João Marques (Caixa Gestão de Ativos): “Para o bloco emergente, é expectável um crescimento em linha com os últimos anos”

João Marques (Caixa Gestão de Ativos)
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O ano de 2019 caracterizou-se por uma forte moderação global, fruto das tensões comerciais, dos aumentos de tarifas, da redução da confiança dos agentes económicos e da, consequente, retração dos volumes do comércio internacional, da indústria e do investimento. No entanto, o referido abrandamento não foi transversal a todos os setores da economia, pois tanto o consumo como os serviços demonstraram resiliência dada a robustez do mercado de trabalho, o crescimento dos salários e o regime de taxas de juro globalmente baixas. No entanto, neste contexto, os países europeus e do bloco emergente denotaram um nível de moderação mais pronunciado, pela sua maior exposição aos fluxos de comércio internacionais. Em adição, os eventos específicos ocorridos na Europa, nomeadamente o “Brexit” e a instabilidade política em Itália, bem como em alguns países do bloco emergente, como a Argentina e a Turquia, também contribuíram para a redução da atividade em ambas as áreas geográficas.

Perante este enquadramento, no caso dos EUA, com o desvanecimento do estímulo fiscal encetado em 2017, o menor impulso positivo advindo do crescimento do mercado de trabalho e a baixa probabilidade de uma forte retoma do investimento fixo, dada a fase avançada do ciclo, o PIB real deverá registar uma desaceleração em 2020 face ao ano transato. No entanto, por motivos endógenos, não se perspetiva que uma inversão do ciclo, isto é, uma recessão, deva acontecer no curto prazo pois, por um lado, não se verificam evidências de sobreaquecimento económico e, por outro, a política monetária mantém-se em regime não restritivo, com as taxas diretoras reais (ajustadas pela inflação) correntemente em níveis muito mais baixos que os verificados antes de períodos recessivos passados. Neste âmbito, após a mudança do paradigma de subidas para descidas das taxas de juro, iniciada pela Reserva Federal Americana (Fed) em 2019, na ausência de uma forte recuperação do crescimento real e de aumento pronunciado e consistente da inflação, não será provável que esta autoridade inverta a condução da política monetária.

No caso da Europa, destacam-se duas realidades: a Área Euro (AE) e o Reino Unido (RU). No caso da AE-uma região bastante integrada nas cadeias de valor globais e dependente do comércio internacional-, após a forte moderação económica, o desagravamento de fatores de cariz sistémico, como as tensões comerciais globais, e de índole específica, como a recuperação da indústria automóvel, o contexto político mais benigno ao nível do “Brexit” e a postura italiana de menor confrontação com as instituições europeias, o crescimento neste bloco poderá, eventualmente, registar uma ligeira recuperação dos níveis modestos verificados em 2019. Por outro lado, o desemprego em patamares historicamente baixos, a política monetária extremamente expansionista, assente em taxas de juro nulas e negativas, e o impulso fiscal ligeiramente positivo esperado para a região também poderão contribuir para o referido comportamento do PIB. No que respeita ao RU, a menor probabilidade de saída disruptiva a curto prazo da União Europeia (UE), a eventual recuperação dos índices de confiança em função do novo contexto vigente, o aumento da despesa pública pela nova governação já em 2020 e a manutenção de uma política monetária acomodatícia, contribuirão para um crescimento que se crê positivo, embora em níveis comparativamente baixos face ao verificado em períodos anteriores ao referendo do “Brexit”.

Por sua vez, o Japão deverá continuar a evidenciar os registos de crescimento e de inflação mais reduzidos dos países desenvolvidos. Apesar do grau extremamente expansionista da política monetária, o respetivo elo de transmissão à economia tem-se tornado cada vez mais fraco, com o crescimento real e a evolução dos preços a situarem-se de forma contínua aquém dos objetivos das autoridades institucionais nipónicas. Por outro lado, os recentes pacotes de medidas fiscais impulsionadoras de crescimento, apesar da sua dimensão relevante face ao PIB, contrariarão sobretudo o efeito restritivo esperado do aumento do imposto sobre o valor acrescentado, ocorrido em outubro de 2019.

Já na China, a continuação da mudança de paradigma do modelo económico, de uma base industrial essencialmente exportadora, para uma maior relevância do setor terciário e da procura interna, deverá contribuir para a permanência dos registos de crescimento atuais, estruturalmente abaixo dos verificados nas décadas precedentes. Em paralelo, o conjunto de políticas fiscais e monetárias favoráveis deverá contribuir para minorar os efeitos negativos das tarifas já impostas, por parte dos EUA, aos bens internamente produzidos. Deste modo, será de esperar um nível de crescimento semelhante ao verificado em 2019.

