Os cisnes negros que o investidor enfrenta

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O ano nos mercados arranca com um otimismo renovado, mas os investidores profissionais não se aventuram a ver o caminho ainda totalmente livre. “A maturidade do ciclo, a redução do apoio da política monetária, a maior volatilidade do mercado de ações, as guerras comerciais, o Brexit, o risco político europeu e o aumento das rentabilidades das obrigações, ameaçam os ativos de risco”, resumem da UBS AM. Perguntamos às gestoras internacionais os grandes riscos que veem para 2019.

1. A retirada dos bancos centrais

A principal preocupação das gestoras está relacionada com os bancos centrais. Ao fim e ao cabo, foram os grandes fornecedores de liquidez durante os últimos anos e agora começam a sua retirada. Como recorda Shamik Dhar, economista chefe da BNY Mellon IM, no final de novembro a Fed norte-americana já teria tirado do seu balanço obrigações do Tesouro e titularizações hipotecárias no valor aproximado de 400.000 milhões de dólares e continua a vender ativos a um ritmo de 50.000 milhões de dólares por mês.

O avanço do ciclo económico e a retirada dos bancos centrais tem, por sua vez, várias ramificações. O reflexo desta preocupação vê-se claramente no movimento da curva de yields norte-americana. Quando esta achata ou inverte parece ser um indicador de uma desaceleração económica, uma vez que reflete uma menor confiança no futuro. “Na verdade, não há praticamente casos nenhuns nos quais numa inversão da curva de yield não lhe tenha seguido uma recessão, o que explica em parte porque os mercados de ações caíram cerca de 3% no dia 4 de dezembro, precisamente quando as rentabilidades (yields) dos treasuries a cinco anos desceram abaixo das de dois anos", explica Jim Leaviss, chefe de Obrigações de Retalho da M&G. Quando as rentabilidades (yields) das obrigações a longo prazo são inferiores às das obrigações a curto prazo, o mercado de obrigações prevê que o banco central terá de reduzir as taxas de juro, porque se aproxima uma recessão”.

Outra questão a ter em conta é o regresso da inflação. “Muitos investidores preveem que vai aumentar, mas muito poucos esperam que se torne num problema”, afirma Luca Paolini, estratega chefe da Pictet AM. Embora o especialista não preveja que seja por uma margem significativa, considera que existe o risco de que a inflação ultrapasse o objetivo da Reserva Federal em 2019 e que, com as expectativas de inflação e vendas líquidas dos bancos centrais, a rentabilidade das obrigações aumente globalmente de forma marginal.

2. Fragilidade económica na Europa

“No curto prazo as negociações do Brexit estão a protagonizar os cabeçalhos da imprensa e poderão continuar a ser uma fonte de volatilidade”, aponta Manuel Gutiérrez-Mellado, responsável de desenvolvimento de negócio para Espanha da BlackRock. E não é o único foco de preocupação na Europa. A desordem política no Velho Continente é o que está a alimentar o que Dave Lafferty, estratega chefe de mercados na Natixis IM, chama “The European Wall of Worry” (o muro das preocupações na Europa). Os receios acerca de Itália, França, Alemanha e Reino Unido e os lucros empresariais dos países fragilizaram a confiança e esse pessimismo poderá persistir ao longo de 2019.

Da AXA IM concordam. A União Europeia, que já vinha a ficar para trás no ciclo de crescimento global, poderá acabar por liderar o abrandamento. Nesse caso, o BCE não estabilizará as taxas nem em 2019 nem em 2020. “Neste cenário, iremos ver como o apetite pelo risco enfraquece e os spreads periféricos aumentam com o contágio da Itália e uma desvalorização do euro”, detalha Varun Ghotgalkar, estratega de ações da empresa.

3. O que está a acontecer na China

Os investidores também olham preocupados para a Ásia, para o abrandamento da China e o seu impacto a nível global, particularmente noutros países emergentes que fornecem matérias-primas à região. O país cresce a um ritmo decente, de 6,5% mas como recorda Stephen Green, economista da Capital Group, está muito longe dos valores de dígito duplo de há apenas uns anos. “E há sinais de que haverá mais problemas no futuro”, prevê. O gasto dos consumidores, a indústria manufatureira, o crescimento do crédito e o mercado de habitação estão a mostrar sinais de fragilidade face ao novo ano. “Se estas tendências continuarem, as lutas económicas da China poderão exportar mais volatilidade para outras partes do mundo”.

