Obrigações convertíveis: o melhor de dois mundos

Nicolas Cremieux
Cedida

Obrigações convertíveis: um evidente nicho de mercado, entendido por poucos e “usado” também pela minoria. “Este mercado tem metade da capitalização de mercado da Apple”, iniciou Nicolas Crémieux (gestor dos fundos Mirabaud Convertible Bonds Global e Mirabaud Convertible Bonds Europe) a conversa com a Funds People, tentando passar precisamente a ideia de que as obrigações convertíveis continuam a ser uma classe de ativos muito pouco mainstream, e vista por muitos gestores de ativos globais como “estratégia satélite”. Em números, este mercado cifra 347 mil milhões de dólares, contando com apenas 750 emitentes. Destes, apenas 20% são investment grade, e outros 20% emitentes com rating de crédito high yield. A particularidade deste mercado está no facto de mais de metade dos emitentes serem empresas sem rating de crédito.

Mas esta pequenez aparente das obrigações convertíveis é rapidamente afastada pelo senior portfolio manager da Mirabaud Asset Management, que fala em “rentabilidades passadas muito interessantes”. Adicinalmente, o profissional destaca o emergir de uma tendência de crescimento do mercado fora dos EUA. “É interessante que nos últimos dois anos, pela primeira vez, o montante emitido por empresas europeias foi maior do que o emitido por empresas norte-americanas”, realçou o gestor, explicando o racional. “Creio que terá a ver com a aproximação da entrada em vigor da Regulação Basileia III. A capacidade dos bancos para emprestar reduziu-se, e as empresas de média capitalização passaram a ir mais aos mercados financiar-se”, sublinha.

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O processo subjacente à construção da carteira dos fundos convertíveis da Mirabaud é um processo alinhado, comenta o profissional. “Tentamos selecionar as obrigações convertíveis mais atrativas, e para isso tentamos ter um portefólio concentrado que expresse as nossa convicções. Definimos um target de 50 posições, das quais um grupo restrito de 20 ocupa um maior peso no portefólio”.  

Comportamento do preço de uma obrigação convertível

Se o preço das ações sobe, o preço da obrigação convertível também sobe. É com esta introdução, que Nicolas Crémieux começa por explicar os diferentes tipos de perfis de obrigações convertíveis.

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Tomando como ponto de partido o gráfico acima, refere que “existem vários perfis de obrigações convertíveis” e, como é óbvio, “quanto mais o preço das ações sobe, mais a obrigação convertível se comporta como uma ação (Equity profile category)”. Em sentido contrário – tal como visível no mesmo gráfico - está a bond profile category. “Neste caso, quanto mais o preço das ações cai maior é a diminuição da sensibilidade da obrigação convertível ao preço das ações”, infere. Last but not the least (neste caso sem sombras para dúvidas): o balanced profile. Como refere o profissional esta “é a única categoria que providencia aquilo que os investidores estão à procura quando investem neste tipo de estratégia”. Investir nesta classe de  ativos resume-se portanto à tentativa de “capturar um maior upside do mercado e limitar as perdas”, sintetiza o profissional, fazendo referência à “convexidade do comportamento do preço das obrigações convertíveis”. Como tal, numa base permanente, da entidade asseguram uma tentativa de ter “uma exposição mínima de 60%” ao atrás referido ‘balanced profile’.

De forma a definir as categorias atrás mencionadas, a principal métrica utilizada é o delta, valor “que mede, de algum modo, a probabilidade de conversão na maturidade, bem como a sensibilidade das obrigações convertíveis ao preço das ações subjacentes”. “Uma forma de olhar para a sensibilidade às ações é olhar para a média do delta do portefólio”, sintetiza. Nos portefólios propriamente ditos, esperam ter um delta que varie entre 30% e 60% e são rígidos a esse nível: “Não queremos que o delta esteja nem mais acima nem mais abaixo desse intervalo. É o ‘sweet spot’”, ratifica o portfolio manager.