Para o bloco emergente, é também expectável um crescimento em linha com os últimos anos, embora pautado por alguma dispersão tendo em conta os riscos idiossincráticos de determinados países. No entanto, o regime esperado de taxas de juro globalmente baixas (com a Fed possivelmente a não subir as taxas), de inflação controlada e a perspetiva de melhoria das incertezas comerciais poderão contribuir para as autoridades políticas e os bancos centrais da região enveredarem por políticas fomentadoras do crescimento e, deste modo, colmatarem os atuais efeitos negativos do protecionismo que emergiu nos últimos 2 anos.  

Contrariamente ao verificado no ano anterior, 2020 terá como ponto de partida valorizações elevadas ao nível das principais classes de ativos, tendo em conta não só as rendibilidades atingidas em 2019 como também o contexto macroeconómico e específico de cada mercado.

Efetuando uma abordagem crescente pelo nível de risco, no que concerne às aplicações de curto prazo indexadas às taxas de mercado monetário em euros, espera-se a continuação de retornos reduzidos tendo em conta a estrutura temporal das taxas que, provavelmente, será negativa nos prazos até 12 meses ao longo de 2020. Neste domínio, o prémio de risco exigido à contraparte do investimento poderá compensar a componente de retorno das taxas de juro, embora eventualmente atrativo apenas para níveis de risco substancialmente elevados.

Nos mercados de dívida pública, a continuação de políticas monetárias expansionistas, traduzidas em taxas diretoras baixas e em compras de ativos, e de crescimento nominal (PIB real adicionado da inflação) moderado poderão contribuir para a ausência de uma forte subida das yields das obrigações do tesouro de referência. No entanto, dados os níveis atuais das taxas/yields, a componente de cupão (carry) de um investimento em obrigações, historicamente relevante para a rendibilidade total da classe, não será significativo. Por outro lado, apesar do contexto de moderação económica, determinados mercados como os de dívida pública da AE, em específico o da Alemanha, apresentam yields extremamente baixas e negativas, traduzindo um elevado prémio de refúgio que, por sua vez, poderá dissipar-se com o menor grau de incerteza geopolítica, e, deste modo culminar nalguma ascensão das taxas de juro de mercado. Neste contexto, os prémios de risco (spreads) de soberanos europeus como Itália, Espanha e Portugal, após a trajetória de descida dos últimos meses, por melhores perspetivas domésticas bem como pela procura de títulos que apresentam taxas de juro positivas, atingiram níveis consonantes com os seus riscos específicos, pelo que não se perspetivam estreitamentos a partir dos valores atuais. No entanto, poderão denotar eventuais incrementos de volatilidade em função de desenvolvimentos políticos e económicos domésticos. Assim, serão expectáveis retornos historicamente baixos, eventualmente positivos nos EUA mas negativos na AE em termos agregados.

No caso das obrigações de dívida privada (crédito), após as rendibilidades positivas geradas em 2019, tanto pela componente de taxa de juro como de spread, os prémios de risco atuais não são historicamente muito atrativos. No entanto, a conjuntura de crescimento moderado e de compra de obrigações (como no caso do Banco Central Europeu) poderá contrariar os efeitos negativos da tendência de aumento de incumprimentos (atualmente mais visível nos EUA) e de redução de margens operacionais das empresas. Assim, antevê-se uma relativa estabilidade, embora com um pendor de alargamento, dos spreads de crédito tanto de investment grade como de high yield. Em consequência, as rendibilidades dos vários segmentos desta classe também poderão ser historicamente baixas, mas acima das dos índices de soberanos.

Por sua vez, na classe acionista, não só a moderação económica global deverá impactar o crescimento das vendas empresariais como também a continuação da ascensão dos salários e dos baixos níveis de produtividade poderá exercer alguma pressão nas margens de lucro, atualmente em níveis elevados sobretudo no contexto corporativo dos EUA. Deste modo, perspetivam-se crescimentos positivos dos resultados, embora modestos de acordo com o seu histórico. Paralelamente, as valorizações atuais, medidas pelos rácios de preços vs. resultados, também se situam acima das suas médias pelo que, face à conjuntura global projetada, não é esperado que os referidos múltiplos devam novamente expandir-se de forma significativa e constituir a principal fonte de retorno destes mercados. No entanto, por via dos fundamentais e do contexto de “busca de yield” em que o rácio de dividendo vs. preço (dividend yield) da classe é atrativo face à alternativa de investimento em obrigações, é expectável que, no próximo ano, as rendibilidades dos mercados acionistas sejam positivas, superando as dos mercados de rendimento fixo, mas não atingindo os registos de 2019.

Numa fase madura do ciclo económico, de taxas de juro extremamente baixas e de políticas fiscais não restritivas, os principais riscos para os mercados, cujas valorizações se encontram em níveis genericamente elevados, residem no domínio geopolítico. Deste modo, a evolução das negociações entre os EUA e a China, para a Fase 2, por sua vez associada a questões mais complexas e de maior disrupção face à vertente estritamente comercial, constituirá o principal risco a monitorizar.

