Luis Sancho (BBVA): “A política fiscal irá ser de caráter expansionista e em perfeita sintonia com a ação dos Bancos Centrais”

Luís Sancho BBVA
Vitor Duarte

Aquele que parecia ser um ano relativamente previsível em termos de evolução económica e pautado por um quadro geopolítico mais tranquilo, tornou-se num ano totalmente imprevisível fruto do surgimento da pandemia do Covid-19. A economia estancou e as consequências, quer no mercado laboral, quer no modo como a sociedade se vai organizar nos tempos mais próximos, são de tal modo contundentes que porventura nos obrigará a entrar num ‘Admirável Mundo Novo’.

Traçar cenários com números parece-nos, por agora, um exercício fútil e diz-nos a experiência que o bom senso será o melhor conselheiro para navegar à vista.

Para já, sabemos que contamos com a inestimável ajuda dos omnipresentes Bancos Centrais que, mais uma vez, não olharam a meios para colocar no terreno praticamente todas as ferramentas de política monetária disponíveis, para assegurar a solvabilidade do sistema financeiro e permitir que os elevados níveis de endividamento, necessários para voltar a colocar a economia na rota do crescimento, sejam efetuados a taxas de juro acessíveis.

A política fiscal irá ser de caráter expansionista e em perfeita sintonia com a ação dos Bancos Centrais.

Também parece evidente que o difícil equilíbrio entre saúde e economia colocou a nu as fragililidades e contradições dos discursos políticos mais populistas.

Por fim, determinadas dinâmicas e tendências que já estavam latentes vão ganhar momentum e acelerar. Estamos a falar dos temas relacionados com o ESG, com a digitalização, robotização  e remotização do trabalho, que em si mesmos, serão veículos para sair desta crise, ainda que com custos sociais díficeis de percecionar.

Com este cenário base podemos dizer com alguma segurança que os yields da dívida soberana de melhor qualidade irão permanecer bastante baixos  por um período alargado de tempo e, depois da recente recuperação dos mesmos, sobretudo na Europa, não haverá muito mais espaço para encontrar boas oportunidades nesta classe de ativos.

Em contraponto, o crédito, especialmente no segmento de Investment Grade, parece-nos uma opção que ainda oferece valor, num contexto de maior visibilidade proporcionado pela forte intervenção dos Bancos Centrais que, desta vez, foram bastante audaciosos e engenhosos a providenciar meios para ajudar muitas companhias que, doutro modo, não teriam a liquidez necessária para funcionar no curto prazo.

A dívida emergente também oferece algumas oportunidades na medida em que muitos Bancos Centrais vão também começar a adotar políticas mais acomodatícias, quer para acomodar os custos de financiamento dos seus países, quer porque a inflação não é, de momento, motivo de preocupação para muitos destes países.

O mercado acionista tem sido pautado pela procura de empresas que resistiram bem ao efeitos da pandemia nomeadamente nos setores da saúde e da tecnologia. Sem uma clara perceção do relançamento da economia acreditamos que os setores mais deprimidos (financeiro, energia, indústria, consumo discricionário, especialmente os ligados ao turismo) terão alguma dificuldade em arrancar. Dito doutro modo, growth continuará a atrair mais interesse que value, contudo valorizações excessivas no primeiro poderão limitar o leque de escolhas. Ainda assim, uma maior assertividade por parte da Europa no combate à pandemia, onde se inclui o ambicioso plano de reconstrução engendrado por França e a Alemanha aliado a um BCE extremamente cooperante poderá, em termos relativos, tornar as ações europeias mais atrativas e, neste caso, dado o maior peso de value nos índices europeus potenciar uma recuperação deste estilo.

Paradoxalmente, sobretudo se tivermos em linha de conta as quedas do preço do petróleo, a pandemia veio tornar mais claro as tendências associadas ao investimento economicamente sustentável, tanto pelo enfoque do investimento público, como pelo tema da exposição das desigualdades e das fragilidades do mercado de trabalho. Fundos de investimernto que saibam tirar proveito destas dinâmicas poderão ser uma opção a ter em conta para o semestre que se avizinha.