É este um bom momento para investir em mercados emergentes em divisa local?

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LendingMemo, Flickr, Creative Commons

Obrigações emergentes em moeda local é a grande oportunidade de investimento que existe no segmento de fixed income, sobretudo se compararmos com os baixos retornos que podem ser encontrados nos mercados desenvolvidos. Esta é a grande ideia transmitida por Federico García Zamora, gestor do BNY Mellon Emerging Markets Local Currency Debt, um fundo gerido pela Standish – filial da BNY Mellon IM –, e que ostenta o selo Blockbuster Funds People.

Segundo o gestor, “este é, provavelmente, o mais puro que existe no mercado, no sentido em que investe unicamente em divisa local (sem deter qualquer exposição a dívida em dólares) e que investe em exclusivo em dívida soberana ou quase-soberana (só compram títulos de empresas que pertencem 100% ao Estado; por exemplo, investem na PEMEX, que é uma empresa detida na sua totalidade pelo México, mas não investem na Petrobras, cujo capital não é controlado totalmente pelo estado brasileiro)”.

García Zamora revela, ainda, que a análise levada a cabo nesta estratégia combina a análise macroeconómica (top down) com a fundamental (bottom-up). “Na minha opinião, são ambas o mesmo, uma vez que é impossível estudar a PEMEX sem ter uma visão sobre o petróleo. Se vier alguém vender os seus títulos ao nosso escritório e a nossa analista de PEMEX, que é quem estuda cuidadosamente todos os fluxos de caixa da empresa, tem uma avaliação negativa sobre a evolução do preço do crude, já não nos interessa”, revela. Segundo explica o gestor, as obrigações emergentes em dívida local é uma classe de ativos bastante macro, que se vê condicionada por factores externos que são os que, na maioria das vezes, determinam grande parte da rentabilidade total gerada por um fundo de investimento. As taxas de juro nos Estados Unidos e na Europa são um desses exemplos.

O retorno total desta classe de ativos tem uma componente de divisa e uma componente de duration. Esta última é bastante afetada pela política monetária dos Estados Unidos porque as Treasuries americanas são a referência mundial para o valor da duration. Tudo se avalia em função da taxa de referência dos Estados Unidos que é, supostamente, a que não tem risco. Movendo-se a referência, isto afeta todas as outras”. Nos seus estudos econométricos, estes factores externos explicam aproximadamente dois terços da volatilidade da classe de ativo. Uma terceira parte é explicada por factores domésticos, que, em alguns casos, é política exterior, como acontece com o México. Como tal, é importante analisar caso a caso. “Há países que são mais suscetíveis a que a instabilidade política impacte mais o ativos. É difícil quantificar. Altera bastante de país para país e durante o tempo”.

É um bom momento para investir?

Atualmente, a grande pergunta que fazem hoje os investidores é se estamos perante um bom momento para ser construtivos e investir agora nos mercados emergentes em divisa local. Será este um bom ponto de partida? García Zamora reconhece que teria sido um momento muito melhor há dois anos, ainda que o momento atual continue a ser bom.

“Há dois anos, a nossa visão estava relacionada com a valorização. A classe de ativos estava a ser colocada de parte. A nossa postura era que estava tão barata que, a qualquer momento, o preço ia subir. Essa postura foi sofrendo alterações à medida que o tempo ia passando. Hoje, os fundamentais dos países estão a melhorar (têm menos inflação, menos défice na conta corrente...), enquanto que os fundamentais externos estão também a melhorar (o preço do petróleo está a recuperar, o dólar começa a baixar...). Temos vindo a dizer há algum tempo que é uma classe de ativos bastante atrativa, que o contexto externo e doméstico é positivo e que os retornos deverão ser bons. Hoje mantemos a mesma convicção. Os motores externos continuam a apontar na mesma direção: acreditamos que o dólar vai continuar a baixar, o euro a subir, o preço das matérias-primas a subir. E tudo isto dá alento a esta classe de ativos”, revela.

