Os deveres de informação dos bancos perante os clientes: responsabilidade civil no Direito português

Marisa_Silva_Monteiro_JPAB
Cedida

A moldura legal sobre os deveres de informação reporta-se a todos os intermediários financeiros, sendo que na prática, os bancos são a entidade mais relevante do catálogo, compreendendo a intermediação financeira um elenco complexo de serviços de consultoria, aconselhamento e comercialização de instrumentos financeiros que só pode ser exercida profissionalmente pelas entidades qualificadas como intermediários financeiros nos termos do Código dos Valores Mobiliários (CVM).

Passados dez anos sobre a falência do Lehman Brothers e depois da queda de outros gigantes bancários na Europa e também em Portugal, a crise maior foi a da confiança quebrada na relação cliente-banco.

Neste quadro, o legislador europeu subiu os patamares de reembolso pelos Fundos de Garantia de Depósitos para 100.000 euros e elevou também as exigências de informação a prestar aos investidores.

A crise financeira evidenciou níveis de tutela insuficientes dos investidores, razão por que em 2014 a DMIF I foi revista e alterada pela DMIF II, de modo particular na área dos deveres de informação.

Transposta em Agosto último para o ordenamento jurídico português, a DMIF II vem reforçar a base legal-regulatória dos deveres de actuação dos bancos e demais intermediários financeiros, impondo-lhes condutas conformes aos princípios gerais robustecidos com o artigo 304.º-A do CVM a ser norma-eixo da responsabilidade por violação destes princípios-deveres, dos quais se destacam os deveres de informação.

Ao legislador cumpre-lhe ser fiel da balança num equilíbrio instável por natureza. Desde logo, em sede de comercialização e aconselhamento de instrumentos financeiros, há sempre dois pontos de vista de difícil articulação.

Do lado do banco, existe pressão para vender ou alcançar objectivos comerciais em geral, mitigada pelo compliance.

Do lado dos clientes investidores, assiste o direito à informação, quantas vezes num quadro de baixa literacia financeira (mormente os investidores particulares não qualificados) e desejo de rendibilidade acima da média.

E quais são os deveres de actuação dos intermediários financeiros geradores de responsabilidade civil? Os atinentes à sua organização e exercício da actividade (artigo 304.º-A do CVM), onde assumem destaque estes últimos pela importância dos deveres de informação na relação dos intermediários financeiros com os investidores.

E quando é que há efectivamente responsabilidade civil dos intermediários financeiros? Quando em concreto se mostrarem reunidos os respectivos pressupostos da responsabilidade civil que encontramos enunciados no artigo 483.º do Código Civil (CC), com uma especificidade muito importante: a lei estabelece uma presunção de actuação culposa dos intermediários financeiros em cenário de violação dos deveres de informação.

E quando poderão os clientes responsabilizar os bancos pela violação dos deveres de informação? A resposta é dada pelo Código Civil em diálogo com o Código dos Valores Mobiliários. Trata-se de um regime próprio de responsabilidade civil, com notas de responsabilidade contratual à mistura com elementos do regime da responsabilidade aquiliana e que responde até a polémicas doutrinárias, como a de saber se no âmbito da responsabilidade pré-contratual se aplicam as regras da responsabilidade obrigacional ou delitual.

Assim, tal como o Código Civil estabelece que na responsabilidade contratual a culpa do devedor no incumprimento é presumida (artigo 799.º, n.º 1), também o Código dos Valores Mobiliários determina que no âmbito das relações contratuais e pré-contratuais se presume a culpa do intermediário financeiro e sempre e em qualquer caso de violação dos deveres de informação (art. 304.º-A, n.º 2).

Presumida a culpa do banco na incorrecta prestação de informações ao cliente, o cliente tem apenas de provar os restantes pressupostos da responsabilidade civil: a ilicitude da conduta (violação das normas legais), o dano (prejuízos sofridos) e o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano sofrido, com a melhor doutrina a defender que a presunção de culpa se estende ainda a este nexo de causalidade entre o facto e o dano (Autores como Menezes Cordeiro, Castilho dos Santos e Margarida Azevedo Almeida).

A informação a prestar ao cliente pelo banco/intermediário financeiro deve ser «completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita», manda o art. 7.º, nº 1 do CVM.

E a extensão e profundidade deve ser tanto maior quanto menor for o grau de conhecimento e experiência do cliente (art. 312.º, nº 2 do CVM): é a consagração do princípio da proporcionalidade inversa. Princípio que faz nascer na esfera jurídica do intermediário financeiro um outro dever: o dever de conhecer o cliente que está na base dos procedimentos conhecidos na gíria bancária como Know Your Client (KYC).

Quanto à ilicitude na violação dos deveres de informação, pergunta-se qual das variantes da ilicitude estará aqui em causa, respondendo a melhor doutrina, à qual aderimos, com Menezes Leitão e Castilho dos Santos a liderar o entendimento, que está em causa a segunda variante da ilicitude: violação de normas de protecção (art. 483.º, n.º 1, II parte do CC), qualificando-se os deveres de informação como disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, in casu os interesses dos investidores.

Ao investidor cliente bancário lesado em virtude do incumprimento dos deveres de informação por parte do banco cabe demonstrar que se tivesse formado a sua vontade de modo esclarecido, não teria celebrado qualquer negócio ou teria optado por outro investimento ou instrumento financeiro. Sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar de acordo com os padrões legais e tem ainda de provar que agiu sem culpa, para afastar a presunção legal de actuação culposa que sobre si recai.

O princípio geral a seguir no cumprimento dos deveres de informação é que «os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência» (art. 304.º, n.º 2 do CVM). Mais, «o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento» (n.º 3 da norma).

Significa isto que a lei não se limita a impor a transmissão de informação ao cliente, exige que o intermediário financeiro colha informação junto do cliente que lhe permita traçar o respectivo perfil de investidor e cumprir o princípio da adequação do investimento à concreta situação financeira, características e entendimento do cliente relativamente aos riscos envolvidos. O princípio da adequação (arts. 314.º e seguintes do CVM) reforça o ónus que impende sobre o intermediário financeiro de avaliar o carácter adequado do investimento ao investidor e até de recusar uma ordem dada pelo cliente se for contrária aos interesses deste, nos precisos termos do art. 326.º do CVM.

Na verdade, o dever de informação é o dever maior na relação cliente-banco, é o alicerce da confiança em que assenta e se constrói a relação cliente-banco.

Em termos de tendência legislativa, assistimos ao reforço sucessivo dos deveres de informação dos intermediários financeiros.

Quanto ao sentido das decisões dos tribunais, mesmo depois da crise, não encontramos condenações dos bancos sem a análise das concretas circunstâncias sub iudice, com a ponderação do histórico da relação cliente-banco, do grau de literacia financeira do investidor e do teor da documentação disponibilizada ao cliente.

No quadro legal deste tema, notamos que a responsabilidade civil dos intermediários financeiros tem vindo a ser acolhida na lei com intensidade crescente e com mecanismos de facilitação de prova para o investidor, desde logo ao presumir culposa a violação dos deveres de informação, o que evidencia que o legislador olha o investidor como a parte mais frágil na relação de intermediação financeira e, na prática, sabemos que o que desequilibra a relação entre cliente e banco é exactamente a diferença na quantidade e qualidade da informação de que dispõe e os conhecimentos técnicos para fazer a sua análise.

Como diz um provérbio chinês, o dever é mais leve que uma pena e mais pesado que uma montanha.

Dependerá da perspectiva e da intenção de cumprimento.