“O contexto atual é bastante tóxico para o crédito norte-americano”

Michael_Temple
Cedida

O tom dos mercados nos últimos meses está a obrigar os gestores de obrigações a ter uma visão mais holística sobre os ativos de forma a poderem tomar decisões de investimento. Isto explica o facto de Michael Temple, diretor da equipa de análise de crédito dos EUA e co-gestor do Pioneer Funds-Strategic Income precisar de dar o seu ponto de vista sobre o que se tem passado nos EUA antes de explicar o posicionamento do seu fundo.

O gestor da Pioneer Investments começa pela influência negativa da queda a pique do preço do petróleo, que tem contribuído para disparar a taxa de default no segmento high yield. “Começámos a ver muita debilidade há um ano no sector da energia tanto investment grade, como high yield. O alargamento dos spreads é o resultado da queda dramática do petróleo e ainda resultado da fortaleza do dólar, o que por sua vez tem tido um efeito em cascata nos países emergentes por causa da saída de capitais perante a pressão das emissões denominadas em dólares”, explica Temple. Este afirma que se trata de um “contexto bastante tóxico para o crédito norte-americano”.

Por outro lado, prossegue o especialista, a economia norte-americana continua a mostrar sinais claros de força; no terceiro trimestre registou um crescimento de 4%. O gestor acredita que a razão pela qual os spreads se estão a ampliar é porque “a taxa de crescimento nos países desenvolvidos está a começar a desacelerar-se por causa da influência negativa dos emergentes, não estando a Europa em posição de ajudar os EUA de forma significativa”.

Por todos estes motivos, Temple estabelece dois tipos de cenário: um a muito curto prazo e outro a médio prazo. O primeiro, que contempla os próximos três a seis meses, prevê um contexto bastante negativo, com um aumento da volatilidade e um crescimento mais lento. “Ainda não serão visíveis os efeitos das medidas de estímulo adotadas pelas autoridades chinesas, porque será necessário muito tempo até que comecem a funcionar. Nem serão vistos estímulos por causa da queda do petróleo; o baixo crescimento dos emergentes está a traduzir-se em menores lucros para as multinacionais”. O segundo cenário contempla os seguintes seis a dezoito meses e prevê um contexto mais positivo graças ao facto de começarem a notar os efeitos benéficos da queda do preço do petróleo, uma melhoria do consumo nos EUA e os estímulos na China.

O gigante asiático é uma parte fundamental da análise do gestor. “O cruzamento entre serviços e exportações é muito importante, os serviços já quase superam 50% do PIB chinês. Vamos assistir aos serviços a eclipsar as exportações, mas vai ser um processo complicado. Vai demorar entre cinco e dez anos a acomodar o novo modelo”, afirma. A sua previsão para os próximos três a cinco anos é que a China atravesse um período de transição; a visão da Pioneer Investments é que a economia chinesa cresça cerca de 6%, muito embora Temple seja um pouco mais pessimista, pois situa esse crescimento nos 5%. “Assitiremos a dados económicos mais positivos provavelmente no final de 2015 ou no primeiro trimestre de 2016”, afirma.

O ponto final da análise de Temple contempla a decisão da Reserva Federal de adiar a subida das taxas. O gestor, que em fevereiro estava convencido de que as taxas de juro subiriam este ano – se a Fed tivesse tido em conta apenas factores domésticos – agora descarta essa hipótese pelo facto do banco central ter em conta factores externos: “Não acredito que a Fed vá subir as taxas com toda esta volatilidade. Na verdade, as condições económicas já se ajustaram”. A sua expectativa é de que a primeira subida aconteça no primeiro trimestre de 2016 “se existir mais estabilidade na China e melhores condições económicas”.

Atualização do fundo

Deve portanto o investidor interpretar este momento de sentimento negativo como um momento apropriado para fazer uma aposta contrarian e comprar? “O mercado oferece um bom ponto de entrada mas com cautela; há que fazer as coisas pouco a pouco. Procuramos em primeiro lugar empresas investment grade ou high yield que tenham sido castigadas injustificadamente. Depois, mais à frente, acrescentaremos obrigações emergentes e finalmente obrigações high yield do sector da energia”, diz Temple.

Atualmente a duração do fundo é de 4,5 anos, face aos cinco anos do índice. “Atendendo aos últimos ciclos, o que sofre é a parte curta da curva. Nós temos posicionado a carteira para uma subida que implique um achatamento da curva. Esperamos que este ciclo de subida se assemelhe com o de 1999-2000, mais do que com o do de 2004-2006. Esperamos também que a nova taxa neutral se situe entre os 3% e os 3,5% no próximo ciclo e a inflação se situe entre 1,5% e 2%”. Neste contexto, Temple acredita que a rentabilidade normalizada das obrigações a 10 anos se mova entre os 3% e os 4%.

Num último ponto sobre a gestão do Pioneer Funds-Strategic Income refere: “Estou a certificar-me de que tenho muito cash em carteira”, comenta o gestor. Concretamente, indica que 17% da carteira está investida em liquidez e ativos muito líquidos, o que pode atuar como um 'buffer' de volatilidade. “Neste ponto, em ciclos anteriores a liquidez era mais rentável do que ter obrigações em carteira, mas agora não acredito que o cash vá ser mais rentável porque a margem de lucro é muito menor. Os investidores veem-se obrigados a investir noutras "partes". Não se deve ignorar o poder da rentabilidade; as pessoas não podem distanciar-se de todo o risco porque necessitam de rentabilidade”, conclui.