Medidas concretas que as gestoras internacionais estão a aplicar para ter uma indústria mais igualitária

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A indústria da gestão de ativos tem um grave problema. Quase um terço das mulheres no sector sofreu assédio sexual no seu trabalho e 76% experienciaram comportamentos sexistas. Um terço, inclusive, pensou em deixar a indústria devido à forma como foram tratadas. São números do último estudo do Financial Times sobre Mulheres na Gestão de Ativos, num inquérito a quase 600 membros do sector.

Num ano em que praticamente todas as empresas internacionais hastearam a bandeira do investimento socialmente responsável, perguntámos-lhes quais são as suas políticas internas nesta matéria. Porque não basta falar aos investidores de ISR, também temos de predicar com um exemplo. Perguntámos às gestoras internacionais quais são as medidas concretas na suas empresas para abordar a igualdade de género, e a seguir revelamos o que responderam.

 O certo é que em matérias mais graves, as únicas a dar uma resposta foram a Fidelity e a Schroders. “Temos uma política de tolerância zero face ao assédio sexual”, sentenciam. Entre 2017 e 2018 reviram as suas políticas de dignidade no trabalho, assédio sexual e discriminação para “serem suficientemente robustas”. E asseguram de que os seus funcionarários estão ao corrente de ambas as políticas através de um programa de treino anual obrigatório. “É algo básico”, assinala também Rafael Campos Valdez, partner de negócio de diversidade e inclusão da Schroders.

Como atrair as mulheres, o grande desafio

Em matéria de representação feminina em postos de relevância estão a ser tomadas medidas para atacar a raiz do problema, ou seja, a partir do momento da contratação.

Na M&G trabalham com empresas focadas na diversidade que vão mais além do que simplesmente dar listas equilibradas por género para “pensar como definimos papéis para atrair o talento feminino sénior”. Empresas como a Allianz Global Investors até revêm a linguagem da sua oferta de trabalho para se assegurarem de que têm um tom inclusivo. Na Fidelity lançaram o programa New Horizons Returners para fomentar o regresso ao trabalho após uma longa pausa na carreira. Até à data contrataram 14 pessoas através desta iniciativa.

E o processo de controlo não termina enquanto a pessoa estiver na empresa. Gestoras como a Amundi levam  a cabo diagnósticos periódicos sobre lacunas salariais que depois corrigem. No caso da empresa francesa, tanto esta como outras ações – programas para aumentar a consciência sobre estereótipos, sondagens sobre a remuneração – implementam-se de forma local para estar em conformidade com a regulação, sensibilidade e realidade de cada país.

O certo é que as gestoras britânicas estão entre as mais avançadas na matéria de género. Talvez porque tiveram um pequeno empurrão por parte do regulador. Como conta Campos Valdez, a FCA pôs em marcha em 2016 a iniciativa Women in Finance Charter, com a qual as empresas deviam comunicar o número de mulheres em postos sénior, dar um objetivo a longo prazo e reportar os números do ano. A Schroders foi uma das primeiras a assinar ainda antes de ser obrigatório. Afirmam estar muito próximos do seu objetivo de 33% de representação feminina em postos sénior para o fim de 2019. Para o especialista, é um passo positivo já que “pela primeira vez não nos podemos esconder”. Na gestora os números desagregam-se por departamento já que a ideia é que todas as equipas têm de contribuir para o equilíbrio.

As gestoras estão a fazer esforços para que a presença de mulheres nos altos postos seja mais paritário, porque, como explica Nicolas Huber, responsável de governo corporativo da DWS, “os diretores classificados, com experiência e independentes, são essenciais para os conselhos competentes e diversos para os processo de tomada de decisões eficientes e para o desempenho sustentável da empresa a longo prazo”. Na AXA IM, que conta com 35% de mulheres em postos executivos, as opiniões coincidem: “As empresas que proporcionam melhores oportunidades são as que estão a canalizar o aumento da riqueza para os agregados familiares e o aumento dos níveis de rendimento disponível, beneficiando tantos os lares como as empresas”.

Um assunto de todos

A igualdade na indústria não é um problema só das mulheres e as gestoras sabem-no. Para erradicar uma doença tão generalizada como mostram os números do estudo do FT faz falta uma transformação profunda e em todos os aspetos da empresa.

Há gestoras que até criaram a figura de diretora de diversidade. É o caso da Legg Mason, que em janeiro de 2018 colocou Regina Curry no cargo, vinda da McCormick & Company onde implementou com êxito uma estratégia mundial de diversidade e inclusão.

Na Fidelity também introduziram 96 líderes senior na sensibilização de tendências inconscientes e todos os responsáveis no processo de recrutamento têm a obrigação de completar um curso de entrevistador que remarca o impacto das tendências inconscientes na contratação.

A Allianz GI também introduz aos homens a conversação sobre a igualdade de género. “Para entender melhor as suas necessidades, para os incentivar a refletir sobre o seu papel em alcançar uma empresa mais igualitária e em como eles também são beneficiados por isso”, explica Marisa Aguilar Villa, diretora geral para a Península Ibérica.

Para alcançar uma verdadeira igualdade, as gestoras não centram só os seus esforços nas condições laborais para as mulheres. A Legg Mason, por exemplo, não distingue por género a licença por nascimento de um bebé: para todos a autorização é de três meses. Na Columbia Threadneedle promovem ativamente uma licença partilhada, fomentando que os empregados masculinos aproveitem a oportunidade.

Uma medida chave foi instaurar a flexibilidade no trabalho. Para todos. “Isto permite mais controlo sobre como, onde e quando trabalham”, contam na M&G. “Favorecem a compatibilidade entre uma carreira de sucesso e a família”, acrescentam na mesma linha na Pictet AM. A sua própria diretora do escritório em Singapura e gestora de obrigações é uma das muitas que dispõe desta flexibilidade. “A flexibilização é vital para permitir maior acesso das mulheres com vontade e potencial profissional para cargos de direção dentro de todas as organizações profissionais, e é uma forma de reter talento e fazer com que o empregado esteja mais satisfeito na empresa. Passa por mudar a mentalidade dos diretores masculinos face a um pensamento mais inclusivo e onde homens e mulheres sejam responsáveis pela educação e cuidados dos filhos. O problema da maternidade não é um problema empresarial, é um problema social para o qual tanto os governos como as empresas devem contribuir”, explica Patricia de Arriaga, subdiretora geral da Pictet AM em Espanha. Na Schroders também é uma medida de relevância e que se tenta implementar. Se o responsável da equipa não o permite deve apresentar uma justificação detalhada do porquê.