Fundos com baixo tracking error e elevado active share: como é possível?

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rchew911, Flickr, Creative Commons

Ultimamente, encontramos gestores de ações que dizem estar à frente de estratégias com baixo tracking error e um elevado active share. Como pode um fundo de gestão ativa ter um baixo tracking error e ao mesmo tempo um elevado active share? Para esclarecer esta questão, perguntámos a Santiago Daniel O’Davoren, diretor de produtos de Investimento do Deutsche Bank, que o primeiro que fez foi pôr-nos a par da situação e realizar um trabalho pedagógico sobre como devemos interpretar e o que nos indicam realmente ambos os rácios.

Tal como explica, ao avaliar a qualidade da gestão em investimentos gerais  ou de valor absoluto, o que interessa é conhecer qual foi a rentabilidade e qual foi o risco ou volatilidade assumida pelo gestor. Não obstante, para medir o sucesso de um fundo que, por política de investimento, está delimitado a determinados mercados, a sua rentabilidade e volatilidade deixam de ser relevantes e o que importa são o seu excesso de rentabilidade e o seu excesso de volatilidade, ou volatilidade relativa ao índice. É isto que se denomina tracking error e é definido com a volatilidade (isto é, desvio típico) das diferenças de rentabilidade entre o fundo e o índice.

O que faz com que um fundo tenha um maior tracking error? Desviar a sua composição da do índice. “Quanto mais diferente for um fundo do seu índice, em princípio, maior será o seu tracking error. Isto consegue-se de várias formas: que os valores da carteira pesem diferente (por excesso ou por defeito) do que o fazem no índice, que se incluam valores que não estejam nele, que se mantenha uma posição anormal na liquidez, que se mude o perfil de risco mediante o uso de derivados...”, aponta O´Davoren.

Precisamente, o active share mede o grau de desvio da carteira face ao seu índice de referência ou, por outras palavras, a percentagem da carteira que é diferente dele. Em concreto, o active share calcula-se ao somar as diferenças, em valor absoluto, do peso das carteiras face aos do benchmark, e o total dividido entre dois. Um ETF que replica um índice tem um active share de 0% enquanto o de um fundo que só investe em valores fora do índice é de 100%.

“Pelas suas próprias definições, pode entender-se quais são as diferenças entre ambos os termos. O tracking error é uma medida de risco relativo, entendendo como tal a probabilidade ou facilidade com a que a sua rentabilidade se pode desviar do índice. Pelo contrário, o active share mede o quão ativa ou passiva está a ser a gestão no fundo. O primeiro tem por tanto uma dimensão de risco enquanto o segundo é uma medida de quão ativa ou passiva é a gestão”, explica o especialista.

O cerne da questão é que, tal como revela O’Davoren, ter um elevado active share não implica obrigatoriamente que o tracking error seja igualmente elevado. “Um fundo que sai muito do seu índice, mas para investir em valores semelhantes (muito correlacionados) terá um elevado active share, mas manterá um baixo tracking error”, afirma. Isto é: um gestor de ações europeias pode estar a investir em empresas que não estão no índice mas que, na prática, apresentam uma correlação muito elevada pelos valores que estão no benchmark.

Quando o investidor ouve falar do active share deve usar essa informação com cautela, porque maior active share não  o deve necessariamente levar a pensar numa maior rentabilidade esperada. O’Davoren recorda que nos últimos anos foram publicadas algumas análises que chegavam à conclusão que os fundos com maior active share ofereciam melhores retornos do que aqueles que tinham esse valor mais baixo, apesar destes resultados terem sido postos em causa em publicações posteriores.

“Se estas conclusões forem certas, também deverão sê-lo para os fundos com maior tracking error, posto que, como se pode imaginar, active share e o tracking error estão bastante correlacionados: quanto mais se diferencie um fundo do seu benchmark, maior será o risco de que a sua rentabilidade se desvie deste”, indica O’Davoren. Não obstante, isto não necessariamente deve levá-lo a pensar que automaticamente o produto se comportará melhor.

Entre os trabalhos posteriores que mostram um maior ceticismo sobre a capacidade preditiva do active share enquadra-se um da Morningstar realizado sobre o universo de fundos de ações europeias. A empresa de análise descobriu que, entre os produtos mais ativos, o grupo de fundos com um active share superior a 90% gerou rentabilidades inferiores à do fundo médio do quartil com o active share mais alto em todos os períodos analisados. Tendo em conta que os fundos com um active share superior a 90% mostram uma dispersão da rentabilidade adicional muito maior, a conclusão a que chega a Morningstar é que o risco de alcançar um active share muito elevado não se viu compensado ao nível de rentabilidade.