Estes são os múltiplos desafios que enfrentará a dívida desenvolvida nos próximos meses

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Jorge Viana Basto, Flickr, Creative Commons

Os principais eventos marcados na agenda dos investidores em obrigações neste verão foram as reuniões do mês de julho da Reserva Federal e do BCE, bem como o simpósio de banqueiros centrais celebrado em agosto em Jackson Hole. Nas primeiras, ambos os bancos centrais se encarregaram de temperar as suas mensagens sobre a normalização monetária, enquanto que na segunda nem Janet Yellen nem Mario Draghi deram uma única pista acerca dos seus planos para o futuro imediato, embora tenham alertado sobre as consequências do possível auge do protecionismo.

“As tensões no mercado de obrigações suavizaram nas últimas semanas, o que sugere que este enfoque caiu bem entre os investidores”, comenta a esse respeito Eliezer Ben Zimra, gestor da Alocação de Ativos e Dívida Soberana na Edmond de Rothschild AM. O Banco de Inglaterra também teve a sua pequena quota de protagonismo, ainda que apenas para evidenciar a limitada margem de manobra que o Brexit deixou.

Os investidores elegeram principalmente as divisas como instrumento para expressar a sua visão sobre o rumo das políticas monetárias. Ben Zimra adverte que “a apreciação do euro nos  mercados de divisas foi suficientemente longe para ter impacto nas ações europeias”, ao mesmo tempo que assinala que “o ponto morto em que se encontra Trump pôs o dólar sobre pressão”. “Vemos o dólar a embarcar numa tendência de queda pluri-anual”, afirma por seu lado Jack McIntyre, gestor na Brandywine Global, filial da Legg Mason. Afirma que “a Administração Trump favorece um dólar mais débil para dar à economia norte-americana uma vantagem competitiva; um crescimento económico melhor fora dos EUA é associado, tipicamente, a uma moeda mais fraca” (ler mais sobre a apreciação do euro e a debilidade do dólar).

Incerteza nos EUA

Entretanto, a dívida soberana e o crédito desenvolvido conseguiram gerar rentabilidades positivas: segundo dados da J.P.Morgan AM do mês de agosto, as treasuries subiram uns 1,1% enquanto a dívida soberana europeia ganhou 0,8%; a dívida global com grau de investimento somou também 0,8%, enquanto que o high yield europeu subiu 0,3%. As obrigações ligadas à inflação também conseguiram bons resultados, com uma rentabilidade de 1,6% em agosto. Dentro do universo de dívida soberana, as obrigações mais rentáveis em agosto foram as gilts britânicas, com 2%, seguidas pelas bunds (1,3%), treasuries (1,2%), dívida japonesa (0,6%) e a espanhola e italiana (0,4%). Além disso, a dívida soberana global registou um avanço de 1% em agosto.

O gestor da Brandywine afirma que “as forças reflacionárias globais e a expectativa de uma política monetária norte-americana mais ortodoxa deverão pôr as taxas sobre pressão positiva”. Na sua opinião, as treasuries cotam atualmente perto do seu justo valor, ainda que avisa que o impacto da normalização monetária da Fed “é muito desconhecido para o mercado de dívida norte-americano”. Se a isto se somar a debilidade do dólar e o menor crescimento da economia norte-americana, o especialista considera que poderão atuar “como um impulso para as obrigações globais”.

“O verdadeiro mistério é o que se passará nos EUA”, corrobora Philippe Waechter, economista chefe da Natixis AM (afiliada da Natixis Global AM). “O ciclo empresarial é agora muito longo, ainda não há políticas económicas e a Fed não sabe como atuar exatamente, enquanto que o contexto político é incerto e arriscado”, detalha o economista.

Para Paul Brain, que dirige a equipa de obrigações da Newton (parte do BNY Mellon), podem acontecer dois cenários nos quais se rompa a tendência bullish da dívida desenvolvida. Por um lado está o argumento a favor da Curva de Phillips, que afirma que “uma taxa de desemprego muito baixa criará finalmente salários mais elevados que levarão a Fed a subir taxas mais além do que deram a entender”; enquanto que outros consideram que “as forças desinflacionárias de longo prazo (demografia, disrupção tecnológica, dívida e excesso de capacidade global) estão a oprimir os salários, e a economia está a mostrar sinais de debilidade”. Brain posiciona-se a si mesmo na segunda frente, ainda que afirme que “a Fed pode estar na primeira”.

Taxas na Europa

Os investidores convenceram-se a si mesmos que o ‘quantative hardening’ não será disruptivo, como evidenciou a queda das yields da dívida refúgio (EUA e Alemanha) durante o verão. Ao decidir centrar a sua comunicação em problemas de médio prazo, tanto a Fed como o BCE conseguiram ter sucesso a arrefecer a temperatura em torno da normalização”, explica Jean Médecin, membro do Comité de Investidores da Carmignac.

O especialista alerta que, com o breakeven da inflação a manter-se firme e com o crescimento a surpreender em alta, “a dívida soberana considerada como segura é vulnerável”, especialmente no caso das bunds, “onde uma pessoa somente se pode sentir perplexa pela queda das yields em agosto, quando o crescimento da Zona Euro foi um choque e a capacidade do BCE para continuar com o seu programa de QE inalterado é cada vez mais incerta”. Médecin é muito claro ao advertir que “o perfil de rentabilidade e risco da dívida soberana alemã está significativamente orientado para baixo, e os investidores deverão ter em conta a convexidade de uma inversão”.

O diretor de investimentos de obrigações da AXA Investment Managers, Chris Iggo também alerta os investidores para os perigos que advêm das valorizações atuais: “As taxas de juro continuam a ser a maior fonte de riscos para os investidores em obrigações, ao tornar-se cada vez mais incongruente manter taxas zero ou negativas enquanto o crescimento global é generalizado e a inflação está, pelo menos, a dirigir-se para os 1% em muito locais”. Para Iggo, tendo em consideração a fase do ciclo e a valorização do mercado de crédito, “uma sequência de taxas mais altas e spreads mais amplos continua a parecer o rumo mais provável de um ajuste do mercado de dívida”.

Tim Winstone, gestor da Janus Henderson Investors, fornece a visão mais consensual sobre a dívida corporativa europeia. Por um lado, realça que “os fundamentais corporativos são robustos, os dados económicos europeus são firmes, os fluxos para a classe de ativos continuam a ser fortes e, ainda que o BCE continue a ser acomodatício, a dívida europeia com grau de investimento está bem apoiada”.

Winstone põe do outro lado da balança as preocupações macro: “O potencial conflito entre os EUA e a Coreia do Norte, o tecto do endividamento nos EUA, as eleições alemãs e italianas e as negociações do Brexit, juntamente com a elevada oferta esperada em setembro”. O gestor declara-se assim “cautelosamente construtivo”, no curto prazo.