Os mercados estão a subestimar a inflação? Vejamos o que diz a Fed

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F-l-e-x, Flickr, Creative Commons

No que respeita à falta de alterações nas políticas monetárias, a primeira reunião do ano do Comité Federal de Mercado Aberto (FOMC) da Reserva Federal trouxe uma alteração de linguagem inesperada, uma ferramenta-chave na política de comunicação da Fed. Concretamente, o FOMC sinalizou claramente a sua expectativa de que este ano suba a inflação para que se possa estabilizar no seu objetivo de 2% a médio prazo.

“O anúncio serviu para rever a percepção e interpretação da Fed sobra a taxa atual de inflação. Ainda que hoje se mantenha moderada, está a tender para uma subida e a Fed alterou a sua previsão para dizer explicitamente que espera que a inflação suba este ano”, explica Rick Rieder, diretor de investimentos em obrigações globais na BlackRock. Rieder refere que o comunicado do FOMC também é muito claro ao afirmar que “as condições económicas garantem mais subidas graduais das taxas de juro”, e como consequência refere que o FOMC provavelmente vai aumentar em 25 pontos base o preço do dinheiro durante a sua reunião de março. De facto, o mercado já descontava antes da reunião uma probabilidade de 80% de uma subida das taxas em março.

Tendo em conta esta alteração de discurso, o gestor refere que a Fed não deverá ter pressa em subir as taxas mais rápido do que está sinalizado nas suas últimas projeções (o gráfico dos pontos). “Isto acontece, em parte, porque ainda que a inflação esteja a acelerar, está a fazê-lo a um ritmo moderado, como se refletiu numa das leituras preferidas da Fed sobre a inflação, o índice de gasto em consumo pessoal, que registou apenas 1,52% na sua última medição”, explica Rieder. De forma geral, considera que a Fed não vai ter pressa para incrementar subidas das taxas e, por isso, os mercados ainda devem esperar três ajustes em alta que tem sinalizado desde setembro do ano passado... “ainda que pensemos que ainda há potencial para que as taxas subam uma quarta vez este ano”.

Rieder recorda que existe assim uma possibilidade de que o teto do ciclo de subidas atual da Fed esteja mais alto do que o esperado. “De facto, é possível imaginar que os níveis da taxa terminal da Fed se encontrem nos 3%”, afirma. Isto significa um risco para o mercado, que não espera uma Fed tão agressiva.

No entanto, os mercados começaram a pouco e pouco a rever as suas estimativas. Pode-se observar então na curva das taxas norte-americanas que o seu achatamento causou preocupação no final do ano e, no entanto, a parte curta da curva corrigiu-se recentemente com os mercados a alterar as suas previsões sobre o ciclo de subidas das taxas do banco central. “Parece que os mercados finalmente integraram o incremento potencial das taxas de curto prazo dos Estados Unidos”, comenta Frank Dixmier, diretor de obrigações da Allianz Global Investors. Este recorda que os investidores também tiveram que alterar as suas expectativas a princípios de 2017, porque não acreditaram que a Fed seria capaz de aumentar três vezes o nível das taxas de juro, isto sem destabilizar o mercado.

Também é certo que a situação económica atual é mais promissora do que a de inícios de 2017, graças ao contexto de crescimento global sincronizado, inédito desde 2007. Os especialistas da Unigestion comentam que “a firme revalorização da inflação deverá manter-se nos bancos centrais afastados de medidas extraordinárias, sem ter na realidade de endurecer as condições monetárias, um passo necessário quando se aquece a economia”.

A boutique não acredita na possibilidade de que o custo de vida apresente sinais de subida em 2018,  dado o facto de o mercado ainda não estar a valorizar realisticamente. Isto poderá significar um risco importante para os investidores, pois “poderá criar disrupção nos mercados de obrigações, que podem sofrer perdas líquidas”.

Inflação salarial, a bússola da Fed

“Os riscos de subidas para a inflação são cada vez mais assimétricos”, declara a equipa de investimento da Fidelity na sua visão sobre alocação de ativos correspondente a janeiro de 2018. Por exemplo, explicam que uma subida do barril de WTI (de referência nos Estados Unidos) até aos 70 dólares provocaria um aumento de 3% da inflação geral no país.

No entanto, a incógnita com a qual se pode limpar a equação inflacionária é a evolução dos salários. Na gestora admitem que o crescimento atual dos salários reais está em níveis muito baixos nas economias desenvolvidas, apesar dos baixos níveis de desemprego no Japão e Estados Unidos. “No entanto, em algum momento, as tensões nos mercados laborais devem traduzir-se num maior crescimento dos salários. A reforma tributária nos Estados Unidos poderá ser um catalisador nesse sentido”, afirmam a partir da Fidelity. Isto acontece porque várias empresas comunicaram os seus planos de utilizar a poupança de impostos para aumentar os salários. Por exemplo, a Walmart anunciou que irá gastar mais 400 milhões de dólares no ano para subir o seu próprio salário mínimo para 11 dólares por hora.

“Ainda que os salários possam não estar a responder perante a taxa de desemprego de forma tão clara como no passado, a relação entre a competição pela mão de obra e os salários não está completamente em baixo”, continuam os analistas. Referem-se ao indicador salarial da Fed de Atlânta, que “continua a mostrar que aqueles que mudam de emprego beneficiam de um maior aumento salarial do que aqueles que permanecem no mesmo trabalho”; esta diferença alcançou recentemente o seu nível mais alto dos últimos 15 anos. “Na prática, as empresas já estão a indicar que os dados da inflação não refletem o que vivem no terreno, o que sugere pressões inflacionistas incipientes”, concluem a partir da Fidelity.

O diretor de estratégia para a Ibéria da J.P.Morgan AM, Manuel Arroyo, também alerta para o risco que pode trazer uma subida salarial inesperada: “À margem de argumentos como o impacto da tecnologia ou a falta de incorporação de uma parte da população no mercado de trabalho, parece bastante estranho que os salários não subam apesar do pleno emprego nos Estados Unidos”. Arroyo adverte que, se em 2018 se produzir um crescimento salarial visível, “a resposta dos bancos centrais será mais agressiva, ao elevar as taxas de juro mais do que está a colocar em preço nos mercados” (ler mais).