Processo de seleção e de análise

No processo de seleção de títulos para os portefólios, o profissional assinala que privilegiam essencialmente três critérios. Em primeiro lugar, olham para os fundamentais técnicos, “a partir dos quais tentam chegar às obrigações convertíveis que estão numa categoria balanceada (balanced profile)”. Em segundo lugar privilegiam a adequação do crédito. “Quando o preço das ações está a crescer, não há muito em que pensar. As obrigações comportam-se como uma ação, e a probabilidade de nos tornarmos acionistas é muito grande. Pelo contrário, quando o preço das ações decresce existe uma grande probabilidade de nos tornarmos obrigacionistas. É nesta altura que temos de tomar muita atenção à capacidade da empresa fazer o reembolso, e aos eventuais riscos de default. A adequação de crédito é também importante porque quando temos um shock do lado das ações, normalmente também o crédito se ressente. Quanto mais frágil for o perfil de crédito, mais o fundo pode ser prejudicado por um evento proveniente do mercado de ações”, diz veementemente.

Rapidamente chegamos ao terceiro critério, que com ele transporta mais cinco pontos a não perder de vista. Nicolas Crémieux fala-nos da importância de  verificar “o fair value da empresa”, pois a gestão de obrigações convertíveis é um trabalho que “fica a meio caminho” entre as ações e as obrigações e, por isso, ambas as componentes da empresa devem ser consideradas. “Apresenta” então Boris Rochereuil e Alexandre Thill, dois analistas da equipa, que passam “a maior parte do seu tempo a produzir análise fundamental” com base em cinco critérios específicos: entender o negócio da empresa, executar uma análise estratégica da empresa, executar uma análise de crédito, estimar o fair value e, por fim, conhecer as caraterísticas técnicas das obrigações convertíveis.

Tendo em conta que evitar defaults é um dos pontos mais importantes na gestão, o profissional focou-se ainda no terceiro e quarto critérios atrás referidos. Sobre a análise de crédito que efetuam às empresas fala de um processo duplo. “Primeiro produzimos um ‘shadow rating’, utilizando a metodologia da Moody’s, que providencia acesso a um scorecard com valores passados”. Depois, continua, recorrem ao chamado ‘cash flow statement’, a partir do qual tiram os seus próprios pressupostos sobre o cash flow operacional da empresa, estimam o nível do capex e dos dividendos, e olham ainda para a maturidade da dívida ano após ano, efetuando também um liquidity check, “que permite essencialmente evitar defaults na carteira”. No quarto critério – estimativa do fair value da empresa – optam pelos “próprios pressupostos em termos de crescimento das vendas, margem de EBITDA , nível de capex, e custo do capital para os próximos 5 anos”. Quando obtêm o fair value têm constituído o que chamam de  ‘base case scenario’. Da experiência mais recente, Nicolas Crémieux indica que “têm prestado mais atenção ao potencial de crescimento do preço da ação comparativamente com o seu target”. Atualmente, acrescenta ainda, a equipa tem encontrado muito mais ideias e valor no espaço das small e mid-caps e, por isso, é que no portefólio atual “têm 40% de exposição a este tipo de empresas”.

Porquê escolher obrigações convertíveis em detrimento de outras?

Acérrimo defensor e apaixonado por esta classe de ativos, Nicolas Crémieux deixou ainda três motivos que suportam o interesse e a atratividade das obrigações convertíveis. Comparativamente com as opções cotadas lembra que têm uma duração mais diminuta: “o prazo de maturidade não é superior a dois anos no mercado de opções – normalmente fica-se mesmo pelos 9 meses”, indica. As obrigações convertíveis, por seu turno, providenciam uma duração longa. “Por estes dias, por exemplo, em que o apetite pelo risco é mais elevado, o novo stantard em que um emissor se apresenta no mercado é de sete anos, prazo que na altura da crise costumava ser de cinco”, exemplifica.

Mas a maturidade não é a única diferença. Nicolas Crémieux fala de mais uma caraterística distintiva. “Esta tem a ver com o facto de algumas emissões apresentarem algumas caraterísticas como a proteção de dividendos, ou seja, uma provisão que permite que  o investidor seja compensado pelos dividendos extra pagos aos acionistas, por exemplo, através de um número crescente de ações que o investidor terá acesso caso exerça a sua opção de conversão”, acrescenta o gestor.

Por fim, no contexto da aplicação da directiva solvencia II, as estratégias de obrigações convertíveis oferecem exposição ao upside dos mercados de ações ao mesmo tempo que requerem uma menor almofada de capital para o sector segurador.