Gestoras ativas a falar de gestão passiva de maneira educada, construtiva e não visceral

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M. Martin Vicente, Flickr, Creative Commons

Em muitas sociedades ocidentais, observa-se uma deterioração da cultura do debate. Em vez de intercalar argumentos de maneira educada e respeitosa e aceitar posições contrárias às nossas, as discussões estão a ser cada vez mais emocionalmente carregadas. Por vezes, o objetivo é mesmo a destruição total do adversário a partir de um ponto de vista argumentativo. Este tipo de confrontos dialéticos produz-se sobre diferentes temas, também em assuntos relacionados com a indústria da gestão de ativos. Neste sentido, o mais intenso está a produzir-se entre a gestão ativa e passiva, onde a troca de ataques é constante. O debate está a ser bastante amargo e, em certas ocasiões, até visceral. Por esse motivo, é surpreendente ver algumas entidades, cujo modelo de negócio se baseia exclusivamente sobre a comercialização de fundo de gestão ativa, a fazer uma análise serena, educada, inteligente e sensata sobre o que supõem e representam as estratégias indexadas.

A principal razão deste longo e intenso debate sobre gestão ativa e passiva é a crítica feita à primeira de que não cumpriu a sua promessa de rentabilidade. A reputação e a razão de ser da gestão ativa está baseada na criação de valor para os clientes. Antes, este valor definia-se como a realização de desempenho superior em relação a qualquer ponto de referência. “Cumprir esse objetivo está longe de ser um assunto trivial. Requer que as gestoras contratem os melhores profissionais e que os mantenham na empresa. É necessário contar com recursos de análise que proporcionem a informação necessária para que os especialistas de investimento possam manter-se à frente. Implica a criação de uma cultura e de uma plataforma para o intercâmbio de informação entre equipas, para além do estabelecimento de processos de investimento e gestão de riscos sólidos. Tudo isto tem um custo elevado”, reconhece Andreas Utermann, CEO e diretor de investimentos globais da Allianz Global Investors.

Neste contexto, e como resultado da crescente eficiência dos mercados de capitais, nos últimos anos a gestão ativa – pelo menos nas principais categorias de ações – não conseguiu atingir o rendimento dos índices depois de gastos. Em alguns países, isto levou os reguladores a analisar a relação qualidade-preço da indústria. Isto significa que a gestão ativa está obsoleta? Segundo Utermann, não, mas implica a necessidade de um ajuste.

“Por esta razão, os gestores de investimento ativo do futuro estão a adaptar-se. Esta adaptação começa com uma melhoria na proposta de valor. No passado, a indústria reduziu desnecessariamente a definição de valor relativo ao excesso de rentabilidade obtida face a índices comparáveis. Prestou-se pouca atenção ao facto de a relação com o cliente – especialmente no mundo institucional – ser muito mais complexa: começando com a preparação conjunta da distribuição de ativos através da seleção de fundos, até à gestão de ativos e passivos ou gestão de riscos. O que geralmente é omitido é que, até quando se implementa uma estratégia de investimento construída integralmente sobre instrumentos passivos, a maioria dos clientes necessita de assessoria ativa. Portanto, a proposta de valor não engloba apenas a oferta de um rendimento superior ao índice”, assegura.

Neste caso, o investimento passivo está obrigado a realizar alterações na gestão ativa que – segundo David Lafferty, especialista-chefe de mercados de Natixis IM – já deveriam ter-se implementado há muito tempo. “Em primeiro lugar, a indexação está a obrigar os gestores ativos a reavaliar a competitividade das suas comissões. No futuro, os gestores ativos terão de alinhar melhor as suas comissões com a sua habilidade para gerar maiores retornos. Este ajuste para baixo, por definição, melhorará o rendimento líquido (ceteris paribus). As alterações regulatórias também assumem um papel importante. Diretivas como a RDR no Reino Unido e a proposta de novas regras fiduciárias nos Estados Unidos, obrigam os compradores de fundos a adquirir classes de ações de menor custo com muitos dos gastos extremos eliminados”, explica.

Para além de um melhor rendimento, uma análise mais detalhada dos custos poderá gerar lucros adicionais. “As receitas de menores comissões derivaram de uma era de maior disciplina e eficiência para os gestores ativos. Durante anos, elevadas margens de lucro em todo o setor permitiram dispersar o foco dos gestores ativos. Muitos investiram demasiado em áreas de negócio não relacionadas com a geração de alfa, mas à medida que as margens se reduzirem, os dias de desperdício e presentes entre o setor estão provavelmente contados”, assinala o especialista.

Por outro lado, é importante referir o facto de uma abordagem mais focada na criação de maior retorno levar os gestores de ativos a criar carteiras mais diferenciadas. “Já na década de 80, as instituições começaram a reconhecer que as carteiras poderiam voltar a ser mais eficientes ao separar o beta barato do custoso alfa. Atualmente, até os investidores individuais entendem os perigos de aderir ao índice e pagar mais pelo beta, e gradualmente estão a obrigar os closet trackers a deixar o negócio”.

Na sua opinião, o sinal de alerta do próximo mercado vai forçar os investidores a refletir mais sobre a qualidade dos ativos que possuem, levando muitos deles para estratégias que podem gerir melhor os riscos. “Em vez de queixar-se, os gestores ativos devem dar as boas-vindas às alterações sugeridas no setor da gestão de ativos. A longo prazo, as pressões competitivas da indexação passiva poderão salvar a gestão ativa”, conclui Lafferty.