“Uma disputa comercial perturbadora com os Estados Unidos não irá ajudar em nada”, acrescenta Green. É um dos motivos pelos quais o país, como já aconteceu no verão de 2015, volta a preocupar. De momento da Goldman Sachs AM consideram que o impacto direto das tarifas deve ser limitado tendo em conta, especialmente, o efeito compensatório da desvalorização da moeda. “No entanto, se o conflito intensificar até a um ponto no qual se quebrem os canais de abastecimento e os Estados Unidos e a China isolem economias, o impacto poderá ser significativo”, clarifica Shoqat Bunglawala, responsável do Global Portfolio Solutions (GPS) Group para a EMEA e Ásia Pacífico na gestora. “Acreditamos que a probabilidade disto acontecer é baixa, mas a mera possibilidade pode aumentar os prémios de riscos, aumentando a probabilidade de que haja efeitos económicos mais adversos do que atualmente acreditamos. Além disso, parece que a solução irá demorar pelo menos uns meses a chegar”.

Por agora na Amundi dão cerca de 40% de probabilidade a um agravamento de tensão na guerra comercial entre os EUA e a China, mas no caso de que isso aconteça irá afetar negativamente o crescimento económico global, particularmente o comércio e com caráter inflacionista, e irá provocar um aumento geral na aversão ao risco.

Risco de recessão?

Todas estas preocupações alimentam no seu total o grande medo geral: O ciclo chegou à sua fase final? “O medo de um abrandamento ou desaceleração económica é o principal risco que observamos”, assegura Gutiérrez-Mellado.

Nos Estados Unidos, o fator desencadeante poderá ser a Reserva Federal. Se endurecer demasiado a sua política monetária, poderá levar o país à recessão em 2020. “Neste pressuposto, a taxa dos fundos federais alcançaria os 3,75% no final de 2019, o que, somado à dissipação dos efeitos dos incentivos orçamentais, implicaria o final definitivo do ciclo. A queda do crescimento norte-americano afetaria o comércio global e a economia mundial, o que levaria os bancos centrais a reduzir o ritmo dos seus ciclos de subidas de taxas”, analisa Keith Wade, economista chefe da Schroders. Francis Scotland, diretor de investigação macroeconómica da Brandywine Global, filial da Legg Mason, também se move nesta linha: “É inquestionável que existe uma diferença considerável entre a estimativa média de neutral por parte do Comité de Operações de Mercado Aberto da Reserva Federal (FOMC) e a mensagem dos mercados monetários”. Estes últimos afirmam que a Fed já alcançou o nível neutro e poderá tê-lo reduzido. Tendo em conta a queda de mais indicadores económicos, o FOMC tem a responsabilidade de reduzir as suas previsões em termos de subidas de taxas.

Não ajuda a bomba-relógio que não para de crescer: o endividamento global. Nas palavras de Romain Boscher, CIO de Ações da Fidelity. “A década que durou a experiência do relaxamento quantitativo, somado à expansão repentina de dívida na China, deixou o mundo com uma grande conta para saldar”. Na sua opinião, a montanha de dívida faz com que seja inadmissível regressar às taxas médias do último ciclo, de 4,5%. Se se superar a cota de 2,5%, correr-se-á o risco de voltar a sofrer outra crise financeira, defende.

Posto isto, embora as gestoras estejam cautelosas não acreditam que estehamos no tempo de desconto. “Embora seja certo que se estes desafios nos disferirem um golpe simultaneamente iremos ver perdas nas bolsas mundiais, tem de se destacar que o perigo de uma recessão a uma grande escala é real, mas não é elevado”, defende Stefan Kreuzkamp, CIO da DWS.

“O ciclo económico irá tender a finalizar, isso é uma realidade, mas acreditamos que há uma maior probabilidade de que isto aconteça em 2020 ou até mais à frente”, afirma Gutiérrez-Mellado.