O manual do bom contrarian

f_C3_B3sforos
winterofdiscontent, Flickr, Creative Commons

Em que consiste a filosofia contrarian? Dito de uma forma muito simplificada é ir contra a tendência de mercado que existe num determinado momento. Esta noção, envolta em alguma polémica no mundo do investimento, refere-se a uma das formas que os investidores têm de gerar alfa, neste caso “saíndo” das modas de mercado e de algumas convenções. Trata-se de um estilo de investimento que complementa a visão que se tenha sobre os mercados, mas que muitas vezes está mais presente entre os investidores e gestores com um bias value, já que permite complementar um dos seus princípios base: comprar a um preço razoável títulos de qualidade que por algum motivo foram deixados de lado pelo investidor.

1.     Procurar onde o sentimento de mercado é mais negativo

Uma das máximas do bom contrarian é “ser otimista quando todos os outros são pessimistas”. Trata-se sempre de procurar o melhor valor aos melhores preços, e ser um investidor value que procura empresas que negoceiem com desconto em relação ao seu valor intrínseco, porque as oportunidades estão nos sítios onde os investidores as estão a ver. Por exemplo, quem comprou ações da Nokia no seu mínimo de julho de 2012, depois de se acumularem vários profit warning consecutivos, a 10 de abril de este ano, tinha beneficiado de uma subida de 275%. Outro exemplo clássico é o da própria bolsa espanhola: quem tinha comprado IBex 35 antes da famosa declaração de Mario Draghi  (“farei tudo aquilo que for necessário para salvar o euro e, acreditem, será o suficiente”), participou num rally próximo dos 70%.

As histórias de reestruturação geralmente encaixam neste primeiro ponto se se for contrarian, e com um estilo value. Este é o caso da Katrina Dudley, que gere o fundo Franklin Mutual European, da Franklin Templeton Investments. Os títulos preferidos da gestora costumam ser as empresas baratas que estão a atravessar problemas. O seu método para trazer ao de cima o valor faz-se através de um intenso processo de investigação e ativismo. “Peço aos meus analistas que escrevam o relatório que alguém escreveria dois anos depois”, resume. A maior parte do alfa que é gerado por esta especialista é feito através da melhoria das margens, e não do crescimento dos lucros.

2.     Procurar os valores mais impopulares do mercado

Este segundo ponto complementa o anterior. Quando o mercado se entusiasma com a Apple ou a Google, o bom investidor contrarian compra tecnológicas “chatas”, como é o caso da Microsoft. Quando num mercado de subidas se compram negócios cíclicos com um beta maior e se vendem defensivos por serem mais resistentes às oscilações, o contrarian aproveita  as vendas para comprar farmacêuticas, com base no facto do seu ciclo de investimento ser maior do que o do mercado normal.

Um dos gestores que tirou mais partido desta estratégia foi Nicolas Walewski, gestor e fundador da Alken. Na sua última visita a Espanha, no passado mês de janeiro, revelou que atualmente tem interesse por títulos que lhe permitam “jogar” com a redução do custo de capital, por estar convencido de que quando aborda uma empresa “não é preciso que sejam muito boas operacionalmente; têm sim de ser muito boas a financiar-se”. Segundo os dados da Morningstar, entre o top 10 da carteira do Alken Absolute Return Europe estão títulos como Commerzbank, Banco Popular, Sberbank ou Ryanair.

3.     Ser oportunista

Ser oportunista é outra das pedras angulares deste estilo de investimento. Normalmente os contrarians entendem as correções de mercado com uma oportunidade para “caçar” valores que lhes agradam a um preço mais adequado, para não dizer uma “pechincha”.

Essa é precisamente a tónica: o investidor já tem na “mira” um determinado ativo em particular porque acredita que tem uma série de caraterísticas que lhe proporcionam um potencial de subida. Mas, se considerar que o preço desse ativo está demasiado caro em relação àquilo que está disposto a pagar, vai manter esse ativo no seu radar até que aconteça um revés.

Por exemplo, o evento oportunista é uma das condições essenciais seguidas pelos gestores da Harris Associates (gestora associada à Natixis Global AM) quando chega a altura de comprar. Uma das suas estratégias com maior êxito nos últimos cinco anos, consistiu em comprar ações japonesas aproveitando o colapso do Nikkei depois da crise nuclear de Fukushima. Mas não o fizeram simplesmente porque as valorizações caíram a uma velocidade vertiginosa, mas sim porque se tinham reunido com um grande número de equipas de gestão de empresas japonesas de quem receberam um feedback positivo.

Um dos exemplos contrarian mais evidentes atualmente é a aposta em mercados emergentes. Esta ideia foi reconhecida recentemente por um grupo de especialistas das BlackRock, que assinalou que o investimento em mercados em vias de desenvolvimento é de facto a sua principal aposta contrarian para 2014: em primeiro lugar, porque acreditam que o sentimento se tornou demasiado negativo, e em segundo porque consideram que as novas valorizações se ajustam melhor ao novo período de desaceleração do crescimento nestas economias.

4.     Não comprar apenas porque está barato

Este ponto volta a estar relacionado com os anteriores O facto de uma empresa estar barata, apenas por si só, não constitui um bom motivo para comprar, porque isto é tão válido para os investidores contrarian como para os restantes. A chave é que existam fundamentais sólidos que sustentem o investimento e uma boa equação de rentabilidade/risco que compense os investidores por aquilo que estão a pagar. Ser exigente é fundamental para não sucumbir a uma espécie de febre por causa dos “saldos” do mercado.

Um exemplo é o de Cyrill Moullé-Berteaux, gestor na Morgan Stanley, do MS Diversified Alpha Plus, gerido com um claro bias contrarian, que não hesita em admitir. O gestor assinala que não é suficiente que um ativo esteja barato, “há que saber porque está barato”. O especialista atualmente expressa no seu fundo uma visão macro negativa sobre os países emergentes, e em particular sobre a China, e apesar da queda das valorizações acredita que “temos que nos focar no crescimento”. Nesse sentido, observa que nos mercados em processo de industrialização não se está a assistir atualmente drivers de crescimento.      

5.     Ser paciente e disciplinado

O último ponto não é menos importante. Diz-se que a paciência é a mãe da ciência, e, no caso, dos contrarian, quanto mais paciente se seja, mas também disciplinado e com altas convicções, mais oportunidades existem do tempo vir a refutar a tese de investimento inicial. Assim, parece fácil um método de investimento que não é absoluto; como admite o próprio Mark Mobius, diretor executivo da Franklin Templeton, este processo passa por comprar quando os demais estão a vender.