Para o especialista, a melhor notícia é que esta classe de ativos tem a seu favor o carry, que, atualmente, se encontra, em dólares, nos 4,5% e, em euros, nos 7%. “Isto oferece um bom paraquedas, o que é muito positivo, e fá-la parecer bastante atrativo face a qualquer outra classe de ativos em obrigações”, afirma. O principal risco identificado por García Zamora para esta classe está no facto de que o dólar aprecie, que o preço das matérias-primas volte a baixar e que as taxas de juro subam acima do esperado. Ainda assim, essas não são as expectativas que concebem. “Estamos perante um cenário muito longe do que vivemos entre 2011 e 2016, período no qual as divisas emergentes sofreram bastante, colocando pressão na rentabilidade desta classe de ativos”, refere.

Nesse período de cinco anos aconteceram três eventos chave: a crise da dívida na Europa, que pressionou o euro, afetando as divisas emergentes (fácil de entender em países como a Polónia, bastante envolvidos em todo o processo de manufactura europeu); a decisão da Fed de alterar a trajetória da política económica nos Estados Unidos em 2013, que apanhou o mundo de surpresa e o BCE, que levava a cabo políticas cada vez mais expansivas, o que fortaleceu o dólar e penalizou o euro; e a queda do preço do petróleo a partir de 2014, o que colocou uma grande pressão em todos os ativos e provocou um fly to quality. “Essa combinação de factores deu bastante força ao dólar e provocou uma queda das divisas emergentes. Chegou até ao ponto em que o dólar se converteu numa divisa cara e todas as emergentes em moedas bastante baratas. A tendência começou a mudar aí e, em 2016, começaram a recuperar, uma tendência que, na nossa opinião, vai continuar”.

A recuperação das divisas emergentes foi bastante assimétrica

Não existe um cabaz de referência para poder medir com exatidão quanto recuperaram até ao momento as divisas emergentes no seu conjunto face ao dólar. O que sabemos é que, em geral, a recuperação foi, por agora, bastante assimétrica. “O real brasileiro depreciou de 1,60 para 4 e hoje está nos 3,25, não chegando aos níveis anteriores. De igual forma, o peso mexicano valia 12, chegou aos 22 e agora está nos 18. Recuperaram um pouco, mas não estão a voltar aos níveis de 2013”, exemplifica.

Outro aspecto bastante positivo apontado pelo gestor relativamente ao mercado de obrigações emergentes em divisa local é a liquidez. “O índice está muito concentrado em 17 países, que são maiores e mais líquidos. O universo de hard currency, pelo contrário, é muito mais diversificado. Conta com 60 países, sendo que alguns deles são menos líquidos. Em local currency, a liquidez não é uma preocupação. Melhorou bastante nos últimos anos. Se compararmos a liquidez atual com a liquidez que existia há uma década, observamos que melhorou muito. O universo de hard currency é também um mercado profundo, ainda que, se comprarmos títulos de países como o Camboja, Paraguai ou Bolívia podemos deparar-nos com alguns problemas de liquidez”.

A longo prazo, o problema para esta classe de ativos é a volatilidade

Para o gestor da BNY Mellon IM, a longo prazo, a principal preocupação não é a liquidez, mas sim a volatilidade, algo que – tal como alerta – convém seguir com atenção. “Vimos de anos de volatilidade muito reduzida, como consequência das políticas monetárias expansivas dos principais bancos centrais. Um dos bancos centrais mais importantes do mundo reverteu essa tendência. O BCE e o BoJ ainda não o fizeram. Historicamente, quando as taxas de juro sobem, a volatilidade aumenta também. Existe uma diferença de 2-3 anos entre ambos. Pode ser que, neste período, essa diferença seja maior, mas é expectável um aumento da volatilidade. É, ainda assim, muito cedo para nos preocuparmos com isto, mas daqui a um ou dois anos é importante contar com esse aumento da volatilidade. Isto é o que mais me preocupa a longo prazo”, conclui.