O BCE começa a comprar dívida: o que se pode esperar?

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Wikicommons/World Economic Forum

O mês de março que agora começou não é um mês de março comum. Com o seu início espera-se também o começo do programa de compras de dívida por parte do BCE, 60.000 milhões de euros por mês até setembro de 2016, em dívida investment grade, ABS e titularizações hipotecárias, até que a taxa de inflação na Zona Euro recupere.

“O importante deste programa não é a dimensão do mesmo, mas sim o facto da autoridade monetária se ter comprometido a mantê-lo até que seja gerada inflação. Se no final não forem alcançados resultados, provavelmente vão implementar outro programa ainda maior”, assegura Manuel Arroyo, diretor de Estratégia da J.P. Morgan AM. A única coisa que ficava por saber eram os detalhes do programa e as previsões com as quais trabalha agora o BCE, que foram proporcionadas por Mario Draghi na semana passada.

Scott Thiel, responsável da equipa internacional de obrigações da BlackRock, fixa o seu discurso na previsão de crescimento do BCE para a Zona Euro, que se traduz num PIB de 1,5% para 2015 que poderá aumentar até aos 2,1% em 2017. “É interessante notar que todas as previsões da equipa do BCE assumem que o QE terminará em 2016”, indica.

Thiel refere igualmente que os valores das rentabilidades das obrigações alemãs a sete anos entraram em terreno vermelho, “o que sugere que o mercado já considerou nos preços o programa de QE”. Embora também recorde que o presidente do BCE afirmou que poderão comprar obrigações com uma rentabilidade negativa máxima de -0,2%, coincidindo com a taxa de depósitos definida pelo Banco Central.  Por isso, a opinião do representante da BlackRock é de que “a crescente dispersão nas condições económicas fundamentais e nas posturas sobre a política monetária das grandes economias e dos seus bancos centrais serão importantes motores de retorno tanto no mercado de obrigações, como no de divisas este ano”, declara o especialista.

Na verdade, a tese com a qual a equipa de obrigações trabalha é de que a divergência entre as políticas monetárias  aumentará à medida que o ano avança. Apesar das abundantes medidas de estímulo vistas em várias economias do mundo, o cenário base da entidade considera que tanto a Fed como o Banco de Inglaterra vão começar a subir as taxas durante este ano.  Para isso mantêm durações curtas na curva das taxas inglesa. “Apesar do Banco de Inglaterra manter as taxas de juro num mínimo de histórico de 0,5%, acreditamos que subirá as taxas em 2015, comparativamente com o mercado, que agora está a considerar nos preços a primeira subida das taxas em 2016”, indica o especialista. Para além disso, prevê que o tempo que vai passar entre a primeira subida das taxas do BoE e a primeira da Fed será reduzido, sendo que seja mais provável que a Reserva Federal faça esse movimento em primeiro lugar.  

Da Pioneer Investments, o CIO da entidade, Giordano Lombardo, entende que os Bancos Centrais estão claramente a tentar que a economia fique mais atrativa, de forma a que se  consiga criar inflação. “Se terá sucesso ou não, essa é uma questão que tem de se esperar para ver, mas entretanto, a repressão financeira está a mudar o “fardo” da dívida dos devedores (em especial do sector púbico) para os aforradores (agregados familiares)”.  Na opinião do profissional começa a ser claro que “a política monetária por si só” poderá não ser suficiente para reiniciar o crescimento, especialmente se “o mecanismo de transmissão entre a liquidez do Banco Central e a economia real não estiveram a trabalhar da melhor forma”.