Grécia pede um novo resgate: impactos nas classes de ativos e consequências de um Grexit

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montanari.michael, Flickr, Creative Commons

Novo pontapé de saída no jogo interminável que o governo grego enfrenta com as instituições europeias. Depois do ‘não’ no referendo do passado domingo, o Executivo liderado por Alexis Tsipras solicitou formalmente um novo programa de ajuda financeira – o terceiro, desde 2010 – ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEDE), num total de 50.000 milhões de euros, que se juntariam aos mais de 240.000 desembolsados nos anteriores programas de resgate.

A nova equipa grega de negociadores encabeçada por Euclides Tsakalotos – nomeado ministro das Finanças depois da demissão de Yanis Varoufakis – comprometeu-se a apresentar hoje uma nova proposta de reformas que os credores europeus avaliarão durante os próximos dias, antes da celebração de uma nova cimeira de emergência, convocada para domingo, 12 de julho. Até então, os bancos gregos continuarão encerrados pela segunda semana consecutiva e mantêm-se as restrições de capital.

Três possíveis cenários

Perante esta situação, Laura Sarlo, analista sénior de dívida soberana na Loomis Sayles (filial da Natixis Global AM) considera três possíveis cenários. O primeiro, ao qual aloca uma probabilidade de 25%, seria o mais desejável: que finalmente as partes cheguem a um acordo antes do dia 20 de julho, data na qual vencem os 3500 milhões que o governo grego deve devolver ao BCE. 

O segundo cenário seria a saída da Grécia da Zona Euro (‘Grexit’) e implicaria “ações claras e decididas para estabelecer uma nova divisa e renunciar ao pagamento da dívida e dos compromissos adquiridos”. Na opinião de Sarlo, este cenário teria um forte impacto nos ativos de risco mundiais, mas apenas atribui a este possibilidade uma probabilidade de ocorrência de 15%.

Por último, a opção que vê como mais provável, com 60% de probabilidade de ocorrência, é que se mantenha o impasse no qual nos encontramos atualmente. “Este terceiro cenário poderá implicar muitas coisas, inclusive que a Grécia acabe por abandonar o euro, mas chegaríamos a essa situação aos tropeções, e não de forma limpa. Também implicaria o uso de notas promissórias (IOU), cupões ou dracmas para certo tipo de pagamentos, enquanto o governo vai mantendo um pé dentro e outro fora da Zona Euro. Poderia significar também que os bancos gregos permaneceriam encerrados durante bastante tempo”. Para Sarlo, este cenário representa uma contínua ameaça para os ativos de risco.

Impacto nas classes de ativos

Embora os acontecimentos das últimas semanas tenham gerado uma maior volatilidade no mercado que se traduziu em correções da bolsa e uma fuga generalizada para ativos refúgio, o certo é que a reação tem sido bastante moderada em comparação com outras ocasiões. “Embora seja provável que as vendas continuem enquanto os investidores vão digerindo a caótica situação da Grécia, as possíveis correções serão mitigadas pelo favorável contexto da política monetária e pelas baixas taxas de juro”, aponta Russ Koesterich, responsável de estratégias de investimento da BlackRock e responsável global de investimentos da iShares, que não acredita que a situação do país mediterrâneo suponha uma ameaça a longo prazo para a economia mundial nem para os mercados financeiros. 

Na verdade, Andreas Utermann, diretor mundial de investimentos da Allianz Global Investors acredita que o contexto de volatilidade e de aversão ao risco poderá gerar interessantes oportunidades de compra. O especialista afirma que a “crise grega está a ser uma espécie de déjà-vu da crise da dívida soberana europeia, com ampliação dos spreads do crédito e da dívida periférica, maior volatilidade, e uma fuga para ativos refúgio como as bund alemãs”. No entanto, a médio prazo vê mais interesse na compra de obrigações periféricas e crédito europeu com as quedas que vender com a recuperação do mercado.

