Notas sobre a revisão do regime fiscal dos organismos de investimento colectivo

Manuela_Silva_Marques
Nuno Coimbra

No ordenamento jurídico nacional os organismos de investimento colectivo, ou abreviadamente OIC, surgem como instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que visam o investimento colectivo, obtido junto de investidores, como forma de repartição de riscos e sujeitando-se à prossecução do exclusivo interesse dos participantes.

No plano interno, e na sequência da transposição para a ordem jurídica interna das Directivas Comunitárias e seguindo as orientações e recomendações da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados nesta matéria, os seus regimes jurídico e regulamentares foram recentemente revistos e alterados, abandonando-se as tipologias fechadas de IOC e definindo-se novos termos e condições em que podem ser estabelecidas, comercializadas e admitidas à negociação unidades de participação.

Do ponto de vista tributário, funcionando os OIC como veículo de apelo ao investimento, o Orçamento do Estado para 2014 (recentemente aprovado pelo Parlamento e que entrará em vigor no próximo dia 1 de Janeiro) inclui no seu articulado, entre outras medidas, uma autorização legislativa concedida ao Governo para revisão do regime fiscal aplicável aos OIC e participantes dos OIC.

Como sabemos as matérias fiscais não são os únicos factores a determinar uma decisão de investimento, no entanto, boas reformas promoverão seguramente o aumento da competitividade da economia portuguesa como destino do investimento estrangeiro. 

1.       Assim sendo, à luz do actual enquadramento tributário dos OIC (previsto nos artigos 22.º e seguintes do Estatuto dos Benefícios Fiscais) considerou-se adequado, nos termos da referida autorização legislativa, introduzir no sistema, em primeira linha, o factor da modernização e do reforço da competitividade a nível internacional deste tipo de veículos de investimento.

Pelo que, no plano dos rendimentos auferidos pelos IOC, foi o seguinte o sentido e a extensão das mudanças a introduzir:

(i)                   neutralidade fiscal no regime de tributação destas entidades, ou seja, a tributação passará para a esfera dos investidores, no momento da distribuição do rendimento ou resgate das unidades de participação, a uma taxa única, a definir;

(ii)                 imposição de uma distribuição mínima anual, entre 70% a 90% dos resultados; e

(iii)                sujeição a Imposto do Selo, correspondente a uma percentagem fixa, entre 0,01% e 0,2%, sobre o valor líquido dos activos.

Ainda nesta óptica, é concedida a autorização legislativa para o estabelecimento de um regime transitório que possibilite a transição de fundos de investimento para sociedades de investimento.

Na esfera dos investidores, titulares de unidades de participações e ou sócios, residentes e não residentes, pessoas colectivas e pessoas singulares, a revisão abarcará, nomeadamente, as regras sobre o momento da tributação, a taxa a aplicar, a opção pelo englobamento do rendimento, a eliminação da dupla tributação e as isenções aplicáveis ao rendimento distribuído.

Por último, encontra também abrangência nesta autorização legislativa o tratamento da matéria sobre outros OIC que apliquem subsidiariamente o regime fiscal actualmente previsto nos artigos 22.º e seguintes do EBF.

2.       A autorização legislativa em questão aproveita ainda o ensejo para introduzir no sistema normas anti abuso e mecanismos de controlo necessários à verificação pela Autoridade Tributária dos requisitos de aplicação material do regime fiscal a criar. Neste âmbito, fica, assim, o Governo autorizado a legislar sobre matérias relativas a:

(i)                   regime de prova da qualidade do investidor;

(ii)                 cumprimento de obrigações acessórias;

(iii)                obrigações de divulgação de informação relevante por referência aos valores distribuídos e imposto retido;

(iv)                consequências legais do não cumprimento do regime; e

(v)                 responsabilidade solidária das entidades gestoras.

3.       A par das medidas legislativas acima enunciadas, é ainda de destacar que, em 2014, o Governo foi também autorizado a rever e sistematizar o regime especial de tributação dos rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida e a estabelecer um regime tributário relativo a juros devidos ou pagos por sociedades com sede ou direcção efectiva em território português decorrentes de empréstimos concedidos por instituições de crédito de outro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

Todas estas autorizações legislativas colhem um impacto directo da Reforma do IRC que paralelamente ocorre com o Orçamento do Estado para 2014. A dita Reforma visa atrair investimento e reforçar a competitividade internacional mediante a simplificação do sistema fiscal, reforçando a sua certeza e eficiência, reduzindo a complexidade e reestruturando a política fiscal internacional portuguesa em linha com as políticas fiscais seguidas na Europa e internacionalmente.

Em suma, não obstante a segregação das medidas, as reformas almejam claramente colocar a fiscalidade nacional num patamar de maior atractividade a nível internacional.