Medha Samant (Fidelity International): “Existe uma procura da Ásia que tem sido alimentada por empresas da Índia, mas também da ASEAN”

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Cedida

O sell off recente nos mercados emergentes deixou muitos investidores de pé atrás relativamente a este universo de países. Contudo, Medha Samant, investment director da Fidelity International, veio recentemente a Lisboa desmistificar aquela que pode ser uma ideia errada relativamente ao mercado asiático em específico, porque, como se diz na gíria popular, “a parte não pode ser tomada pelo todo”. “Fazendo uma analogia com um corpo, podemos dizer que quando olhamos para o core da Ásia verificamos que este ainda está muito forte. Trata-se da região que ainda cresce mais rápido no mundo, conduzida pelas reformas em determinados países e por lideranças relativamente estáveis. Temos assistido a uma recuperação dos lucros que apareceu em 2017 e, mais importante do que isso, foi a reduzida alocação a ações asiáticas”, começou por explicar a especialista.

Embora a parte core do mercado asiático esteja forte, existem factores que Medha Samant não esconde como causadores de alguma debilidade para o mercado, mais concretamente “a subida das taxas de juro no ocidente e o fortalecimento das guerras comerciais”. A especialista acredita que por esta altura a região está quase que num modo “wait and see”, à espera de perceber como é que este processo de guerras comerciais se desenvolve. A estes factores menos positivos juntam-se também “o fortalecimento do dólar”, o próprio “impacto das políticas de Trump”, mas também a “a situação na China”.  

Ciente de que “os mercados emergentes são muitas vezes tratados como um só bloco”, a especialista, na sua aparição em Lisboa, quis deixar bem clara a posição da equipa. “A Ásia não pode ser tida nas mesmas condições da Turquia ou da Argentina. A nossa equipa na Ásia continua a acreditar que iremos presenciar uma divergência ou a uma dispersão, na qual se assistirá a alguns trades que irão favorecer os mercados emergentes que têm vindo a ser beneficiados em termos económicos, ou seja, as economias mais resilientes que têm mostrado um consumo interno mais forte”, assinalou.

Tendo em conta o sell-off que os mercados emergentes têm experienciado, o gráfico abaixo, na opinião da profissional, “não traz grandes novidades”.

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“As valuations voltaram a configurar-se como muito atrativas. Em termos de mercados, verifica-se um interessante mix de valuations entre os diferentes países asiáticos. A Coreia, por esta altura, continua a ser o mercado mais barato, por causa daquilo que nós apelidamos de ‘Korea corporate governance discount’. Em sentido oposto, as regiões mais caras são a Índia, Filipinas e a Indonésia. Relativamente à China, esta continua a oferecer o perfil mais atractivo em termos de retorno ajustado ao risco, não só na Ásia, mas também face aos mercados desenvolvidos”.

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Ainda relativamente à China, é fácil de identificar de onde vieram os pontos de valor  alcançados. “No ano passado vimos alguns lucros, mas foi numa parte muito específica do mercado, nomeadamente na área de tecnologia”, reiterou Medha Samant. Relativamente à Índia, mas também no que concerne a outros países asiáticos, os lucros surgiram essencialmente ligados ao consumo doméstico. “Muito dos lucros vieram do consumo doméstico, nomeadamente de alguns nomes cíclicos, tais como empresas energéticas na área do Oil & Gas”. Na opinião da especialista não é mesmo precipitado dizer que “existe um ‘demand side’ da Ásia, que tem sido alimentado por empresas na Índia mas também na ASEAN”.

Cenários da China Trade War

A guerra comercial que envolve a China e os EUA aparece como “a grande preocupação do mercado por esta altura”. Como é visível no esquema abaixo, “existem três cenários em cima da mesa”, sendo que o primeiro é aquele que se apresenta “como o cenário central”. Medha Samant aponta que “o consenso acredita que irão existir implicações significativas no PIB chinês, que se poderão materializar entre 10 e 20 pontos base do PIB do país”. Se o cenário em cima da mesa for mais amplo – ou seja, se a tão falada aplicação das tarifas a todo o tipo de bens for para a frente – “o impacto estimado seria de 0.4 a 0.6% sobre o PIB”. No pior dos cenários, o impacto poderá ser relevante nos efeitos indirectos, como por exemplo que a China se veja ameaçada como centro de manufacturação, ao que as companhias chinesas já estão a responder com a deslocação de fábricas a outros países vizinhos como o Vietname. De momento, os lucros das empresas não se viram afectados, mas neste pior cenário, poderá haver um abrandamento em algumas áreas relacionadas com o consumo, como por exemplo, automóveis e electrodomésticos de linha branca.

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Índia: overweight de consenso, mas...

“Quando olho para a Índia, vejo uma situação muito semelhante à da China há 15 anos atrás em termos de PIB per capita”, disse Medha fazendo um paralelismo, mas salientando que o perfil demográfico da Índia “é melhor”, pois “trata-se de uma economia muito orientada para o consumo”. Realçando que o país tem sido uma “sobreponderação de consenso nos portefólios durante os últimos três anos”, a diretora de investimento da casa lembra o porquê. “O país tem-se mostrado uma economia muito resiliente nesta crise dos mercados emergentes, com uma história simples que é muito fácil de perceber: uma estabilidade macro de longo prazo, a confiança empresarial é a mais elevada em muitos anos e, no contexto dos mercados emergentes, é a economia de crescimento mais rápida no mundo”.

O mercado de ações indiano tem, contudo, aparecido no papel de mais caro da região. “Depois de anos e anos em que os investidores indianos compraram produtos como ouro ou imobiliário – ativos que não eram de todo rentáveis – temos assistido a uma inversão  da tendência e um encaminhamento das poupanças dos indianos para fundos de investimento, e isso tem de facto impactado os níveis atuais do mercado de ações e infelizmente as próprias valuations”.