O Banco do Japão sobe a sua aposta e amplia o programa de estímulos: implicações para os investidores

jap_C3_A3o1
Micky75017, Flickr, Creative Commons

O Banco do Japão surpreendeu os investidores ao ampliar  o seu programa de estímulos em 20 biliões de ienes, até aos 80 biliões por ano. Este movimento significa que a autoridade monetária comprará agora mais 60% de obrigações e triplicará as suas compras de títulos durante os próximos meses. Haruhiko Kuroda, governador do Banco fez alusão à fraca procura japonesa, desde a subida dos impostos do consumo, em abril, como uma das razões para adotar esta medida. Também existe a preocupação de que a procura doméstica mais débil, juntamente com o colapso dos preços do petróleo, conduzam a um ressurgimento da deflação, a que o Banco do Japão tem tentado pôr fim.

Precisamente umas horas depois do anúncio do Banco do Japão, apareceu a notícia inesperada do posicionamento da carteira do Fundo de Pensões do Governo. Como recorda a J.P. Morgan AM, o fundo anunciou uma redução do seu posicionamento em obrigações governamentais japonesas de 60% para 35%. Para além disso, o fundo duplicou o seu nível de ações domésticas de 12% para 25%. “Com cerca de 1,2 biliões de dólares em ativos, os movimentos do fundo são grandes o suficiente para produzirem por si só impacto no mercado. No entanto, o impacto real poderá vir do efeito causado por outros investidores domésticos que tradicionalmente se fixam no Fundo de Pensões do Governo, para guiar a distribuição dos seus próprios ativos”.

Por agora os mercados têm reagido de forma positiva a estes anúncios, com o Nikkei a registar ganhos de 5%, e a atingir máximos de 7 anos. O yen, pelo contrário, caiu drasticamente face às principais moedas e negoceia em mínimos de 7 anos face ao dólar, depois de uma queda de 2%. O que é que isto significa para os investidores? Como consequência destes acontecimentos, da J.P. Morgan AM acreditam que as perspetivas para as ações japonesas são promissoras. “Há uma forte correlação entre um yen débil e uma subida do Nikkei. Se o Banco do Japão continuar a expandir agressivamente o seu balanço nos próximos meses, poderá levar o yen a níveis mais baixos e animar o Nikkei. Para além disso, a redistribuição do Fundo de Pensões do Governo a favor das ações deverá ajudar também o Nikkei durante o próximo ano”.

Analisando os múltiplos a que a Bolsa nipónica negoceia, é paradoxal que, apesar do estalar da borbulha especulativa há mais de 20 anos, o mercado de ações japonesas se tenha mantido caro muito tempo face ao norte-americano ou ao europeu. Mas agora o Topix negoceia próximo dos 13,7 dos lucros previstos durante os próximos meses, face às 14,1 vezes do Stoxx Europe 600 e das 15,6 vezes do S&P 500. Desta forma, a volatilidade implícita do Nikkei situa-se num nível baixo (à volta dos 16%), muito próximo do nível do EuroStoxx 50.

O estado das empresas japonesas

Parece portanto que a visão dos investidores em relação ao mercado de ações japonês pode melhorar. Durante a maior parte do ano, na altura de tomar decisões, os investidores em ações japonesas centraram-se nos dados macroeconómicos e especialmente no impacto negativo da subida dos impostos aprovada em abril. Apesar dos fracos dados económicos do Japão, Nathan Gibbs, gestor de fundos de ações da Schroders, considera que os lucros das empresas continuam a crescer. “Mesmo com um mercado de trabalho mais complicado e com o aumento dos salários, para a generalidade das empresas cotadas as condições continuarão a ser favoráveis ao crescimento dos lucros”, assegura o especialista.

Esta mesma ideia é preconizada por Nicholas Price, gestor do FF Japan Aggressive Fund, que considera que, tendo em conta os dados mais fracos publicados recentemente pelo Japão, como o PIB geral e os números da produção industrial, a bolsa japonesa tem registado um bom comportamento no segundo trimestre, com os investidores estrangeiros a voltarem a ser compradores líquidos. “A atenção dos investidores passou das políticas macroeconómicas, para os fundamentais de cada empresa, bem como para o seu potencial de crescimento dos lucros”. Neste sentido, o especialista assinala que os lucros empresariais foram sólidos, tendo em conta que os resultados das empresas do Topix cresceram cerca de 2% a nível trimestral e 3% de ano para ano, durante o segundo trimestre.

“É óbvio que são os lucros que impulsionam as cotações, e não o PIB. Os estudos da CLSA – broker de ações asiáticas focado em operações institucionais – revelam que a desconexão entre o PIB e os lucros não é um fenómeno novo no Japão, já que as mudanças no PIB durante os últimos 20 anos apenas explicam 2% da variação dos lucros durante esse mesmo período”, afirma o gestor da Fidelity Wordwide Investment. Um dos motores chave do crescimento das ações japonesas no plano interno é o corporate governance e a eficiência do capital. Apesar da sua gama de produtos inovadores, as empresas japonesas registaram em geral uma trajetória relativamente pobre ao nível dos lucros e criação de valor para os acionistas.

Segundo o especialista, a Revisão Ito da Competitividade e os incentivos para um crescimento sustentável publicado no passado mês de agosto revelou que as empresas japonesas mostraram níveis de endividamento e rotação de ativos similares aos dos EUA e da Europa, mas rentabilidades sobre as vendas e sobre o capital consideravelmente mais baixas. Na verdade, a maioria das empresas japonesas registaram ROE (Return On Equity) inferiores ao custo médio do capital, que se situa entre 6 e 7%. Por outro lado, a deflação que se vive desde a década de 1990 levou as empresas a acumular cash nos seus balanços. “Um objectivo chave da política económica de Abe é ativar este dinheiro, tanto para os reinvestimentos eficientes do negócio, como para melhorar as rentabilidades para o acionista. Os novos códigos de administração e corporate governance estão desenhados para mudar o comportamento das empresas japonesas”.

Exportadoras ganham neste contexto

A este respeito, Adrian Hickey, diretor de ações japonesas e gestor do Pictet Japanese Equity Opportunities, assegura que a debilidade do yen proporciona um empurrão extra para o crescimento dos lucros. “A electrónica de consumo, a maquinaria e a automação são áreas que beneficiam da recuperação da procura externa (especialmente por parte dos EUA) e de um yen mais débil, apesar das empresas mais dependentes da procura interna, como o sector imobiliário, continuarem atrasadas. Na verdade, as ações mais rentáveis no último trimestre são as que beneficiam mais da depreciação da moeda, especialmente nas indústrias de crescimento, como componentes de alta qualidade para smartphones e tablets, tais como a Murata, ou a procura de equipas de automação para fábricas, como a Fanuc”, assinala o especialista da Pictet AM.