Dois efeitos potencialmente positivos das subidas das taxas de juro previstas para 2018 e três advertências

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iboogaloo, Flickr, Creative Commons

O Comité Federal de Mercado Aberto (FOMC) da Reserva Federal tem vindo a antecipar, desde setembro, três subidas das taxas de juro para este ano até níveis de 2% - 2,25%. Um dos efeitos deste ciclo de subidas das taxas refletiu-se no achatamento da curva das taxas de juro nos Estados Unidos, ao ajustarem as expectativas dos investidores relativamente ao preço das obrigações de menor duração da curva. Este sinal foi recebido com preocupação por certas partes do mercado, pois olhando para os precedentes históricos, este fenómeno pode ser um indicador de fim do ciclo e de um menor crescimento no futuro. Mas nem tudo tem que ser tão negativo.

Os analistas do Capital Group constatam certas alterações no posicionamento geral do mercado nas últimas semanas: muitos investidores aumentaram o valor em carteira ou investiram mais em obrigações de menor duração e em obrigações de taxa variável. No entanto, “a visão de que as obrigações têm que sofrer perdas quando sobem as taxas de curto prazo é uma ideia equivocada”, afirmam os especialistas.

Analisaram os sete últimos ciclos de subidas das taxas de juro – incluindo o atual – e chegaram à conclusão de que “as obrigações com grau de investimento produziram, em geral, retornos positivos”, tal como se pode observar no gráfico abaixo, que mede os resultados do índice Bloomberg Barclays U.S. Aggregate.

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A tese que os especialistas defendem é que “se as subidas das taxas são graduais, os juros pagos pelas obrigações podem exceder o impacto no preço para gerar um retorno positivo”. De facto, desde que a Fed começou este ciclo de subidas das taxas em 2015, o índice analisado avançou cerca de 6%.

Jim Leaviss, gestor e diretor de obrigações minoristas da M&G Investments, opina que a forma da curva não está necessariamente a antecipar uma recessão nos Estados Unidos: “A procura persistentemente alta de obrigações governamentais a longo prazo deveu-se, em parte, a outros fatores estruturais importantes, como o menor crescimento da produtividade, níveis de inflação mais baixos, assim como o envelhecimento da população mundial”.

Para além disso, o gestor acredita que o movimento da curva se teria acelerado nas últimas semanas ao arrancar o tapering do balanço da Fed. Também teria tido influência a decisão do Tesouro dos Estados Unidos de vender mais dívida soberana a curto prazo e a compra em antecipação à reforma fiscal norte-americana de instrumentos a mais longo prazo por parte de empresas norte-americanas, para beneficiar os seus passivos relacionados com pensões.

Se a estes fatores técnicos se juntar o facto de o encerramento do gap de produção global poder provocar um aumento da inflação, Leaviss acredita que “poderão haver pressões baixistas sobre o preço das obrigações governamentais norte-americanas a longo prazo (ou até britânicos ou europeus) nos próximos meses”. “Nos níveis atuais, muitas obrigações governamentais a longo prazo são bastante caras”, acrescenta.

A questão é que a continuação da normalização monetária nos Estados Unidos também pode ser positiva para um dos ativos favoritos das gestoras neste começo de ano: as ações norte-americanas. Segundo Nick Sheridan, gestor da Janus Henderson Investors, a subida gradual das taxas “pode levar a uma alteração de liderança nos mercados, com os investidores a considerar os riscos potenciais daquelas empresas que se tenham endividado demasiado”. Se esta tese me materializar “poderá ser um fator positivo para as ações europeias deep value, particularmente as daqueles setores onde atualmente há um excesso de oferta”.

No entanto, o gestor adverte que a seleção de valores continua a ser fundamental: “O preço de entrada é importante e um processo guiado pela análise de empresas pode ajudar os investidores a identificar aqueles negócios que tenham um potencial sobrevalorizado ou subvalorizado, mais que simplesmente uma baixa valorização”.

Recomendações aos investidores

Para o gestor, a grande lição de 2017 é que “a estabilidade é transitória”. Refere-se a que a combinação de uma política monetária acomodatícia, a melhoria dos dados económicos, a queda do desemprego e o crescimento dos lucros levou a um longo período de estabilidade nos mercados, mas em contrapartida “os investidores parecem otimistas face aos riscos potenciais, apesar de advertências como o Brexit ou a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos”.

Sheridan descarta que os mercados estejam a viver atualmente um “Momento Minsky” (colapso de valorizações depois de um longo período de crescimento), mas dá um conselho: “Os investidores devem evitar a euforia”. ”É importante terem em conta a quantidade de endividamento nos mercados, que poderá ser um problema se a rentabilidade das obrigações se mover, ainda que a Europa, na minha opinião, esteja melhor posicionada que os Estados Unidos”, conclui.

Uma outra questão colocada pelo especialista da M&G tem a ver com a deterioração generalizada da qualidade do crédito com grau de investimento nos últimos anos. “Foi em parte voluntário, uma vez que as empresas acreditaram que juntar o achatamento dos seus balanços poderia melhorar as rentabilidades das ações, mas também reflete as revisões em baixa do crédito sofridas pelos bancos e as instituições financeiras durante e depois da crise do crédito”, afirma Leaviss. Assim, enquanto em 2000 pouco mais de 30% do crédito norte-americano e pouco menos de 10% do mercado europeu estavam qualificados como BBB, atualmente o peso dos emissores BBB supõe quase 45% do mercado global, levando a que este apresente um perfil de crédito de maior risco que há uma década.

Trata-se de um dado especialmente relevante tendo em conta os níveis atuais dos spreads. “Poderá pensar-se que, apesar da subida dos preços das obrigações corporativas nos últimos anos, as valorizações simplesmente voltaram à sua média a longo prazo. No entanto, se se tiver em conta a referida deterioração da qualidade do crédito, o panorama parece menos otimista. Indica que o crédito glocal é agora mais caro e aproxima-se da sua valorização histórica”, conclui.

Desde a BNY Mellon Investment Management, o gestor Paul Brain refere um último ponto: “O alto nível de endividamento tanto a nível corporativo como governamental aumentou, sem dúvida, a vulnerabilidade da economia a taxas mais elevadas”. A previsão dos especialistas é que “em algum ponto durante este ano, os ativos de risco vão despertar nesta fase de endurecimento e serão reavaliados, provocando uma procura de ativos refúgio, como obrigações soberanas”.