Mondher Bettaieb: “A dívida corporativa europeia está em muito boa forma e os spreads deverão comprimir-se com ou sem o BCE”

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O mercado de fixed income reflete atualmente uma dissonância. Por um lado, observa o gestor da Vontobel AM, Mondher Bettaieb, “ainda vamos ver desenvolvimentos no ciclo de crédito. Os bancos centrais não estão a ficar sem ferramentas para o manter. Poderemos ver inclusivamente os bancos centrais a transferir diretamente dinheiro para a economia (helicopter money) e porque não?”

Por outro lado, Bettaieb, que gere o Vontobel Fund – Eur Corporate Bond Mid Yield (com selo Consistente), afirma que “a mentalidade dos investidores é hoje muito mais frágil, há menos confiança no que se está a passar nos mercados e por isso, os banco centrais só têm um objetivo: assegurar que o ciclo económico e de crédito se prolongue o máximo possível”. O especialista opina que “a Reserva Federal evitará cometer um erro de política monetária. É possível que subam as taxas, talvez uma vez este ano, mas não muitas vezes, para evitar um choque na economia mundial”.

Bettaieb não está muito preocupado pelo risco de subida de taxas: “não significa que vão disparar a yield dos treasuries, porque não há emissões suficientes de dívida no mundo”. Refere-se a que, de toda a dívida soberana atual, 1,4 biliões de dólares oferecem uma rentabilidade entre 0% e 1,5%. Enquanto muitas obrigações soberanas europeias e japonesas cotam com taxas negativas, os treasuries continuam a oferecer rentabilidade. “No meu ponto de vista, a Europa e o Japão arrastarão os EUA nesta tendência”, afirma o especialista.

A outra consequência é a maior procura por dívida corporativa, high yield e emergente: “Os spreads da dívida corporativa não podem ir para terreno negativo, são mais dinâmicos que a dívida soberana. Mesmo se os bancos centrais comprarem dívida, continuará a existir risco de crédito pelos fundamentais”, diz Bettaieb, que prevê que a compressão dos spreads seja o principal driver de rentabilidade este ano: “Em high yield e dívida emergente ainda se pode obter entre 4% e 5% de rentabilidade, os produtos que exploram os spreads estão numa área ainda atrativa”.

Também pode ser aliciante para a procura destas classes de dívida a ausência de inflação. O gestor é pessimista sobre o objetivo de 2%, especialmente pela evolução do mercado de trabalho: “Não é tão fácil criar trabalho, as empresas industriais perderam o seu poder de fixação de preços e, portanto, a forma de sustentar as margens é cortar no capex, o que significa que se cria menos emprego e muitas vezes de baixa qualidade, a tempo parcial”.

Também é um obstáculo a digitalização da economia: “Está bastante claro que a digitalização é disruptiva para o trabalho, vai representar uma revolução nos próximos 20 anos. É bastante desinflacionária, afeta o poder aquisitivo das classes médias: adiam o consumo à espera que caiam os preços, e então as empresas perdem o poder de fixação dos mesmos. É um ciclo muito vicioso”. Bettaieb justifica o tom dovish da Fed com estas dinâmicas, e afirma que “é benigno que certos bancos centrais continuem a intervir, já que sem eles a situação seria pior”.

Para o especialista, o “helicopter money” seria a melhor solução: “Porque é que as autoridades financeiras não criam uma comissão para poder emitir obrigações com as quais financiar a criação de novas infraestruturas? Há muita liquidez disponível para criar inflação e comprar obrigações. As empresas poderiam recuperar um pouco do poder de fixação de preços se houvesse um gasto massivo em infraestruturas. Assim, empregava-se mais gente e dava-se trabalho aos menos formados”.

O BCE contribuirá para a liquidez

Bettaieb vê como positivo que o BCE compre dívida corporativa, porque contribuirá para melhorar a liquidez: “O BCE vai intervir no mercado primário e no secundário (pode comprar até 33% de cada emissão), mas quer que os outros agentes do mercado o considerem como uma grande gestora de fundos, como a PIMCO por exemplo. Confio em que Draghi fará as compras de forma inteligente”. Espera que a melhoria do nível de liquidez se complemente com “um pouco de afrouxamento da regulação bancária, procedente da EBA”. Estima que “poderiam relaxar os requerimentos de capital do Basileia II para que as CoCos sejam mais atrativos para os investidores”.

O especialista destaca a boa saúde da banca europeia, onde se constata a redução de empréstimos em incumprimento, “ou seja, que está a melhorar a qualidade dos ativos nos balanços bancários”. Para Bettaieb, o castigo do sector foi injustificado: “A volatilidade começou porque os investidores no mercado norte-americano temiam que os bancos suspendessem o cupão das CoCos. Esta suspensão não implica incumprimento, é um erro de compreensão”. Também não ajudaram as más notícias referentes ao Deutsche Bank e os bancos italianos, que segundo o gestor também não “foram bem entendidos”. “Do ponto de vista fundamental, a dívida corporativa está em muito boa forma, e isso explica porque os spreads deverão comprimir-se em qualquer caso, com ou sem BCE”, sentencia.

Posicionamento

Bettaieb explica que não realizou grandes mudanças no posicionamento do fundo. Sobrepondera dívida subordinada em 20%: “Acreditamos que se vai comportar bastante bem”. Também aproveitou o risco político que emana do Brexit para adotar algumas posições táticas: “Não estamos preocupados pelo Brexit. Deve-se ter em conta que a maioria dos produtores no Reino Unido são estrangeiros, pelo que se forem aprovadas quotas à exportação corre-se o risco de que estas empresas levem a sua produção para outra arte. O Partido Laboral, que costuma representar os sindicatos, sabe que o Brexit é perigoso pelo risco de perda de postos de trabalho”. O gestor acrescentou exposição a bancos britânicos via emissões de dívida em dólares, juntamente com 9% de obrigações corporativas em libras com cobertura a euros.

Na parte defensiva da carteira, reduziu-se a exposição a empresas industriais, de bens de investimento e às mais cíclicas, e incrementou exposição a empresas mais intensivas em capital, como as telcos, de tabaco, infraestruturas ou real estate: “Se a inflação não volta, este tipo de empresas comportarão-se-ão melhor porque têm mais ativos que outras mais cíclicas. São menos dependentes do ciclo, se não vendem muitos produtos, pelo menos conservam os seus ativos”.