Consequências para os mercados da política monetária da Fed

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Eli Christman, Flickr, Creative Commons

A Reserva Federal deu aos mercados o corte de taxas que tanto pediam, mas a reação inicial tem sido negativa. Um dólar mais forte e uma curva de taxas ainda mais plana parece uma resposta contra intuitiva para uma política monetária acomodatícia. Então, o que justifica esse movimento em queda? As gestoras internacionais analisam as consequências a médio e longo prazo.

Face a essa redução em 25 pontos base, agora fala-se de um corte de taxas hawkish. A chave está em que há uma falta de clareza sobre os passos seguintes que dará Jerome Powell, presidente da entidade monetária. Como recorda Dave Lafferty, chefe de estratégia de mercados na Natixis IM, Powell passou um momento difícil tentando explicar porque é que a Fed está a cortar as taxas se todo o Comité acredita que a economia norte-americana está ainda em boa forma. “A julgar pelas perguntas e respostas durante a conferência de imprensa era óbvio que muitos na sala não entendiam o que é que Powell estava a tentar transmitir”, afirma. Um dos mandatos da Fed é passar uma mensagem firme aos mercados. E falharam na reunião de julho. “Referindo-se ao corte de taxas como um ajuste intermédio no ciclo, muitos se questionaram se o chamado corte preventivo foi simplesmente um e pronto (‘One and done’), uma perspetiva não tão dovish como o mercado tinha considerado nos preços”, interpreta Lafferty. O tom dúbio também é apreciado por Tom Ackermans, analista de ações da Fidelity International. “Quando lhe foi perguntado – várias vezes – quantos cortes mais estava a contemplar a Fed, a sua única resposta foi que as decisões da Fed dependeriam dos dados”, cita.

Nem sequer entre os especialistas há um consenso de quão agressiva faz falta que seja a Fed. Na Natixis IM estão a considerar pelo menos um corte mais este ano. Da Merian GI também falam de uma oportunidade desperdiçada já que eles esperavam um corte de 50 pontos base. Nick Wall, co gestor do Merian Strategic Absolute Return Bond Fund, recorda as palavras do presidente da Fed de Nova Iorque: “Quando apenas tens tanto estímulo à tua disposição, vale a pena atuar rapidamente para baixar as taxas ao primeiro sinal de angústia económica”.

Quem vê como correto esse gesto moderado, escuda-se no facto dos dados macroeconómicos atuais nem sequer pedirem um corte. Shamik Dhar, economista chefe da BNY Mellon IM, interpreta que o movimento da Fed não se justifica pelo facto de as suas previsões centrais para a economia se terem deteriorado, mas sim porque os riscos de queda aumentam enquanto a inflação segue baixa. “Nesse sentido, é como se tivessem contratado um seguro”, explica.

Impacto nas carteiras

Curiosamente, depois de um dos maiores gestos acomodatícios que pode fazer um banco central, as gestoras mantêm a cautela com as ações. Temem o dano colateral de que Powell dececione. “Os mercados esperam demasiado dos bancos centrais com um corte próximo dos 100 pontos base”, sentencia Benjamin Melman, diretor de investimentos no Edmond de Rothschild.

Mas ainda com isto, o certo é que os ventos sopram a favor de certas classes de ativos. David Norris, responsável de crédito norte-americano da TwentyFour AM (Vontobel AM), defende que veremos um mercado de novas emissões em obrigações, robusto. “Os mutuários corporativos continuam a aproveitar o contexto de taxas baixas para refinanciar e melhorar a situação financeira do balanço”, justifica. Wall coincide. O fundo da Merian mantém as suas posições de longa duração no front-end dos EUA já que esperam novos cortes. Rick Rieder, co-gestor dos fundos BlackRock Fixed Income Global Opportunities e BGF Global Bond Income, também vê valor nas obrigações do tesouro norte-americano. Na sua opinião, do ponto de vista de construção de carteiras e de valorizações, os ativos de obrigações – e particularmente o tesouro norte-americano – mantêm a sua atratividade.

Outra ideia no espaço do fixed income é a dívida corporativa com investment grade e as titularizações hipotecárias (MBS) emitidas por organismos governamentais e que sugere John Bellows, gestor da Western Asset, filial de Legg Mason. “O contexto deverá sustentar as estratégias centradas na perceção dos rendimentos priorizados pelos ativos que geram rentabilidades superiores às dos índices de referência”, justifica.

Na Merian também continuam a assumir risco com obrigações de mercados emergentes e com o forex, enquanto estão curtos em dólar americano na espera de mais ação por parte da Fed. Esse posicionamento positivo em mercados emergentes explica-se, segundo Delphine Arrighi, gestora do Merian Emerging Market Debt Fund, porque os bancos centrais dos referidos países agora têm o caminho livre para começar as suas políticas de estímulos e colocar-se em linha com a tendência global. Por isso vê uma compressão maior nos spreads das obrigações em divisa forte. Os fluxos de mercado não vão ter oferta suficiente já que os países preferem errar do lado da cautela com as suas emissões. Para além disso,  no terreno fiscal as coisas estão favoráveis; tal como os preços das matérias primas.