O deve e o haver

Quando se elabora um orçamento, desde o familiar, passando pelo da empresa e até ao do Estado (OE), este deve ser realista para ser exequível, ser claro para não suscitar dúvidas e acima de tudo, possa transmitir confiança e se possível, sem erratas demasiado extensas!

Quando o cobertor é curto, quando alguém puxa de um lado destapa-se o outro. Neste OE que começou num esboço e que teve de ser bastante trabalhado para respeitar os compromissos do país perante os credores, a ideia que transparece é que se dá por um lado e tira-se por outro, exatamente porque o dinheiro não estica. Esta relação entre o deve e o haver, que contabilisticamente tem de estar naturalmente equilibrada, é um problema para quem promete mais do que aquilo que pode dar.

De um crescimento do PIB de 2,4% em 2016 (estimativa da campanha eleitoral), passamos para 2,1% no esboço e para 1,8% na “tela final”. Mesmo assim e tendo em conta a crescente preocupação sobre o crescimento económico mundial, tenho sérias dúvidas que 1,8% seja um valor alcançável. Penso que se o PIB português crescer 1,5% em 2016, tal como em 2015, já nos poderemos dar por felizes.

Tenho sérias dúvidas que os portugueses vão consumir mais pelo facto de o seu rendimento disponível poder aumentar. Isto porque, se pelo lado do IRS até pode haver uma diminuição (?) do garrote, o aumento da carga fiscal sobre os combustíveis e sobre outros bens e serviços, vai limitar a apetência ao consumo.

O desemprego terminou 2015 nos 12,2% e quem cria emprego são os empresários e não os políticos. Mas para tal, é necessário haver investimento. Com o aumento recente do risco soberano (desde Outubro o prémio de risco das obrigações nacionais aumentou de 2% para cerca de 4% em meados de Fevereiro) e com as dúvidas crescentes por parte dos credores no cumprimento do défice de 3% (e já não falo dos 2,2% inscritos no OE pois esse valor é uma utopia), os efeitos na confiança de quem deseja investir naturalmente são muito negativos.

As exportações nos últimos 5 anos ajudaram bastante a corrigir o modelo de formação do PIB português. Cresceram cerca de 33% nesse período, passando a representar mais de 40% do PIB quando em 2010 representavam apenas 26%. Em 2015, as exportações cresceram 3,6%. Contudo, esta performance deveu-se essencialmente ao crescimento das exportações para os parceiros da UE. Para fora da UE, as exportações regrediram em 2015, especialmente devido aos problemas económicos em Angola e no Brasil.

Outra das preocupações é a execução orçamental. O primeiro trimestre será crucial para acalmar ou agravar a tensão sobre a dívida pública e em Maio será a próxima vista dos credores. Também me preocupa que a única agência internacional de rating que nos mantém acima de lixo, possa decidir o contrário, o que a acontecer irá complicar e de que maneira as condições de financiamento do país, dos bancos e das empresas.

Quem deve, tem dificuldades em haver! Por isso é determinante que continuemos a cumprir as regras perante quem nos financia.

 

(imagem: GotCredit, Flickr, Creative Commons)