Banco de Inglaterra sobe as taxas de juro pela primeira vez em dez anos

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@Doug88888, Flickr, Creative Commons

Houve uma altura em que o Banco de Inglaterra (BoE) esteve quase a ser o primeiro banco central desenvolvido a subir as taxas de juro. Isto foi em junho de 2014, aproveitando a melhoria económica no Reino Unido. Mas a evolução das condições macro e os acontecimentos políticos que desembocaram no Brexit frustraram essas intenções. Paradoxalmente, a escalada da inflação – 3% em setembro, com uma expectativa de alcançar máximos em outubro – provocada pela queda da libra, foi o detonador da primeira subida de taxas em dez anos, até aos 0,5%, com sete votos a favor e dois contra dos membros do Comité de Política Monetária (MPC, em inglês).

Ao contrário da Fed e do BCE, a instituição optou por manter os seus estímulos quantitativos, apesar da subida: o MPC votou por unanimidade a favor de manter as compras de dívida britânica corporativa, não financeira, com grau de investimento (10.000 milhões de libras por mês) e as de dívida soberana, cujo volume alcança já os 435.000 milhões de libras no balanço da entidade. A situação económica do Reino Unido em 2017 difere da de 2014: a taxa de desemprego está em mínimos de 42 anos e a balança de pagamentos melhorou através do incremento das exportações, à boleia da debilidade da libra e da melhoria do crescimento global, mas prevê um crescimento modesto nos próximos anos e sublinha a debilidade do consumo e do crescimento do rendimento disponível. Além disso, o BoE antecipa que a nova onda do Brexit vai crescer no futuro próximo: “A decisão de abandonar a UE está a ter um impacto notável nas previsões económicas. O excedente da inflação face ao previsto reflete predominantemente os efeitos sobre os preços na importação da queda da libra relacionada com o referendo. As incertezas associadas ao Brexit estão a pesar para a atividade doméstica, que abrandou apesar do crescimento global ter subido significativamente”.

Um único ajuste, ou o primeiro de muitos?

Howard Cunningham, gestor da Newton (BNY Mellon IM), comenta que tanto o comunicado do MPC como a conferência de imprensa posterior mostram “a confiança nos méritos desta subida de taxas, mas isto não significa que tenham pressa para subir mais”. Cunningham foca-se nos votos dissidentes, assim como na previsão publicada pelo BoE em que somente se inclui um par de subidas nos próximos dois anos. É um valor inferior ao previsto pelo mercado, que explica, na sua opinião, a queda inicial da libra e a apreciação das gilts depois do anúncio.

“No nosso ponto de vista, é um movimento merecido, e é apropriado reverter o corte de taxas de emergência que efetuámos em agosto de 2016, tanto para apaziguar qualquer crença de que as taxas nunca subirão, como para sinalizar também que não será tolerada inflação excessiva”, detalha o gestor. A sua previsão é que “a inflação deverá começar a ceder”, e que a incerteza em torno do Brexit começará a notar-se mais sobre a atividade económica.

Andrew Mulliner, gestor da Janus Henderson Investors, comenta que “o BoE fez referência ao facto de que os mercados não estavam a descontar um nível de normalização adequado durante o período de previsões, o que sugere que as futuras subidas de taxas serão muito graduais”.

Por outro lado, Anthony doyle, diretor de investimentos em obrigações de retalho da M&G Investments, afirma que a subida de taxas  “poderá ser um ajuste único”. Para Doyle, esta subida “é difícil de justificar, dada a incerteza política que continua a rodear o Brexit e ao lento progresso das negociações entre o Reino Unido e a UE”.

Para o especialista, o pior está para vir: “Esperamos ver sinais crescentes de uma desaceleração do investimento, queda da confiança do consumidor e enfraquecimento económico, a não ser que seja alcançado um acordo material ou de transição sobre o futuro da relação comercial entre a UE e o Reino Unido”. Ao mesmo tempo, demonstra a sua preocupação pela possibilidade da inflação se descontrolar no futuro, ainda que considere que, no final, a subida das taxas “terá um efeito limitado sobre a economia real”, ao se manter, por parte do banco, a sua política acomodatícia e as taxas reais continuarem negativas.

O simbolismo desta subida de taxas é mais significativo que o seu impacto económico, afirma Lucy O’Carroll, economista-chefe da Aberdeen Standart Investments. A especialista considera que este movimento representa um recordar de que as taxas “podem subir e não apenas descer”, algo que considera particularmente importante porque afirma que “o crescimento da dívida dos consumidores é, de certo modo, preocupante”.

A economista-chefe alerta também para o risco de que a medida seja interpretada como o início de um ciclo de subida de taxas, já que “poderá atingir a confiança dos consumidores num momento particularmente vulnerável para a economia”. Na opinião de O’Carrol, como não existem indícios de grandes subidas nem dos salários nem dos preços subjacentes, os investidores não deverão esperar subidas substanciais.

Pelo contrário, chama a atenção para os riscos de que não se cumpra a expectativa de um soft Brexit do BoE (afirmou, no seu comunicado, que as “famílias e empresas baseiam as suas decisões sobre a expectativa de um ajuste suave em direção a uma nova relação comercial entre o Reino Unido e a UE). Se no final se materializar um cenário de hard Brexit, “esta pequena subida de taxas de juro não dará muita margem para reduzir as taxas de forma mais agressiva se a economia der a volta”, alerta.

Na Goldman Sachs AM, Iain Lindsay – corresponsável da gestão global de carteiras de obrigações – explica que, até agora, a economia britânica beneficiou de factores macro externos, em particular do crescimento em alta na Europa. “À medida que esses drivers começam a desvanecer, acreditamos que um investimento empresarial mais fraco e o abrandamento dos fluxos migratórios poderão pesar tanto sobre a previsão de crescimento, como sobre a inflação, pelo que não esperamos um maior enfraquecimento sobre a libra”. Ainda que a inflação supere o objetivo de 2%, o especialista ressalva que “o mercado sobrestima o ritmo do ajuste monetário”.