Utermann vê como provável que as bolsas de outros países europeus, sobretudo periféricos, mostrem correlação com os movimentos dos mercados em obrigações, com a ampliação dos spreads e com a exposição dos bancos à dívida soberana, o que gerará oportunidades de compra para os investidores com um horizonte temporal a médio prazo. Quanto ao euro, “esperamos que continue a registar volatilidade e debilidade neste período, apoiado pelas políticas do BCE e pelo recente intervalo de cotação de 1.05-1.15 face ao dólar, que não se deteriorou durante o recente aumento das tensões”. Na opinião do especialista, “qualquer nova depreciação relacionada com um possível Grexit será breve”.

O que poderá fazer o BCE para evitar o contágio

Na opinião de Kenneth Orchard, gestor de carteiras de obrigações europeias na T. Rowe Price, a tranquilidade com que o mercado de dívida grega reagiu ao não – inclusive a dívida peroférica – “sugere que os investidores, provavelmente, já tinham adotado uma postura defensiva antes do referendo”, e que “os atores de mercado confiam no facto do BCE intervir caso aumentem as tensões financeiras”. Mas, o que pode fazer a autoridade monetária para evitar o contágio no caso de o governo grego e os seus credores não conseguirem alcançar um acordo?

A equipa de análise da Morgan Stanley IM acredita que chegou o momento do banco central poder intervir nos mercados de várias formas. “Em primeiro lugar, aproveitariam a flexibilidade oferecida pelo atual programa expansão quantitativa para adiantar as compras de ativos”, com o objetivo de manter as taxas de juro em níveis baixos. Em segundo lugar, os especialistas acreditam que iria recorrer à intervenção global, ou seja, “usaria as conferências de imprensa depois da próxima reunião do conselho do governo para enfatizar que está preparado para tomar as decisões que sejam necessárias”.

Se assim não se conseguisse acalmar o mercado, o BCE poderia planear ampliar os seus atuais programas de compras de ativos, ou seja, “elevando o limite de 60.000 milhões de euros mensais do QE atual, aumentando o tamanho total do programa mais além dos 1,14 biliões de euros até setembro de 2016 ou mediante uma intervenção mais centrada nos mercados periféricos com ferramentas como o Programa para Mercados de Valores ou transações monetárias diretas”.

O verdadeiro significado de um ‘Grexit’

O Credit Suisse, num dos seus ‘Research Alert’ emite alguns pontos chave para perceber o que de facto estaria em causa se o país helénico abandonasse o euro.  “Existe uma confusão substancial sobre o que é que um ‘Grexit’ realmente significa” começam por dizer. Na opinião da entidade suíça tem-se constantemente confundido e igualado um Grexit a uma “simples troca do euro, como moeda oficial, para outra moeda, como por exemplo o dracma”. Reiteram  que “o ponto chave para perceber os efeitos económicos da saída da Grécia é entender o processo que se abriria se as negociações entre a Grécia e os credores quebrassem”.

Entre as várias consequências da falha nas negociações, avisam por exemplo que o corte na linha de liquidez de emergência (ELA) por parte do BCE seria ainda mais acentuado, o que, a médio prazo provocaria uma dificuldade dos bancos gregos se financiarem junto dos BCE. “A consequência final seria uma limitação ainda maior do levantamento do dinheiro nos multibancos”, escrevem. Embora o término formal da ELA apenas seja declarado a 20 de julho - caso a Grécia não cumpra o pagamento dos 3,5 mil milhões de euros pedidos ao BCE - o Credit Suisse alerta que antes disso, se a Grécia falhar o pagamento de uma dívida soberana japonesa cuja maturidade vence a 14 de julho, “o perigo para o país pode ser grande”.

Para a o resto da Zona Euro, a entidade suíça acredita que as consequências apareceriam sob a forma de três canais. Em primeiro lugar, dizem que “a crise económica grega terá algum impacto na atividade económica do resto da Europa”, mas com efeitos contidos, porque “a Grécia apenas perfaz 2% do PIB da Zona Euro”. Em segundo lugar, escrevem que o impacto mais significativo seria ao nível do sentimento dos mercados bem como no contágio provocado nos mesmos. “A continuação desta incerteza provocaria um alargamento ainda maior dos spreads do crédito, especialmente em Espanha e Itália”, reiteram. Por último, a saída grega poderia afectar a Zona Euro através das perdas financeiras directas resultantes de um default grego.