O exemplo do Reino Unido e da Holanda na proibição das retrocessões

CMVM
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Numa altura em que a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) iniciou um processo de revisão do Código dos Valores Mobiliários com vista a “melhor adequar Portugal aos desafios nacionais e internacionais”, a entidade reguladora propôs-se a organizar uma conferência intitulada ‘Da proteção dos investidores, à promoção do mercado’ onde nos vários painéis foi discutido tema nas suas diversas vertentes.

Numa das mesas redondas que constituíram o evento, foi discutido, especificamente, o tema da proteção e responsabilização do investidor, onde se questionaram os limites da proteção e da responsabilização dos investidores no mercado, um ano após a entrada em vigor da Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF II).

Moderada por Celina Carrigy, secretária do Conselho de Administração da CMVM, na mesa redonda composta por vários profissionais do mundo académico, jurídico e regulatório nacional foram exprimidas várias opiniões sobre o tema, destacando-se uma das intervenções de Vinay Pranjivan, consultor da DECO e membro do Stakeholders Group da EBA. O profissional destacou, especificamente, que “um lado relevante da questão dos conflitos de interesse, tem a ver com o facto de algumas políticas de remuneração dos intermediários financeiros estarem dependentes da colocação de determinados produtos”. O profissional especificou que é sabido que “a DMIF II estabeleceu a proibição da remuneração, por via de colocação de produto para os consultores independentes, mas esta ainda é possível para os consultores não independentes. Nós consideramos que há aqui um espaço que poderá criar mais algum movimento conflituante que poderá traduzir-se em risco para os investidores. Em termos de movimentos das associações dos consumidores europeias vemos esse pedido para que haja uma intervenção no sentido de também introduzir uma proibição das remunerações ligadas à venda de produtos”, comenta Vinay Pranjivan.

Mais além, o profissional apontou dois exemplos do mercado europeu que refletem claramente o benefício de tal evolução da abordagem à consultoria para investimento. Fala do caso do Reino Unido e da Holanda onde foram proibidos os inducements para todo o tipo de intermediário financeiro com “um efeito positivo em ambos os mercados”. “Falo, por exemplo, de uma melhoria da avaliação qualitativa do aconselhamento dado, na promoção de produtos que até então eram muito pouco recomendados. Isto porque não tinham associada uma comissão alta, mas que eram, potencialmente, mais adequados para o perfil de investidor. Falo dos ETF, por exemplo. E também um aumento da massa crítica de investidores que procuram o aconselhamento, mesmo sendo pago, porque o investidor passou a ter uma percepção real do custo do aconselhamento, que passou a ser ligado ao aconselhamento dado e não ao produto vendido”, esclarece.

Já Nuno Gracias Fernandes, titular da Cátedra Fundação Amélia de Mello na Universidade Católica e Presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal, trouxe à baila o tema da teoria que deu a Richard Thaler o prémio Nobel da economia. O profissional destacou, mais especificamente, o quanto essa teoria poderá ajudar os reguladores a orientar as escolhas dos investidores no sentido de evitar armadilhas comportamentais conhecidas que geram sistematicamente decisões erradas ou não adequadas. Para Nuno Fernandes, mais do que a literacia financeira, os investidores precisam de uma correta orientação financeira. “Um exemplo muito simples é o menu de um restaurante. Perante esse, menu podemos ajudar as pessoas e dizer: Leia o menu até ao fim e somente depois tome a decisão”. Para ilustrar esta ideia, Nuno Fernandes deu o exemplo de uma pizzaria que frequentava que continha no menu cerca de150 diferentes versões de pizza, mas onde eram as primeiras dez pizzas aquelas mais escolhidas pelos clientes. “Quando falamos de fundos de investimento a situação é igual”, atesta.

“Fizeram-se muitos testes nesse sentido nos Estados Unidos. Se uma disponibiliza planos de reforma aos seus funcionários e coloca à disposição 10 fundos de investimento, os funcionários terão a tendência para escolher os primeiros três. A ordem é importante. É um facto das finanças comportamentais. O que se deveria desenvolver é a forma de apresentar as escolhas aos investidores, tenha isto a ver com o escalão etário ou com o perfil de investimento. Sabemos bem que a alocação de ativos deve variar ao longo da vida de uma pessoa. Não faz sentido para uma pessoa que está prestes a reformar-se investir a 100% num fundo de ações do S&P 500. Permitir isso seria fazer um mau serviço. Portanto, mais que educação financeira deveria haver uma adequada orientação do investidor, para evitar erros sistemáticos”, concluiu.