comum aconselharia uma moderação na exposição a um setor cada vez mais alavancado. Contudo, um investidor passivo teria incrementado a sua alocação justamente no pior momento. Pelo contrário, uma vez superada a crise financeira, os bancos reduziram a sua alavancagem e melhoraram os seus balanços (a quantia total de dívida manteve-se estável em geral). Numa base fundamental, esta situação é mais positiva para os obrigacionistas e, de facto, a dívida das entidades financeiras tem mostrado um melhor comportamento relativo que o universo de investimento em geral. Novamente, o investidor passivo teria seguido exatamente a estratégia errada ao reduzir a sua exposição ao sector, enquanto que manter ou incrementar a ponderação teria sido benéfico”, explica.

  1. Os interesses não estão necessariamente alinhados

Quando as empresas ampliam o capital emitindo ações existe um alinhamento geral de interesses entre a administração e os acionistas: ambos têm o incentivo de incrementar valor a longo prazo das ações da empresa. Por outro lado, quase duas terças partes do mercado de dívida global são provenientes de emissores de dívida pública ou afins. “Isto faz com que o típico emissor tenha um incentivo mais político do que económico na hora de emitir dívida”, afirma. Por outro lado, no universo corporativo, a adminstração das empresas costuma utilizar a dívida simplesmente para aumentar a rentabilidade das ações. “Portanto, ambos os tipos de emissores devem ter incentivos para assumir uma dívida excessiva. No caso dos obrigacionistas não seletivos, este problema acrescenta riscos mais elevados quando se deterioriza a qualidade creditícia dos ditos emissores”.

  1. Menor transparência

Os entes públicos (que controlam os emissores de dívida pública ou afins) operam conforme uma normativa de informação distinta daquela que é seguida pelas equipas de direção das empresas, embora no lado corporativo, dentro do universo abaixo do grau de investimento, muitas empresas sejam propriedade privada e os seus requisitos de divulgação de informação sejam menores. Segundo Chaldecott, isto significa que em grandes secções do mercado de dívida a transparência pode ser reduzida.

“Os aspetos de cobertura e eficiência do mercado estão relacionados com a transparência: com uma informação pública mais limitada e uma longa lista de emissores de pequeno tamanho no segmento inferior ao grau de investimento e de mercados emergentes, é menos provável que os mercados sejam plenamente eficientes. Isto não favorece os investidores passivos, mas sim constitui-se como uma grande oportunidade para as estratégias ativas, que podem tirar partido de títulos com preços desajustados”.

Desafios práticos

  1. Demasiados títulos

O número de emissores e valores nos índices de dívida globais é enorme. “Exemplificando: para um índice de dívida global geral, como o Bloomberg Barclays Global Multiverse, há mais de 3.800 emissores e 24.000 valores individuais. Isto faz com que a réplica passiva literal do mercado seja improvável por si e, de facto, que a maioria de fundos passivos utilizem uma metodologia de amostras que, inevitavelmente, irá gerar discrepâncias de rentabilidade” revela o especialista.

  1. Negociação irregular

A falta de mercados de títulos de dívida centralizados e a menor liquidez são outros fatores que impedem a plena réplica do índice. Isto obedece a diversas razões. “Em primeiro lugar, a dívida negoceia-se principalmente em mercados fora da bolsa, ou seja, negociação bilateral entre os participantes. Em segundo lugar, desde há algum tempo tem se vindo a verificar uma redução na criação de mercado por parte dos bancos desde a crise financeira. Em terceiro lugar, temos sido testemunhas do aumento do investimento “buy and hold” por parte das entidades institucionais. Em concreto, com a expansão quantitativa temos visto que os bancos centrais têm comprado grandes porções dos mercados de obrigações para gerir as condições monetárias mais do que pela atratividade representada pelo investimento. Dado que estes fatores têm reduzido a frequência da negociação, têm aumentado a probabilidade de os preços serem errados, o que representa uma oportunidade que os gestores ativos podem aproveitar”.

  1. Rotação elevada dos produtos

Enquanto as ações são emitidas com durações indefinidas, as obrigações costumam ter uma data de vencimento fixa e serão emitidas e reembolsadas ao longo do tempo. “Por exemplo, a rotação de um índice de dívida pode ascender a 20%. Dada a necessidade de negociação e reajuste, isto irá dificultar a tarefa de um gestor passivo tente replicar o índice de referência (e aumentará o custo de o fazer)”.

  1. Atuações das agências de rating

Para que uma obrigação possa ser incluída em muitos índices emblemáticos é necessário que tenha grau de investimento; os títulos com classificação inferior ficam excluídos do índice. “A atividade do mercado costuma antecipar-se às atuações das agências de rating e à conseguinte inclusão/exclusão do índice. Por outro lado, os investidores passivos que devem seguir o índice estão obrigados a comprar e vender investimentos no pior momento; ou seja, após a melhoria ou a descida da classificação que já foi descontada pelo resto do mercado.

Rentabilidade histórica

O índice de obrigações mais antigo remonta a 1986. Tendo em vista todas as questões antes assinaladas, importa analisar como se tem comportado a longo prazo. “ No período de 30 anos, o fundo ofereceu uma rentabilidade de cerca de 0,57% anual inferior ao índice, o que representa mais de 0,15%, da comissão de gestão, e representa uma diferença de mais de 100 pontos percentuais em termos acumulativos”.

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