O que pensam as gestoras internacionais do anúncio do BCE?

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todogaceta.com, Flickr, Creative Commons

Dar algum fulgor à banca para emprestar dinheiro, animar as empresas que investem, estimular os consumidores a consumir e, por fim, evitar a todo o custo uma entrada da zona euro numa espiral de deflação. Estes são alguns dos objectivos que se podem ler nas entrelinhas do anúncio feito por Mario Draghi relativamente ao programa de expansão monetária, onde se definiu uma compra de dívida no valor mensal de 60 mil milhões de euros.

O presidente do BCE voltou novamente a demonstrar que nas mensagens emitidas pelo Banco tanto é importante o conteúdo como a forma. Um dos detalhes de linguagem usado, e que pode ser crucial, tem a ver com as expectativas de inflação que se pretende alcançar com o QE, já que com as compras de ativos tem-se como objectivo que a inflação recupere até um target “próximo, mas inferior a 2% no médio prazo”. Azad Zangana, economista e estratega da Schroders, recorda que a inflação na Zona Euro esteve muito próxima dos 0% em dezembro, e avisa que “é muito provável que ceda ainda mais durante os próximos meses por causa da queda dos preços da energia”. Embora da entidade acreditem que as medidas do BCE vão ser positivas para o crescimento e para a inflação a médio prazo, alertam que no curto prazo “existe risco de que as expectativas de inflação das famílias se destabilizem e comecem a comportar-se de forma mais deflacionária”, ou seja, que se adiem as suas decisões de compras e, em última instância, se provoque a japonização da zona euro. “Este não é o nosso cenário central, e a ação do BCE reduz o risco de deflação”, considera Zangana.

Questões por responder

Da Pioneer Investments, Monica Defend, diretora da alocação de ativos, realça que para entender o conjunto de medidas anunciadas há que a analisar a sua conexão com a inflação, já que poderão estar a ser preparadas medidas adicionais. Estas são algumas das perguntas que a profissional gostaria de ver respondidas: as medidas foram expressas em termos de expansão do balanço do BCE ou pretendem estabilizar as expectativas para a inflação? Que tipo de obrigações vão ser compradas? Com que vencimentos? Vai o BCE assumir os riscos sozinho, vai delegá-los nos bancos centrais de cada país ou vão ser partilhados? “Colocar o risco sobre cada banco nacional para mim não é próprio de uma zona euro, é uma opção que se distancia de uma união monetária”, diz a especialista.

O aspeto mais polémico das medidas anunciadas por Draghi tem a ver com quem é que vai ter a responsabilidade de fazer as compras anunciadas. Após o anúncio assumiu-se que a ‘mão’ do Bundesbank está por detrás destas condições: o BCE terá a seu cargo 8% das compras, e os bancos nacionais de cada país vão assumir os 92% restantes; 88% dos títulos comprados serão emitidos por membros da zona euro e os 12% restantes, sujeitos a risco de perda de capital, serão compras de emissões de instituições europeias.

Impactos do plano anunciado

Uma das questões que agora se coloca em cima da mesa é perceber qual será o efeito do plano anunciado pelo BCE. Paras Anand, responsável de ações europeias da Fidelity Worldwide Investment, acredita que este plano foi tão debatido e antecipado que tem já pouco potencial, tanto nos mercados como na economia real, pois possivelmente as intenções latentes do BCE de estimular o crescimento mediante a compra de dívida tiveram mais impacto por si só, do que propriamente em termos do que se vai conseguir alcançar na materialização efetiva da dita compra. “As intenções mencionadas foram suficientes para eliminar os receios sobre a qualidade das obrigações soberanas mais débeis que apareceram há três anos atrás”, recorda.

Em segundo lugar, o especialista indica que os ajustes internos dentro da região depois do boom da passada década irão ter claramente um profundo elemento deflacionista, pois todos os custos e preços vão baixar de forma a se adequarem ao menor nível de procura. “Mas no nosso caso rotulámos muito rapidamente o atual colapso da inflação como estrutural em vez de cíclico. A história tem-nos mostrado que o sector empresarial europeu tem emergido de cada crise em melhor forma do que aquela em que entrou, com maior foco na criação da valor a longo prazo para os acionistas; e tem, por seu lado, desempenhado um papel mais importante no impulso económico com cada ciclo sucessivo. Isto é o que realmente diferencia a atual situação europeia da situação histórica do Japão”.

Em terceiro lugar, Anand apresenta a dúvida de se o posicionamento do BCE “como comprador sempre presente” da dívida pública, alivia a pressão para levar a cabo reformas estruturais sobre as economias que necessitam delas. “Muitos países, mas em particular Itália e França, necessitam de tomar medidas duras atualmente para ativar o potencial a longo prazo da sua muito qualificada e instruída mão de obra, de forma a impulsionar a competitividade mas também a criação de novos negócios. Parece-nos que a flexibilização quantitativa por si mesma pouco pode ajudar neste aspecto”, afirma.

Uma opinião ligeiramente divergente tem David Zahn, responsável europeu pela área de obrigações da Franklin Templeton Investments, que entende que “apesar do QE não resolver os problemas estruturais da Europa, dá suporte para que os processos de reforma se mantenham. O BCE tem demonstrado que irá suportar os discursos com ações, o que é importante para manter a sua credibilidade”.

Impacto limitado do QE?

No meio das opiniões descritas da maioria das gestoras internacionais, destaca-se uma voz mais céptica. Johannes Müller, diretora de investimentos da Wealth Management Germany, do Deutsche AWM refere que de uma perspetiva económica considera que "a compra de obrigações soberanas por parte do BCE não será nem uma panaceia, nem uma força destrutiva. É provável que o seu efeito positivo mais duradouro na economia seja proveniente da desvalorização do euro, o que equivale a uma pequeno plano de estímulo. De qualquer das formas, é provável que o impacto global do QE seja limitado”.

E nas classes de ativos?

Scott Thiel, responsável da equipa internacional de obrigações da BlackRock , indica que “agora, os mercados de obrigações vão centrar a sua atenção na decisão em matéria de política monetária que será adoptada na próxima semana nos EUA e, em especial, na forma como o FOMC interpretará a queda do preço da energia”. O profissional sublinha o aumento da volatilidade nas obrigações e nas moedas durante as últimas semanas e assegura vislumbrar um novo aumento “à medida que surjam problemas de liquidez, quando os mercados começarem a centrar-se nos grandes desequilíbrios e na massificação de determinados sectores, sendo gerada durante o prolongado período de políticas monetárias acomodatícias, e quando a divergência neste âmbito passe a ser mais pronunciada”.

Nick Gartside, CIO da área de obrigações da J.P. Morgan AM entende que os ativos mais beneficiados com o que considera ser um programa que irá permanecer na Europa durante algum tempo, serão “o high yield europeu, os países periféricos e os ativos de maior risco”.