O mercado de obrigações corporativas enfrenta um potencial problema de liquidez?

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Pobre Diabo, Flickr, Creative Commons

No atual contexto de baixas taxas de juro, o bom comportamento registado pela dívida das empresas na primeira metade do ano converteu esta classe de ativos numa das mais populares. No entanto esta situação pode mudar drasticamente nos próximos meses. Às incertezas sobre as iminentes subidas das taxas de juro nos EUA e no Reino Unido – que para alguns especialistas de mercado poderão acontecer já no quarto trimestre de 2014, embora o consenso as situe no segundo trimestre de 2015 – soma-se agora o potencial de risco de liquidez.

Em meados deste mês, a presidente da Reserva Federal norte-americana, Janet Yellen, já chamou a atenção para a dívida high yield, assinalando que “nos segmentos com classificações de crédito mais baixas, as valorizações parecem forçadas”. Na semana passada, o regulador britânico (a FCA) foi um passo mais à frente ao publicar na sua página web uma mensagem, em que avisa os investidores de que o mercado de obrigações corporativas poderá passar por um potencial problema de liquidez no caso de sofrer um shock inesperado.

“Num momento de tensão de mercado, pode ser difícil vender as posições existentes em obrigações de empresas”, assinala o comunicado, “por causa dos baixos níveis de negociação registados por muitas destas obrigações no mercado, e porque o mercado de obrigações subjacentes se reduziu muito nos últimos anos”. Embora o regulador reconheça que “os gestores de fundos monitorizam os volumes de compra e venda de cada obrigação e o tamanho de cada posição”, para “garantir que os investidores podem comprar ou vender as suas participações diariamente” também adverte que “sob condições de mercado extremas, é possível que os gestores não possam vender uma quantidade substancial das suas posições de forma a satisfazer os reembolsos dos participantes”.

Para alguns críticos, este tipo de mensagem pode ser contraproducente e pode provocar pânico entre os investidores, especialmente entre os de retalho, levando-os a desfazerem-se bruscamente das suas posições em obrigações, provocando precisamente o tipo de shock ao qual o comunicado fazia referência, numa espécie de profecia auto-realizável.

Também o Banco de Inglaterra

O Banco de Inglaterra (BoE) também mostrou recentemente a sua preocupação acerca do risco de liquidez que o sector dos fundos de investimento pode enfrentar. Num discurso realizado a meio do mês, o vice-governador da Estabilidade Financeira e membro do Comité de Política Monetária do BoE, Sir Jon Cunliffe, afirmou que “do ponto de vista da estabilidade financeira, preocupa-nos que as fortes vendas de ativos necessários para satisfazer os reembolsos dos participantes num momento de stress possam supor uma ameaça para certos mercados sistémicos”, sobretudo aqueles casos em que o fundo (ou os fundos) conta com uma posição concentrada nesses mercados”.

“Nos últimos cinco anos, os fundos de investimento quadriplicaram os seus investimentos em ativos de mercados emergentes e em obrigações high yield”, assinala Cunliffe. “Não sabemos que volume de reembolsos poderá ser suficiente num curto espaço de tempo, sem que se configure como uma ameaça para esses mercados, mas a reacção do ano passado perante o anúncio do tapering, dá-nos uma ideia do que poderá acontecer”.

No entanto, o especialista mostra-se surpreendido de que “num momento em que os participantes de mercado parecem estar preocupados com a liquidez, e com  o impacto da regulação sobre a criação do mercado, os prémios de risco de liquidez mantêm-se muito estreitos, o que nos leva a perguntar se o mercado está a descontar adequadamente o risco de liquidez”.