Jaime Albella (AXA IM): “O treasury a 10 anos terá de oferecer um prémio pela dúvida que o fim do QE representa”

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“O mais importante do primeiro trimestre de 2018 foram as subidas das taxas. O mercado está, finalmente, a refletir no preço todas as subidas antecipadas pela Reserva Federal”, assegura Jaime Albella, diretor de vendas sénior da AXA IM em Espanha. Se na revisão trimestral anterior da evolução dos mercados que a empresa faz, o especialista recorria a uma referência televisiva pra descrever a situação dos mercados – Twin Peaks, os picos gémeos de crescimento e normalização monetária -, nesta atualização prefere recorrer a um filme mais atual: “O Despertar da Força”, da saga de Star Wars. Agora, substitua “Força” por “volatilidade”.

O especialista refere, concretamente, o crescimento incrível da volatilidade no mercado que aconteceu no passado mês de fevereiro, quando os investidores começaram a refletir no preço um contexto mais inflacionário e, potencialmente, com mais subidas de taxas de juro do que as previstas inicialmente nos EUA. Albella recorda que nos últimos dois ou três anos a volatilidade esteve tão invulgarmente baixa que o número de estratégias curtas sobre a volatilidade aumentou gradualmente. “É um ativo rentável, mas é muito perigoso, pela sua assimetria”, explica. Assim, indica que as primeiras quedas registadas na correção aconteceram devido a “um ajuste relativo nas obrigações”, para refletir no preço as novidades provenientes dos bancos centrais, e depois agravaram-se “pelas vendas adicionais de ETF e de produtos curtos alavancados”. Contudo, a leitura que o especialista faz é tranquilizadora: “não registámos nenhuma alteração nos fundamentais. O movimento foi realizado devido a fatores táticos e técnicos, não estruturais”.

Não obstante, para o diretor de vendas sénior, o choque registado no princípio de fevereiro é apenas um indício de que uma alteração de ordem se avizinha, depois de uma década excecional em vários aspetos: “Levamos quase dez anos de expansão de múltiplos, durante os quais as obrigações e as ações começaram a ter uma correlação positiva entre elas. Esta alteração de comportamento está a ter um grande impacto sobre as estratégias de valor absoluto e valor relativo, uma vez que levanta grandes desafios, por exemplo, na comparação ente uma obrigação e uma ação”, relata o especialista.

Atenção à 'yield curve' norte-americana

“Quase todo o movimento das yields nominais das obrigações norte-americanas a dez anos resultou do reflexo no preço das subidas das taxas”, retoma Albella. O especialista afirma que se nota a falta, neste movimento, de um aumento do term premium, mas aclara que a perspetiva da casa é que este achatamento da curva de yield norte-americana não está a prever uma recessão, mas trata-se mais de “uma ineficiência do mercado, pelo que esperamos que tenda a convergir para uma curva mais inclinada”.

A previsão oficial que a AXA IM controla é que a obrigação norte-americana a dez anos alcance a zona dos 4% para 2020. Posto isto, o especialista admite que seria preocupante que o treasury a dez anos ultrapassasse os 3,25% no curto e médio prazo. “Se as taxas subirem rapidamente mais de 100 pontos base, teriam um impacto sobre a valorização”, alerta.

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Posto isto, Albella comenta que a curva “deveria tornar-se mais positiva por parte da oferta. Refere-se ao impacto das políticas da Administração Trump: ao procurar um maior protecionismo, um corte fiscal, e, como é de se prever, maiores investimentos em infraestruturas, a AXA IM calcula que o déficit norte-americano irá alcançar os 5% pela via do endividamento. “A necessidade de financiamento da economia norte-americana passou dos 500.000 milhões para um bilião de dólares”, afirma Albella. Este dado é muito importante, uma vez que na empresa calculam que por cada 1% que se aumente o déficit orçamental, terá um impacto equivalente a uma subida de 20 pontos base sobre as taxas de juro a longo prazo.

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“O problema”, continua Albella, “é que a procura de treasuries foi modificada devido a anos de QE”. A remoção progressiva da maior experiência monetária da história também tem um preço, explica o diretor de vendas. Segundo cálculos da empresa, a remoção do QE pela Fed e depois pelo montante do BCE e, eventualmente do BoJ, poderá ter um impacto de até 40 pontos base sobre as obrigações norte-americanas a dez anos. “No entanto, terá de oferecer um prémio pela dúvida que o final do QE representa, que destruiu o mecanismo tradicional de financiamento”, indica Albella.

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Outra consequência do fina do QE será a alteração estrutural da procura, algo que algumas gestoras americanas têm vindo a alertar há alguns meses. Uma vez acabada a ação compradora da Fed, e com a redução do seu balanço em prática, a AXA IM estima que, nas palavras de Albella, “aconteça uma mudança de mãos, de públicas para privadas”. A questão é que os novos grandes compradores de dívida vão ser principalmente investidores institucionais – seguradoras, fundos de pensões, fundos soberanos – que devem cumprir com uma série de critérios financeiros e, por isso, “irão refletir no preço a normalização”.

Posto isto, o especialista aclara que a perspetiva da AXA IM é a de que as subidas das taxas tragam consigo um aumento da volatilidade, mas que não será o fim do mundo: “O crescimento macro continua a ser muito sustentável e os ISM estão no máximo. Calculamos um crescimento do PIB dos EUA ligeiramente mais positivo do que o do consenso.” A decisão que tomaram na casa francesa foi modificar o posicionamento para o adaptar a estas circunstâncias. Então, Albella explica que agora a maior sobreponderação é em dívida soberana, e em troca favorecem as ações, especialmente as europeias, enquanto estiverem neutras juntamente com as ações norte-americanas. “Preocupa-nos o crédito com grau de investimento, porque apenas se moveu com a correção e isso é estranho. Não sabemos explicar porque se portou bem, enquanto as ações e a high yield caíram”, acrescenta o especialista.

Este termina com uma recomendação para os investidores: apostar nos produtos de gestão ativa. Sugere especificamente uma alocação para fundos de obrigações flexíveis, para fundos de small caps e para fundos temáticos de ações, como os três da AXA IM que oferecem exposição às temáticas da robótica (cuja correção é vista como uma oportunidade), da digitalização e da longevidade.