Crise política em Itália: as gestoras internacionais comentam as consequências deste novo cenário

Itália
www.davidbaxendale.com, Flickr, Creative Commons

Desta vez não houve surpresas e as sondagens acertaram em pleno. O povo italiano foi às urnas e votou, de forma contundente, pelo 'não' às reformas constitucionais planeadas por Matteo Renzi (60% de 'não' contra 40% de 'sim'), o que o levou a demitir-se do cargo de primeiro-ministro de Itália. O novo cenário abre uma crise política e institucional no país, que segundo Patrice Gautry, economista-chefe da UBP, deixa o governo sem margem de manobra para colocar em marcha as novas reformas económicas e coloca Itália numa posição díficil para formar um novo governo de coligação ou encontrar uma maioria parlamentar estável. "A economia italiana atravessa um período de fragilidade e a sua evolução, provavelmente, irá continuar abaixo da que estava indicada pela Zona Euro", afirma o especialista.

Impacto nos mercados

A tranquilidade com que os mercados receberam esta nova crise política em Itália, faz transparecer que a vitória do 'não' e a demissão de Renzi já estava a ser descontada. Tanto assim é que as bolsas estão a reagir com subidas, em cerca de 1% nas principais praças europeias. "Para as ações, o foco estará nos bancos, cujos acionistas terão de enfrentar o risco de futuros aumentos de capital. Agora temos de nos centrar na recapitalização das entidades. Esperamos volatilidade até que se conheçam mais detalhes. No entanto, serão os investidores em ações e não tanto os de obrigações, que vão carregar o peso dos aumentos de capital que estão desenhados no horizonte, assinala Alberto Chiandetti, gestor do Fidelity Italy Fund.

Nos mercados de obrigações a situação é distinta e os prémios de risco dos países periféricos ampliaram-se durante o início da manhã, para depois passarem a estar de novo mais moderados. O de Espanha cresceu dois pontos base para os 130 pontos enquanto que o de Itália cresceu até os 169 pontos, com a rendibilidade das obrigações transalpinas a 10 anos a fixarem perto dos 2%. Já em Portugal, o prémio de risco recuou 11 pontos para os 348 pontos base.  Segundo Mondher Bettaieb, gestor do Vontobel Fund- EUR Corporate Bond Mid Yield da Vontobel AM, a reação está a ser positiva esta manhã. "Há que ter presente que o resultado das eleições na Áustria, onde ganhou o independente Van der Bellen, significa que a ameaça populista está, de certa forma, a diminuir na Europa, o que tranquiliza os mercados", explica. Já Valentijn van Nieuwenhuijzen, estratega-chefe e diretor de multiativos na NN IP, classifica o que aconteceu na Áustria como um raio de esperança para o calendário eleitoral que vai acontecer na Europa em 2017.

De qualquer forma, a maioria dos especialistas considera que o verdadeiro problema está na situação que o sector financeiro italiano atravessa. "A incerteza associada a este desenvolvimento irá dificultar a recapitalização dos bancos, alguns dos quais precisam desesperadamente de injeções de novo capital", recorda Paul Brain, diretor de ações de Newton (BNY Mellon IM)

A chave estará a 8 de dezembro

Para as obrigações italianas, a data chave continua a ser a reunião do BCE nesta quinta-feira, dia 8 de dezembro, da qual a Fidelity espera que saia uma ampliação do programa de QE durante pelo menos outros seis meses. “Na nossa opinião, o apoio que o BCE está a dar à dívida pública europeia faz com que seja improvável que os spreads das obrigações italianas subam de forma significativa e, neste sentido, o aumento da incerteza no mercado reforçará a postura expansiva do Governing Council da entidade. Portanto, interpretaríamos uma possível venda desenfreada de dívida pública da periferia como uma ocasião de compra”, asseguram. Mas as taxas da obrigação italiana a 10 anos estão abaixo do nível de abertura da passada sexta-feira e o spread com as bunds a 10 anos continua ainda longe dos máximos das últimas semanas, pelo que não se pode afirmar que haja pânico no mercado.

Impacto sobre a política do BCE

Outro dos efeitos colaterais do resultado do referendo em Itália passa por perceber que efeitos tem sobre a política do BCE. São muitos os que acreditam que isto influenciará o BCE a continuar  a ser acomodatício, o que pode explicar a favorável reação dos mercados. Na verdade, Mondher Bettaieb mostra-se convencido de que esta quinta-feira Mario Draghi anunciará uma extensão do programa de flexibilização quantitativa até final de 2017. “Fá-lo-á essencialmente porque na Europa, no próximo ano, ainda acontecerão eventos eleitorais importantes, e o presidente do BCE não quer adoptar nenhum risco para o mercado”, diz. Igualmente confiante está o economista chefe do UBP, que considera que a autoridade monetária está preparada para dar liquidez caso seja necessário, e também de forma a evitar fragmentação no mercado de obrigações, através dos programas de QE ou TLTRO.

Tal como recorda Patrick O’Donnell, gestor da Aberdeen, o mercado maioritariamente espera uma prorrogação durante seis meses de 80.000 milhões de euros ao mês. “Se Draghi não der a resposta esperada, ou parecer menos comprometido com o programa de flexibilização quantitativa, os mercados não serão tão otimistas. Poderá facilmente descarrilar o cuidadosamente equilibrado plano de recapitalização que Monte dei Paschi está a tentar levar a cabo neste momento. Se esse plano falhar, isso será uma má notícia para os restantes bancos italianos que necessitam de se recapitalizar. Se Itália não conseguir resolver os problemas das entidades bancárias, chegar-se-á a um caos. Uma vez mais a Europa está numa posição onde a política, o BCE e os bancos estão perigosamente ligados”, assegura.