No entanto, na Europa, a evolução do “Brexit” poderá também assumir-se como um fator de risco sistémico, nomeadamente através do grau de sucesso das negociações com a UE e a consequente saída da União, no final de 2020, em modo “soft- Brexit” ou “hard-Brexit”. Na AE, apesar da maior estabilidade recente, o surgimento de novas incertezas governamentais em Itália e em Espanha poderão aumentar a aversão ao risco e gerar um desempenho relativo negativo dos ativos europeus face aos de outras geografias.

Adicionalmente, já na segunda metade do ano, as eleições presidenciais americanas tornar-se-ão um dos principais focos dos investidores, com as maiores incertezas para os mercados a poderem advir do perfil do candidato democrata e das respetivas intenções, sobretudo quanto às políticas fiscais e de regulação.

No domínio económico, emergem como principais fatores de risco o prolongamento da moderação global, sem evidências de recuperação cíclica, como resultado da ineficácia das políticas macroeconómicas expansionistas em curso ou do contágio da fraqueza da indústria ao consumo e aos serviços. Por outro lado, o surgimento de inflação, motivado por um choque exógeno, que obrigue os bancos centrais a inverter a trajetória de descidas de taxas diretoras e de injeção de liquidez encetada no último ano, constituirá também um fator negativo especialmente no ambiente atual de baixo crescimento.   

Dado o enquadramento económico e de mercados esperado, a persistência de riscos geopolíticos e a possibilidade de correlações tendencialmente negativas entre classes de ativos, os fundos de investimento multiativos, disponibilizados pela Caixa Gestão de Ativos, com exposição a diferentes mercados, geografias e moedas prevalecem como soluções apropriadas para um horizonte temporal de investimento de médio prazo. Neste âmbito, a referida diversidade de alocações permitirá a redução de riscos específicos e a exposição a binómios de rendibilidade / risco potencialmente atrativos face a investimentos concentrados numa única classe e a aplicações de curto prazo em euros, que se prevê continuarem indexadas a taxas de juro negativas.

Neste sentido, a Caixa Gestão de Ativos disponibiliza duas famílias de fundos mistos, os Fundos “PPR/OICVM” e os Fundos “Seleção Global”, com três níveis de exposição distintos às componentes de ações e de obrigações, de acordo com os diferentes perfis de risco dos investidores. Adicionalmente, é também disponibilizado o fundo “Investimento Socialmente Responsável” (ISR)1, para um perfil de risco moderado, que representa uma alternativa de investimento multiativos baseada na metodologia socialmente responsável de incorporação, na respetiva gestão, de fatores de sustentabilidade ambientais, sociais e de governança.

Finalmente, de acordo com o perfil de cada investidor e para um potencial incremento da relação rendibilidade / risco do investimento, as alocações às famílias de fundos mistos poderão ser complementadas com soluções temáticas (ou monoativo), também disponíveis na oferta da Caixa Gestão de Ativos, como os Fundos de ações com exposição a geografias diferenciadas, os Fundos de obrigações e os Fundos de classes alternativas como o imobiliário.

Dada relevância temática das relações comerciais entre os EUA e a China, importa identificar, para além do efeito mecânico negativo da imposição de tarifas, as potenciais consequências não lineares, eventualmente mais impactantes, que o aumento das incertezas associadas ao comércio internacional poderão exercer na confiança dos agentes económicos e financeiros e, consequentemente, na evolução do crescimento e dos mercados.

Ao nível macroeconómico, dada a fase avançada do ciclo atual -nos EUA o mais longo desde o século XIX-, é relevante monitorizar os domínios que eventualmente demonstrem vulnerabilidades típicas antes da ocorrência de uma recessão, tais como a evolução do endividamento, do mercado imobiliário e do emprego. Subsiste, também, o potencial contágio da fraqueza da produção industrial e do investimento ao consumo, que, por sua vez, constitui o agregado económico mais relevante na composição do crescimento dos principais países.

Por último, no atual regime de políticas monetárias ultra expansionistas, traduzido em taxas de juro negativas em algumas economias, importa investigar quais os reais impactos dos níveis atuais das taxas e até que ponto as mesmas poderão originar efeitos contrários reversivos, e não de estímulo, junto dos agentes económicos (“reversal rates” na terminologia anglo-saxónica) como o aumento da poupança, a redução do crédito disponível e a diminuição do consumo.           

Esta é a visão da Caixa Gestão de Ativos, que não deverá ser interpretada como uma recomendação de investimento. Para tal, seria necessário considerar objetivos de investimento, situações financeiras ou necessidades e circunstâncias específicas do investidor.

1CAIXA INVESTIMENTO SOCIALMENTE RESPONSÁVEL - Fundo de Investimento Mobiliário Aberto