Défice público, o nosso Karma

Carlos Bastardo
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De um défice de 11,2% do PIB em 2010, Portugal conseguiu chegar a um défice abaixo dos 3%, um dos critérios definidos para ser cumprido em 1998, de forma a que os países europeus pudessem aderir ao euro. Era um dos critérios do famoso Tratado de Maastricht.

Desde 2011, ano do terceiro resgate do país desde o 25 de abril de 1974, o programa de consolidação das contas públicas imposto pelos credores, conseguiu com mais ou menos dificuldade, trazer o défice público para níveis pouco acima dos 2% do PIB. O curioso é ver muitos dos responsáveis deste país vibrarem com este feito, quando já deveríamos ter um défice público muito mais baixo ou até mesmo, não termos défice.

O esforço de consolidação das contas públicas, especialmente no período de 2011 a 2015, pois foi neste período que o trabalho árduo foi efetuado, teve o efeito positivo de poder vir a tirar o país do procedimento por défice excessivo no futuro. Contudo, a dívida pública face ao PIB permanece elevada e até aumentou para 130,5% em 2016, o que diz bem das dificuldades e dos desequilíbrios ainda existentes.

Tal como referi por diversas vezes aos meus amigos e aos meus alunos por alturas de 1998 e anos seguintes, não chegava cumprir os critérios de Maastricht naquela altura. É como um aluno que consegue um Muito Bom num teste numa matéria que gostou muito de estudar; o que é difícil é continuar a tirar sempre essa nota daí para a frente.

Ou seja, o rigor das contas públicas tem que ser permanente e especialmente em anos de eleições, onde por norma há uma tendência para o despesismo. E este ano há eleições!

O prémio de risco do país é baseado essencialmente na perceção dos credores quanto à capacidade de endividamento e de reembolso dos compromissos financeiros do devedor e quanto ao potencial de crescimento económico. São estas duas variáveis que fazem mexer os ratings, para melhor ou para pior e, consequentemente, o prémio de risco de um país. 

Portugal tem de continuar a sua trajetória de diminuição do défice das contas públicas de forma sustentada, através de uma política equilibrada entre o esforço da diminuição da despesa pública (sobretudo) e o esforço da carga fiscal sobre os contribuintes. Só assim será possível reduzir o spread de risco soberano face à Alemanha e que hoje ascende a 380 pontos base ou seja 3,8%.

Quando pagamos 4,2% para emitirmos dívida a dez anos no atual contexto de taxas de juro muito baixas, quanto é que pagaremos se elas subirem 1% ou 2% no futuro? A história diz-nos que quando as taxas de juro de referência aumentam, o spread de crédito pago por emitentes com maior risco aumenta mais do que proporcionalmente, o que é um grande problema!

Não nos podemos esquecer que a inflação em janeiro de 2017 na zona euro já está em 1,8%, ou seja, apenas a duas décimas do target do BCE. A continuar esta trajetória, o ciclo de subida dos juros na Europa poderá ser antecipado.

Recentemente, duas agências de rating analisaram Portugal. A Fitch manteve o rating, mas alertou para o reduzido crescimento económico e a Moody’s referiu que Portugal é dos países que quer usar a política orçamental, mas não pode, pois é vulnerável a um choque de subida das taxas de juro ou a um choque de contração do crescimento económico. Portugal tem um elevado nível de endividamento e tem muitas dificuldades em baixar a dívida pública, em valor absoluto e em % do PIB.

A OCDE também veio alertar em Lisboa e na presença de 6 ministros que as reformas têm de continuar em Portugal, sob pena de o país perder competitividade.

O BCE tem nos últimos meses reduzido o ritmo de compra de títulos de dívida portuguesa, até porque se aproxima dos limites definidos. O que poderá suceder se o BCE deixar de comprar títulos de dívida portuguesa? 

As dúvidas das maiores agências de rating continuam e, por esse facto, o país ainda não passou para o nível de investment grade, ou seja, pelo menos para o nível de BBB- / Baa3. 

E Portugal precisa muito de melhorar o rating rapidamente, pois só assim, poderá ambicionar a uma descida do prémio de risco exigido pelos credores. E este convém mesmo que se reduza, antes que se inicie o ciclo de subida das taxas de juro na Europa.